AGOSTO 2013
SíNDROME DE ASPERGER
A Síndrome de Asperger é uma perturbação com traços semelhantes ao autismo, havendo mesmo controvérsia sobre se será uma entidade independente. A Dra. Carina Freitas, médica especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência (Pedopsiquiatria), fala em entrevista das principais características desta síndrome.

Como se caracteriza a Síndrome de Asperger? 
A Síndrome de Asperger (SA) ou Perturbação de Asperger está classificada e incluída no grupo das Perturbações Globais do Desenvolvimento (segundo o DSM- IV TR, que é o Manual de Diagnóstico das Perturbações Mentais). As características principais são: um défice grave e persistente da interacção social, e o desenvolvimento de padrões de comportamento e interesses limitados ou repetitivos. Estas características podem ter formas de apresentação diferentes em idades diferentes. Para além disso, pode também existir hipersensibilidade aos estímulos sensoriais (sons, cheiros, luz, toque ou texturas), e o uso de linguagem sofisticada, utilizando palavras rebuscadas, em tom monótono.

Qual a diferença entre a Síndrome de Asperger e o autismo?
Tanto a Síndrome de Asperger (SA) como o autismo (ou Perturbação Autística) são Perturbações Globais do Desenvolvimento. O que acontece é que, apesar da SA ter sido identificada em 1944, só foi oficialmente reconhecida como entidade independente e incluída no DSM-IV, em 1994. Contudo, há uma grande controvérsia se a SA é mesmo uma entidade distinta, ou se é equivalente ao autismo de alto funcionamento. Há semelhanças com o autismo, como os padrões repetitivos de comportamentos e défice na interacção social, mas os indivíduos com SA não apresentam atrasos clinicamente significativos na linguagem precoce, e os interesses são, na maioria, por áreas intelectuais específicas.

A partir de que idades se torna evidente? 
A idade média de diagnóstico varia entre os seis e os oito anos de idade, dado que nesta altura as dificuldades e as características comportamentais da Síndrome de Asperger, são melhor valorizadas. É quatro a cinco vezes mais frequente no sexo masculino, mas este ratio pode ser devido à maior dificuldade diagnóstica em detectar formas mais subtis de SA no sexo feminino. Parece haver um aumento da frequência entre os familiares dos indivíduos com esta perturbação, o que demonstra a importância dos factores genéticos. Por vezes na consulta, reparamos que o pai de uma criança com SA também apresenta características de SA.

Como é feito o diagnóstico da doença?
O diagnóstico é fundamentado na observação clínica e na informação que o próprio e os pais fornecem. Não existe um “teste” ou marcador biológico para a Síndrome de Asperger. Contudo, existe um conjunto mínimo de critérios para definir a SA, e uma das classificações diagnósticas mais usadas é o Manual DSM IV-TR. Uma determinada característica poderá estar presente numa criança e ausente noutra, e até na mesma criança poderá modificar-se com a idade. Alguns pais apresentam resistência em procurar ajuda médica, porque têm esperança que os problemas desapareçam, mas a intensidade das dificuldades trá-los à consulta. Por exemplo, até aos 3 anos de vida, dado que a linguagem precoce e as aptidões cognitivas se encontram dentro dos limites normais, os pais e cuidadores em regras não se preocupam, embora possam existir problemas relacionais subtis. Os pais só se sentem preocupados no momento em que as dificuldades de interacção social começam a tornar-se mais aparentes, como na pré-escola ou mesmo na escola. Apesar de tudo, na idade escolar, as boas aptidões verbais podem impressionar erradamente os professores e pais, que se focalizam nessas boas capacidades e não se consciencializam dos problemas na interacção social.

O que é que estas crianças têm mais dificuldade em fazer e, por outro lado, em que campos é que se costumam destacar?
As maiores dificuldades são: na interacção social, no reconhecimento de emoções e no desenvolvimento de relações com outros, no ajuste à proximidade física, na exibição de expressões faciais limitadas ou impróprias e no olhar fixo peculiar. Podem isolar-se e terem dificuldades em fazer amigos. Podem falar alto, mas de forma monótona. O seu discurso pode ser egocêntrico, persistindo no mesmo tema, parecendo mais um monólogo do que um diálogo com os pares. Tendem a ser ditatoriais, tanto nas conversas como nos jogos, sendo que nas brincadeiras gostam de escolher o jogo e decidir as regras, porque dessa maneira sentem-se mais seguros. Do ponto de vista motor, apresentam dificuldades na coordenação e na destreza, que as fazem ser desajeitadas, não conseguindo apanhar ou chutar a bola, ou mesmo imitar movimentos de uma dança. Também podem apresentar disgrafia (escrita com caligrafia irregular e pouco legível). Manifestam dificuldades em alterar rotinas. São perfeccionistas e tendem a ser muito rígidas, recusando-se a trabalhar em áreas que não lhes interessam. Costumam destacar-se por apresentar boas aptidões verbais (vocabulário rico, memória auditiva), hiperlexia (aprenderem a ler em idade precoce), memória visual espantosa (memorizando caminhos e locais, assim como conhecer as marcas de todos os carros), revelar um interesse precoce por números ou por determinado tópico como: dinossauros, retroescavadoras, comboios, clubes de futebol, etc. Os puzzles e legos podem ser executados com muita facilidade e rapidez; são excelentes utilizadores de computadores e jogos de consola, e têm um sentido apurado de justiça. São francos e honestos, incapazes de reconhecer a malícia, podendo vir a ser indelicados, devido à ausência de sentido social.

Quais os maiores desafios que se colocam aos pais de crianças com Síndrome de Asperger? 
O principal desafio é reconhecer e aceitar as dificuldades da criança. Em geral, as crianças não gostam de surpresas e podem ficar perturbadas com alterações nas rotinas. Por esse motivo, aconselha-se os pais a preparar mudanças de escola, de professor ou de casa. Na escola, os pais devem informar e apelar à compreensão da comunidade educativa para esta problemática. Seria ideal: se os funcionários ajudassem à integração nos jogos durante o recreio; se as rotinas na sala de aula fossem estruturadas e previsíveis; se os professores usassem linguagem baseada no concreto e compreendessem que as crianças com SA não entendem piadas nem metáforas, e que têm dificuldades na motricidade fina (em escrever à mão) e na motricidade global (desporto). Durante a adolescência é preciso estar atento ao possível aparecimento de sintomas depressivos, pois há esse risco quando os jovens com SA percebem que são diferentes. A todos, pais e educadores, recomendo a consulta de informações no sítio da Associação Portuguesa da Síndrome de Asperger (ASPA) www.apsa.org.pt.

Que terapêuticas estão disponíveis para o tratamento da Síndrome de Asperger e qual o seu grau de sucesso?
É preferível falar em acompanhamento, do que em tratamento pois não existem medicamentos que alterem a capacidade de socialização ou a rigidez cognitiva. O Centro de Desenvolvimento da Criança (0-5 anos) e o Serviço de Pedopsiquiatria (0-18 anos) do SESARAM têm acompanhado crianças e adolescentes com a Síndrome de Asperger, nas valências médicas, e de psicologia e terapia ocupacional. O treino de competências sociais é uma intervenção onde as crianças e adolescentes são ensinados a desenvolver as competências facilitadoras do sucesso em situações sociais. Em alguns casos, pode ser necessário recorrer à medicação para tratar patologias associadas como por exemplo, a Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA). A intervenção em psicomotricidade também é uma mais-valia.
 
As crianças que têm Síndrome de Asperger podem levar uma vida dita "normal", por exemplo a nível da escola?
Sim, as crianças estão integradas em escolas regulares. Contudo, devido às dificuldades na socialização, as crianças não sabem como desenvolver amizades e preferem actividades solitárias. Devido aos problemas na coordenação motora, também têm dificuldade em participar em desportos de equipa. Infelizmente, podem vir a ser vítimas preferenciais de “bullying”, pois são fisicamente desajeitadas, andam sozinhas, sem grupo protector de colegas e não têm malícia. Não é que estranhar, que as crianças com SA preferem estar perto dos adultos ou de colegas mais velhos e tolerantes, ou em alternativa, com crianças mais novas onde podem impor os seus gostos ou regras. A maior dificuldade está na interacção com crianças/ adolescentes da mesma idade. Os pais e outros cuidadores devem fomentar as actividades extracurriculares de caracter lúdico, como a prática desportiva (natação, hipismo).

E enquanto adultos, é possível um melhor controlo da doença/melhor integração social?
Sim, quando adultos, a grande maioria vive de forma normal porque conseguiram atenuar as dificuldades nas relações sociais. As pessoas terão sempre SA, mas à medida que crescem vão aprendendo o que lhe falta para serem mais naturais. Profissionalmente podem tornar-se especialistas na sua área de interesse, que poderá ser por exemplo, na área da informática ou da matemática. Há indivíduos que se tornaram professores universitários (exemplo de Vernon Smith, Prémio Nobel da Economia em 2002). Isaac Newton, Albert Einstein e outros famosos parecem partilhar alguns traços de SA, embora o diagnóstico nunca tenha sido oficialmente confirmado. Do ponto de vista familiar, casam-se com pessoas que conhecem há longa data, por terem sido vizinhos ou colegas de escola.

A Dra. Carina Freitas exerce actividade clínica no Serviço de Pedopsiquiatria e no Centro de Desenvolvimento da Criança do SESARAM.


 


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