JANEIRO 2011
DOENçA DE CROHN
A Doença de Crohn é uma doença crónica que afecta o sistema digestivo, estando as suas causas ainda por determinar. O Dr. José Carlos Martins, médico, especialista em Gastroenterologia, fala em entrevista acerca das principais características desta doença ainda pouco conhecida do público em geral.

Como se caracteriza a Doença de Crohn?
Os principais sintomas da Doença de Crohn, de uma maneira geral, são a dor abdominal e por vezes a diarreia. É comum coexistirem as duas situações e isso deve-se, fundamentalmente, às características da própria doença. À medida que a doença evolui o intestino delgado pode ganha reduções do seu lúmen e essa situação pode causar dor e diarreia. Por vezes há também crescimento bacteriano no intestino, a montante das lesões estenosantes, agravando desta forma o quadro de diarreia e dor.

Esta doença pode afectar qualquer parte do aparelho digestivo?
A distribuição da Doença de Crohn pode estender-se desde a boca até ao ânus, podendo ocorrer manifestações ao longo de todo o tubo digestivo, sem excepção. Contudo, estas manifestações são mais frequentes no intestino delgado. Ocorrem muitas vezes no cólon e na própria região anal, onde podem surgir fissuras, algumas delas gravíssimas.

Portanto, é uma doença que pode afectar muito a qualidade de vida?
Nas suas formas mais graves, afecta muito significativamente e em particular no sexo feminino, quando ocorrem fístulas recto-vaginais, que para além de dolorosas, são muito desagradáveis do ponto de vista pessoal, nomeadamente ao nível da intimidade, causando por vezes fortes perturbações psicológicas.

Existe alguma predominância de sexo ou faixa etária entre as pessoas afectadas pela doença?
A doença é ligeiramente mais comum no sexo feminino. Manifesta-se em qualquer idade, nomeadamente na adolescência, com perturbações no desenvolvimento dos indivíduos, por vezes afectando a sua estrutura e até algumas das suas características sexuais.

São conhecidas as causas desta doença?
Não existem certezas relativamente à etiologia da doença, o que também faz com que não exista um tratamento específico. Claro que existem algumas hipóteses que são mais consideradas em relação às causas da doença: uma dessas hipóteses é que poderá tratar-se de uma hiperactividade do sistema imunitário digestivo por acção de factores ambientais com tendência genética; outra é de origem infecciosa, sendo estas duas talvez as mais aceites. Finalmente tem sido estudada a relação entre a doença e factores psicológicos, pois há certos indivíduos que possuem o problema, mas podem não manifestá-lo durante muito tempo. Este desconhecimento da causa etiológica da doença também faz com que seja mais difícil identificar quais os grupos de risco. A Doença de Crohn pode aparecer em pessoas cujas famílias não têm nenhum historial de qualquer tipo de problema intestinal.

Como é feito o diagnóstico da doença?
O diagnóstico é elaborado com base em critérios clínicos e meios auxiliares de diagnóstico, cuja conjugação permite o diagnóstico. Baseia-se, fundamentalmente, na história clínica do paciente, na endoscopia, na Anatomia patológica, na imagiologia e nas análises de sangue. Relativamente à endoscopia, falamos essencialmente da colonoscopia. Hoje já é possível visualizar todo o tubo digestivo e assim encontrar as lesões típicas da doença. A endoscopia é um procedimento “invasivo”, pelo que é natural alguma resistência por parte das pessoas em ser submetidas a este tipo de exame, que é fundamental no estudo da doença até por causa da obtenção de biópsia. Com a biopsia é possível definir se estamos em presença, ou não, da Doença de Crohn, uma vez que existem lesões características, os granulomas, cujo aparecimento confirma o diagnóstico sem margem para dúvidas. No entanto, convém ter em atenção que, em algumas situações, não irão aparecer esses granulomas, mas a pessoa poderá ter, à mesma, a Doença de Crohn. A Imagiologia contribui com a radiologia convencional do tubo digestivo e com a TAC. As análises de sangue também ajudam a compreender a evolução e gravidade da doença num determinado momento da sua evolução.

A Doença de Crohn costuma aparecer associada a mais doenças?
Na verdade isso não acontece, mas podem ocorrer manifestações extra-intestinais da Doença de Crohn, nomeadamente lesões cutâneas (eritema nodoso), que têm um aspecto avermelhado e que podem ser extremamente dolorosas e desagradáveis e as lesões oculares.
Alguns doentes podem apresentar artralgias e aftas. Pode também ocorrer problemas nos vasos sanguíneos e deficiência em ferro, vitamina B12 e ácido fólico.

São conhecidos os factores que contribuem para o agravamento da doença?
Há um factor de risco que está muito associado à Doença de Crohn, que é o consumo do leite, por causa da lactose, um produto que o intestino destes doentes, tem alguma dificuldade em tolerar. Para além da alimentação, o “stress” é também considerado um factor que pode eventualmente conduzir ao agravamento da doença. O “stress” pode causar alterações na imunidade da pessoa, podendo ter uma influência não só no desenvolvimento desta doença como também de muitas outras.

Que tratamentos para a Doença de Crohn estão disponíveis actualmente?
Não existe cura para a Doença de Crohn, tal como não existe para a colite, que é outra doença inflamatória. Portanto, as pessoas podem ter de fazer tratamento a vida inteira, procurando também evitar, naturalmente, os factores de risco. Tem havido alguma evolução ao nível dos tratamentos disponíveis, embora não exista um tratamento específico, devido ao desconhecimento da etiologia da doença. Mas de uma maneira geral, o tratamento é feito à base de imunosupressores (azatioprina), e de corticóides. Mais recentemente foram disponibilizados outros produtos que actuam fundamentalmente ao nível da imunidade, que são os chamados tratamentos biológicos (Infliximab e adalimumab). Estes últimos são extremamente agressivos e, precisamente por isso, também podem ter grandes complicações: podem ter um efeito favorável em termos da doença, mas depois podem ter efeitos secundários tão graves ou piores que a própria doença. Portanto, estas terapêuticas têm de ser muito bem avaliadas antes de se dar início às mesmas. São terapêuticas normalmente de âmbito hospitalar, pelas suas características, pela forma de administração e pelas tais complicações. É preciso percorrer todo o arsenal terapêutico existente e só depois partir para as terapêuticas mais agressivas. Também é importante referir que muitas vezes temos de recorrer a antibióticos no âmbito do tratamento da Doença de Crohn, em conjunto com as outras terapêuticas. A cirurgia também desempenha papel fundamental no tratamento destas doenças em particular das suas complicações.

Quais a perspectivas em termos do desenvolvimento de novos tratamentos?
Eu acredito que no futuro serão encontradas curas para doenças crónicas. No entanto tal passo só acontecerá no dia em que se descubram as suas causas. A ciência está em constante evolução e naturalmente o amanhã só pode ser melhor que o presente nesta área, com a chegada de novos e melhores medicamentos. Durante muitos anos pouco aconteceu de novo. Nos últimos anos vários produtos foram lançados no mercado, que estão revolucionando completamente a abordagem terapêutica desta doença.

É usual o recurso à cirurgia no tratamento da Doença de Crohn?
Como referi atrás nós recorremos à cirurgia para tratar complicações da doença, que são as estenoses, os tais “apertos” do tubo digestivo. Quando um indivíduo entra numa estenose completa, temos de recorrer à cirurgia. De igual modo poderá ser necessária cirurgia para tratamento das fístulas. A cirurgia é utilizada como terapêutica de recurso, apenas para as complicações, quando se esgotam todos os outros recursos. Sendo esta, por definição, uma doença crónica que pode afectar todo o aparelho digestivo, pode-se fazer a amputação de um segmento e ali mesmo ao lado haver uma forma inactiva que a qualquer momento pode levar a outra complicação… Ou seja, tal como a terapêutica médica, a cirurgia tem o seu papel uma vez atingida uma determinada fase da doença. Mas é preciso tomar em linha de conta que a cirurgia não é curativa e fazer uma amputação de um determinado segmento não quer dizer que o problema de fundo fique resolvido. Além do mais, é preciso entender que este é um passo que tem de ser muito bem ponderado, uma vez que todas as cirurgias têm riscos.

 


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