ABRIL 2013
INCONTINêNCIA URINáRIA
A incontinência urinária é uma doença que afecta principalmente mulheres e cuja incidência aumenta com a idade, sobretudo a partir da menopausa. O Dr. Ferdinando Pereira, Médico Urologista, explica em entrevista que esta é uma doença com tratamento, podendo em muitos casos ser atingida a cura, pelo que não há razões para evitar procurar ajuda.

Como se caracteriza a incontinência urinária?
A incontinência urinária consiste, basicamente, na perda involuntária da urina. Esta doença é muito mais frequente na mulher que no homem, sendo que a sua incidência vai variando consoante a idade. Nomeadamente, é muito mais frequente na mulher a partir da menopausa, com uma taxa de incidência que pode atingir os 25%, mas por exemplo nas mulheres internadas em asilos, pode chegar a tingir os 50%. Esta é uma patologia que é própria da evolução do sistema musculo-pélvico da mulher: o envelhecimento leva a uma perda do colagénio e isto vai fazendo com que as características do suporte pélvico vão diminuindo, com os sistemas musculares a tornarem-se mais flácidos. Esta é uma patologia que implica com a intimidade da pessoa, gerando um desconforto pessoal que depois tem implicações não só a nível psicológico, mas também sexual e social. As pessoas têm tendência a isolar-se, pois têm consciência de que a urina, em contacto com a roupa, cheira mal. Talvez por isto, as estatísticas revelem que apenas uma em cada quatro mulheres com incontinência urinária procura ajuda junto do médico. Podemos dizer que é uma doença do Séc. XXI, porque as pessoas vivem cada vez mais tempo, e com o avançar da idade, terão uma maior probabilidade de ter incontinência urinária.

Que factores predispõem a esta doença?
Na mulher, existem vários factores que predispõem à incontinência urinária, nomeadamente: os partos naturais, a obesidade, as cirurgias pélvicas, a radioterapia, os traumatismos da região pélvica, a obstipação, o tabagismo, a própria diabetes poderá ser um factor de risco. O factor genético também pode ter alguma influência, mas esta não é muito marcada, sendo os restantes factores mencionados mais relevantes. Por outro lado, esta doença pode levar a algumas complicações: para além das infecções urinárias, que são mais frequentes, pode por vezes levar ao uso de cateteres e, especialmente nos idosos, pode originar lesões dermatológicas a nível dos genitais, devido à constante permanência da urina junto da pele. 

Que tipos de incontinência urinária existem na mulher?
A perda de urina pode ocorrer de forma transitória, por exemplo, devido a uma infecção urinária, uma diabetes descompensada, ao consumo de álcool, ou a alguns transtornos emocionais, pelo que este tipo de incontinência deve ser descartado em primeiro lugar. Neste caso, o que fazemos é simplesmente tratar a causa: por exemplo, se a causa for uma infecção urinária, receitamos um antibiótico. Na grande maioria dos casos de mulheres com incontinência urinária, esta é uma doença que vai evoluindo ao longo do tempo, não sendo transitória, e existem três tipos: a incontinência urinária de esforço, a incontinência urinária com urgência miccional e ainda a incontinência mista. A incontinência urinária de esforço, que é a mais frequente, é aquela em que a mulher vai perder urina quando há um aumento da pressão abdominal, nomeadamente ao tossir, ao rir, ao levantar objectos, ao fazer esforços, como correr. Nestes casos, a pressão intra-vesical é superior à pressão existente a nível da uretra, levando a urina a sair. Já no segundo tipo, a incontinência com urgência miccional, a perda da urina é precedida por uma vontade imperiosa de urinar. Às vezes, ao chegar a casa e meter a chave na fechadura, ou então ao lavar a louça, a mulher começa logo a sentir uma vontade imperiosa de urinar e, se não tiver acesso à casa de banho, urina ali mesmo. Esta incontinência é uma das formas de apresentação de uma síndrome de bexiga hiperactiva, em que se desencadeia contracção vesical, que vai ocasionar a perda da urina. Depois, temos ainda um terceiro tipo, que é a incontinência mista, que consiste numa situação em que se verificam componentes da incontinência urinária de esforço e da incontinência urinária por urgência, sendo que componentes de uma destas poderão ser predominantes. Quanto às causas da incontinência urinária, ela pode ter como causas doenças neurológicas, em que o músculo vesical (detursor) vai contrair, expulsando a urina. Mas noutras situações, pode ser devido a alterações na própria sensibilidade vesical e por vezes, podemos nem chegar a conseguir identificar a causa.

Como se faz o diagnóstico?
O diagnóstico começa com o interrogatório: perguntamos quando é que começou a incontinência, em que situações é que se verifica – se é com o riso, com a tosse, etc. –, vemos se se poderá tratar de uma situação de incontinência transitória e depois, observamos a doente. As pacientes também têm de fazer um exame ginecológico, para ver se têm algum prolapso, fístulas vesicovaginais ou outras alterações anatómicas (meatos urinários ectópicos). Depois, em alguns casos, podemos pedir um exame urodinâmico, para ver se a bexiga tem sinais de instabilidade vesical, ou seja, se tem contracções sem que a doente queira. Outros exames aconselhados incluem a análise de urinas, bem como a ecografia renal e vesical, para ver se quando a doente urina, fica algum resíduo. 

Como se processa o tratamento?
O tratamento vai depender do tipo e das causas da incontinência urinária. Por exemplo, se for devido a uma causa reversível, como uma infecção, a utilização de um determinado fármaco, ou obstipação, vamos corrigir essa causa e a incontinência estará tratada. Caso não se trate de uma situação temporária, o tratamento é diferente consoante o tipo de incontinência. O tratamento da incontinência urinária de esforço é essencialmente cirúrgico; até à década de 90, era feito através da chamada cirurgia aberta, que exigia a realização de uma incisão e a suspensão vesical, mas desde então, passámos a ter disponível uma cirurgia minimamente invasiva, com uma eficácia óptima, exigindo um internamento muito mais curto e com menor percentagem de complicações. Esse tipo de cirurgia consiste na colocação de uma fita, sem tensão - os chamados slings pubovaginais - a nível da parte média da uretra. Essa fita é colocada a partir de uma pequena incisão na vagina, com cerca de 1cm a 2cm, e vai estabilizar a parte média da uretra, levando a que depois, quando a mulher tosse ou faz qualquer esforço, a uretra é “comprimida” contra essa fita, levando a que não haja perda de urina. Esta cirurgia proporciona uma cura em cerca de 90% dos casos, ou seja, tem uma taxa de sucesso excelente, sendo uma pequena intervenção que leva, em média, 15 a 20 minutos e exige apenas um internamento de um dia. Esta foi uma grande evolução e as pessoas aderem cada vez mais a este tipo de tratamento. 

A cirurgia está indicada para todos os casos de incontinência urinária de esforço?
Nos casos ligeiros, poderá bastar um tratamento médico, com determinadas medidas, nomeadamente a fisioterapia dos músculos do períneo, com os chamados exercícios de Kegel, a electroestimulação e o biofeedback. Os exercícios de Kegel consistem numa espécie de ginástica de fortalecimento: a doente vai fazer a contracção dos músculos do períneo, e ao fazer essa contracção, vai melhorar aquela musculatura. Estes exercícios podem ser feitos em casa, enquanto a doente está a ver televisão: pode contrair o esfíncter anal e os músculos do pavimento pélvico e contar até 15, relaxando em seguida – a manobra deve ser repetida umas 10 a 15 vezes. Para terem mais efeito, os exercícios devem ser realizados três vezes por dia, pelo menos durante seis meses. Outro tratamento consiste na reabilitação do períneo através da electroestimulação, em que os músculos do períneo realizam a contracção sob uma estimulação eléctrica, visando o seu fortalecimento. E ainda temos o biofeedback, uma técnica em que a mulher aprende a “visualizar” a contracção dos músculos do períneo. 

Como é o tratamento dos restantes casos de incontinência urinária?
Na incontinência com urgência miccional, o tratamento é, principalmente, médico. Utiliza-se certo tipo de medicamentos, os chamados anticolinérgicos, que vão inibir a contracção vesical, levando a que a doente não perca tanta urina. Neste caso, também podem ser aplicados os exercícios de Kegel e a electroestimulação, para fortalecimento da musculatura do períneo e, quando estas medidas não são suficientes, temos disponível hoje em dia um outro tratamento, que consiste na injecção da toxina botulínica a nível do próprio músculo da bexiga (detursor), o que faz com que a bexiga fique com uma maior capacidade e não se contraia tanto. Nos casos da incontinência urinária mista, vamos tratar o componente que predominar: ou o componente de esforço, ou o de urgência.

Com os tratamentos disponíveis, não há razões para recear procurar ajuda?
Hoje em dia, como já falámos, existem tratamentos eficazes em cerca de 90% dos casos de incontinência urinária de esforço, e a incontinência urinária com urgência miccional também tem tratamento. Quando as pessoas têm esta patologia, devem procurar o seu médico de família, que com certeza as vai orientar para um especialista, para que a situação seja tratada. Quando mais rápido a doente recorra ao médico, melhores resultados obterá, pois uma coisa é tratar uma incontinência urinária que dura há três anos e outra coisa, muito diferente, é tratar uma incontinência que dura há 10 anos: o tratamento poderá ser o mesmo, mas os resultados não o serão. Até sob um prisma economicista, sai mais barato, para a doente, tratar a situação, do que passar vários anos a tentar apenas amenizar a mesma, com o uso de fraldas, por exemplo. Uma palavra sobre a prevenção: é importante ter hábitos de vida saudável, combater a obesidade, evitar o tabagismo, praticar exercício físico, para fortalecer os músculos do períneo, combater a diabetes e todas as alterações que levem a uma deterioração da musculatura do períneo (como o consumo de tabaco, álcool e drogas) e ao aparecimento de maior incontinência. Um aspecto importante em termos de ingestão líquida: está claro que, a uma doente com incontinência urinária, não vamos dizer para tomar muita água. Não deve beber nem muita nem pouca - à volta de 1lt a 1,5lts por dia -, exactamente para que faça um equilíbrio da situação. 

Nos homens, em que situações se poderá verificar incontinência urinária?
A incontinência urinária é menos frequente nos homens que nas mulheres, estimando-se que afectará um homem para cada quatro mulheres. No homem também temos a incontinência urinária de esforço, que nestes casos se verifica mais no pós-operatório de certas intervenções cirúrgicas, nomeadamente à próstata, porque pode ficar alterado o esfíncter externo. Essa incontinência também tem tratamento. Por outro lado, também existe incontinência urinária com urgência miccional no homem, mas neste caso tem como causas: as doenças da próstata, tanto benignas como malignas, nomeadamente a hiperplasia benigna da próstata ou então o cancro da próstata; as estenoses da uretra, cálculos da bexiga, neoplasias da bexiga, bexigas neurogénicas, ou situações do foro neurológico, nomeadamente traumatismos, acidentes vasculares cerebrais e doenças degenerativas (esclerose múltipla, Alzheimer, Parkinson). Nestas situações clínicas, é evidente que o tratamento dependerá da doença em causa.

No caso do homem, pode ser um sinal de alarme para algo mais grave?
Precisamente. O homem de meia-idade que começa a sentir aquela necessidade imperiosa de urinar (urgência miccional) e, não tendo WC disponível, perde urina, deve procurar de imediato ajuda junto de um médico, porque pode ter uma situação de patologia da próstata. A hematúria, ou seja, a presença de sangue na urina, juntamente com os sintomas da urge-incontinência (perda de urina com aquela sensação de necessidade urgente de urinar, passando a bexiga a contrair independentemente do desejo da pessoa), fazem parte de um quadro que alerta para uma situação com alguma gravidade e, assim sendo, quanto mais rápido procurar a ajuda de um especialista, melhor. Por outro lado, existe também no homem a urge-incontinência própria do idoso, com alterações do foro cognitivo e demencial, bem como a incontinência de causa mista e ainda um tipo que é muito mais raro na mulher: a incontinência por regurgitação, em que a bexiga está repleta, não se consegue esvaziar, levando a que a urina saia pela uretra. Neste tipo de incontinência, muitas vezes está em causa a patologia da próstata, pelo que a situação requer atenção.

 


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