AGOSTO 2012
A FISIOTERAPIA ENQUANTO PRáTICA GLOBAL
Dra. Catarina Castro – Fisioterapeuta
reabilitesse@sapo.pt

“O que vemos não são corpos, vemos homens e mulheres.”
(David le Breton Breton, 1997)

Os conceitos de saúde, doença e até de “imagem do corpo” têm sofrido alterações com o decorrer da história. Além disso, cada cultura tem a sua noção de corpo e saúde, cada indivíduo conceptualiza o seu corpo de acordo com as suas experiências, sentimentos pessoais e história. Mas, em contexto clínico, o corpo é ainda muitas vezes encarado como entidade anatómica, cujo processo fisiopatológico ou a disfunção são o mais importante para os profissionais de saúde. Esta visão enquadra-se num modelo Biomecânico, que separa o paciente em diferentes partes anatómicas, passíveis de diagnóstico e tratamento (foca-se exclusivamente na doença do corpo ou duma parte do corpo). Esta visão reducionista considera o corpo humano, uma máquina, cujo mau funcionamento é representado pela doença – resultante da disfunção das suas partes (Marcum, 2004). A intervenção terapêutica decorrente deste modelo procura a solução da patologia a partir da apreciação das partes comprometidas, sem considerar a pessoa na sua totalidade, enquanto ser orgânico, psicológico e sociocultural.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não apenas como ausência de doença ou enfermidades. E deixa ainda claro que o bem-estar orgânico está intimamente ligado aos aspetos emocionais e sociais, revelando uma visão holística da saúde. Ora, perante esta definição, torna-se clara a importância de adotar uma prática global, evitando que a atenção do profissional de saúde se desvie do utente para a patologia. A saúde deve ser entendida por este como um fenómeno multidimensional, cujos aspetos físicos, psicológicos e sociais se encontram interligados e interdependentes, sendo que a doença representa a perda transitória desse equilíbrio dinâmico, intrinsecamente relacionada com as condições ambientais, sociais e psicológicas oferecidas pelo meio envolvente (Marcum, 2004). A restauração e manutenção desse equilíbrio deverá constituir a meta do profissional de saúde, em parceria com o utente. Este deve adotar uma postura ativa no seu tratamento, cabendo ao profissional de saúde facilitar este processo, através dos seus conhecimentos e “skills” profissionais.     
 
O fisioterapeuta deve, portanto, encarar o utente como um todo, a doença não deve ser vista isoladamente, mas atendendo às perturbações que esta provoca no quotidiano do indivíduo. É importante criar uma relação colaborativa com o utente, dar espaço para que este se exprima, ouvi-lo e prestar atenção a aspetos não-verbais (o corpo é, também, uma forma de nos expressarmos). É necessário ter em atenção que o que é para uma pessoa “uma dor no joelho” pode ser para outra “uma crise de reumatismo”, e nenhuma deve ser desvalorizada, por isso é tão importante ter em atenção o contexto em que o utente se insere, de forma a melhor perceber a real dimensão do problema que nos apresenta.

Os objetivos terapêuticos deverão passar sempre pela maximização das funções do utente, promovendo a sua independência funcional e favorecendo a sua reinserção na sociedade com o mínimo possível de sequelas e limitações. Para tal, é necessário o estabelecimento de um vínculo de confiança na relação terapêutica, mediado pelo esclarecimento, pela informação e partilha de responsabilidades entre ambos. Se encararmos o utente como um todo, intervindo segundo uma prática global e não específica, este sentir-se-á mais responsável e compreendido, participando mais efetivamente na sua recuperação (Silva, 2004). 

Assim, o diagnóstico em fisioterapia não deve restringir-se à busca pormenorizada das alterações funcionais determinantes da patologia, à sua localização precisa e quantificação, dissociadas da totalidade constituinte do indivíduo. Uma “dor no joelho” não deve ser considerada isoladamente, é necessário perceber os fatores que estão a contribuir para o quadro clínico apresentado, o impacto dessa dor no dia-a-dia do utente, as suas expectativas e crenças, o seu contexto familiar e sociocultural, entre outros. Só assim os utentes poderão seguir um programa de tratamento próprio, dirigido à sua condição específica, assegurando-se o ensino e educação dos aspetos que têm implicações na sua condição e potenciando a adaptação ao ambiente que os cerca. 

Neste sentido, é também importante considerar a intervenção de uma equipa multidisciplinar, já que uma abordagem em equipa valoriza a visão holística (global) do utente. Na maioria dos hospitais portugueses, a Fisioterapia encontra-se ainda inserida em Serviços de Medicina Física e Reabilitação, sendo a prestação de cuidados mediatizada unicamente por esta especialidade médica. Como refere a Dra. Isabel Guerra, Presidente da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, esta situação tem originado serviços desarticulados das restantes unidades hospitalares, sem resposta eficiente para os doentes internados.

Em suma, não podemos encarar o utente exclusivamente como a dor no joelho, no ombro ou cotovelo, porque assim estaríamos a encará-lo de forma reducionista e fragmentada, colocando-o numa posição de inferioridade. Não tratamos partes, tratamos o todo, tratamos pessoas. 


 


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