ABRIL 2011
EDUCANDO A CRIANçA A DORMIR
Enf.ª Vera Lúcia Gouveia Pestana
Especialista em Saúde Infantil e Pediatria
veralgouveia@gmail.com

Dormir é um hábito….
Um hábito é um costume ou um comportamento que não é inato, mas que podemos adquirir pela sua repetição. Todos temos necessidade física de dormir, mas fazê-lo nas horas certas e como deve ser é um hábito que se aprende.

Quais são as consequências de dormir mal?
Para além da irritação e do mau humor, a criança poderá ter problemas de concentração, baixo rendimento escolar e perturbações no comportamento. No plano físico, poderá afectar o desenvolvimento do cérebro: estudos recentes demonstram que as conexões entre as células nervosas produzem-se, essencialmente, enquanto dormimos. Isto melhora a sua actividade cerebral, e no dia seguinte, na escola, aprende mais coisas com maior facilidade.

Como evolui o padrão do sono?
No nosso cérebro existe um conjunto de células que constitui o nosso relógio biológico: diz-nos que temos de dormir de noite e estar acordados de dia. Quando nascemos, esta estrutura, tal como muitas outras, ainda funciona de forma imatura. Aos 4 a 5 meses, em média, o cérebro está capacitado para dormir a noite toda duma assentada só, assim como para ficar mais horas acordado durante o dia.

Quantas horas devem dormir as crianças, tendo em conta a idade?
Podemos dizer que o sono é a fábrica da nossa existência diária porque, enquanto dormimos, produzimos tudo aquilo de que precisamos para viver no dia-a-dia, reparamos e restauramos o corpo, memorizamos o que aprendemos e crescemos. As horas de sono devem ajustar-se às necessidades do nosso corpo, que variam em função da idade. Nos primeiros três ou quatro anos de vida acontecem as alterações evolutivas mais importantes: a criança deixa de estar deitada, começa a andar, começa a falar… A sua principal fonte de energia, que é o sono, tem de fazer horas extraordinárias. Assim, aos 6 meses o bebé deve dormir entre dez a doze horas durante a noite e fazer três sestas durante o dia. Aos 15 meses, deverá continuar a dormir o mesmo número de horas de noite, mas a sesta reduz-se a uma, que deverá manter-se até sensivelmente os 5 anos. 

O que acontece aos pais quando os filhos dormem mal?
Numa casa onde há uma criança que não dorme, vivem-se momentos muito desagradáveis. Os pais poderão culpar-se mutuamente, e isso leva-os a recorrer a soluções precipitadas que nem sempre são eficazes. À medida que se vão acumulando as noites, os pais caem numa irritabilidade que os faz perder a energia tão necessária para a sua assertividade. A primeira coisa que é preciso saber é que não há culpados, apenas falta de informação. Os pais precisam simplesmente que alguém lhes ensine as regras para que os filhos durmam bem e depois aplicá-las.

Como proceder para ensinar uma criança o hábito do sono?
Um hábito ensina-se com a repetição da associação de alguns elementos externos e com a atitude transmitida pelos pais.
Tendo em conta a importância da organização, há que criar rotinas sempre fixas. Por exemplo o banho, a alimentação, um período de brincadeira com os pais ou o “hábito da afectividade”, e depois então dormir. Esses momentos de afectividade poderão ser preenchidos com o contar de histórias, o cantar, fazer-lhes cócegas, beijos, mimos...dêem largas à vossa imaginação. Neste hábito, não entra televisão, nem jogos de computador, em especial com muita acção. O momento não é de solidão, é de afecto.

Não menos importante é também a manutenção dos elementos externos no hábito do sono. Por exemplo, na alimentação os elementos externos são: o copo, a colher, o babete…quando a criança os vê, saberá já o que se segue, percebendo o que acontecerá com segurança. Também para dormir, os elementos externos devem manter-se iguais, para que a criança não tenha medo do desconhecido. São por exemplo: a cama, a manta, a chucha, o boneco, a fralda… A mão dos pais, neste caso será desaconselhada; é um elemento externo que dependerá da presença dos pais. Estas rotinas são a corda do relógio biológico necessário para que funcione autonomamente.

Quanto à atitude dos pais, a criança capta o que o adulto lhe transmite. Os traumas somos nós que transmitimos, com uma atitude incorrecta sem nos darmos conta. Por exemplo, um castigo nunca deverá ser: “se te portares mal, vais para a cama…”. Dormir nunca poderá ser sentido como um castigo. Da mesma forma, o quarto deve ser visto como um lugar agradável, onde a criança pode brincar noutras alturas do dia. O quarto onde dorme deverá ter uma identificação positiva para a criança.
Uma criança realiza acções que provocam reacções dos adultos.

As crianças sabem muito bem que se fizerem “gu-gu” ou baterem palmas, os pais não virão ter com elas. Sabem também que se gritarem, chorarem, vomitarem ou baterem com a cabeça na parede os pais estarão de volta perto deles. Os mais velhinhos utilizam vocabulário, tal como (dói-me a barriga, tenho fome…). Estes comportamentos deverão ser ignorados mas obviamente, as crianças não poderão sentir-se abandonadas, pois assim ficarão angustiadas e desencadearão sentimentos de agressividade. Os pais deverão entrar, não para que ela se cale ou adormeça, mas para demonstrar que não estão abandonados, que estão do seu lado. Dar as boas noites, um beijo, dizer adeus…e sair do quarto tranquilamente. Deverão ficar o tempo suficiente para juntar o boneco do chão…e dizer: “amor, o papá e a mamã gostam muito de ti, tu dormes aqui com o boneco…”. Não é aconselhado colocar a criança na posição correcta e não se zanguem. Deverão ter comportamentos carinhosos, sem mostrar estar a ter a reacção desejada da criança em função da sua acção. O objectivo é transmitir confiança e não insegurança. Estes períodos deverão ser espaçados gradualmente até a criança adquirir esse hábito. Inicialmente, poderá durar muito tempo, mas só inicialmente. Com paciência e segurança, a criança aprenderá a dormir.

As crianças compreendem melhor os pais com a sua atitude e não com as suas palavras e esta é uma regra válida não apenas para o sono. Todas estas orientações são baseadas em teorias comprovadas e demonstradas com credibilidade segura, nomeadamente na teoria do Dr. Estivill. No entanto, existem teorias que defendem que os filhos que dormem com os pais têm uma segurança muito grande na área afectiva.

Na minha perspectiva, os pais deverão manter sempre os mesmos factores externos. A capacidade de previsão nas actividades de vida diária, nomeadamente no sono, promove confiança e não insegurança, o que é fundamental para um desenvolvimento saudável.

As regras deverão ser as mesmas sempre, não variando conforme a apetência dos adultos do momento. Não queiramos ensinar o egoísmo através da nossa atitude.
Considero ainda que para a afectividade existem muitas alternativas sem que para isso se corra o risco de desorganizar a criança. Recordemos o referido “hábito de afectividade”, antes de dormir, tão rico no meu ponto de vista. Acredito que os pais são peritos em encontrar as melhores soluções, conhecendo a sua realidade de vida, tendo como instrumentos a razão e o coração.

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