JULHO 2010
DEIXAR DE FUMAR NãO TEM DE SER UM PESADELO!
O tabaco é uma das principais causas de morte no mundo e, em tempos de crise, um hábito que pesa cada vez mais na carteira. A Dra. Ermelinda Alves, médica responsável pela Consulta de Cessação Tabágica do Centro de Saúde do Bom Jesus, explica em entrevista os passos que devem ser dados por quem quer deixar de fumar e os benefícios que daí advêm.

Quais as principais motivações das pessoas para deixarem de fumar?
A motivação para deixar de fumar é variada. Muitas vezes são os filhos que aprendem na escola que o cigarro é mau e pode matar e quando dizem isso aos pais, isso leva-os à nossa consulta. Outras pessoas procuram-nos porque já têm doença, quer seja um problema cardíaco ou um problema de hipertensão que não conseguem controlar, diabetes, etc. No entanto, eu diria que cerca de metade das pessoas que nos procuram actualmente fazem-no porque, com a crise, já não têm dinheiro para manter esta dependência. O problema é comprar a medicação, que é cara para muitas pessoas que querem deixar de fumar. O Relatório de Primavera 2010, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, refere precisamente isso: diz que foi uma boa medida a implementação das consultas de cessação tabágica nos centros de saúde, mas que, pelo facto de os medicamentos não serem comparticipados, as pessoas vão à consulta, mas confrontadas com o custo da medicação, muitas vezes desistem por não terem dinheiro para o tratamento. Incentivamos o utente a poupar para que consiga fazer o tratamento. Embora não seja usual, por vezes a Segurança Social ajuda financeiramente nalguns casos.

Acha que se justificaria a comparticipação destes medicamentos, especialmente tendo em conta as poupanças que o Estado poderia fazer se diminuísse o número de fumadores?
Uma coisa é mostrada à evidência: se combatermos o tabagismo, iremos melhorar a médio e a longo prazo os índices de morbilidade e mortalidade. Sabemos que o tabagismo é a primeira causa de morte evitável no mundo. Se investirmos na prevenção para que os jovens não comecem a fumar e se ajudarmos os fumadores a abandonar o consumo, obviamente que haverá muitos ganhos em saúde. Não há qualquer dúvida em relação a isto. As pessoas que fumam vão ter doença! É apenas uma questão de tempo!

Quais são os principais benefícios para a saúde de deixar de fumar?
Os benefícios são imensos, uns visíveis quase de imediato, outros a médio e longo prazo. Com a cessação do consumo de tabaco, o ex-fumador redescobre o prazer de uma respiração normal, o sabor e o cheiro da comida, e põe fim à “escravidão” da nicotina. O aspecto da pele e cabelo melhora quase de imediato. Mas há benefícios bem mais importantes a nível da saúde. Citarei apenas alguns: por exemplo, duas semanas a três meses depois de parar de fumar, o risco de ocorrência de enfarte de miocárdio desce e a função pulmonar melhora. Após três meses de abstinência, anulam-se os riscos de aborto e impotência sexual. Um ano depois, o risco de doença cardíaca coronária é já metade do risco de um fumador. Cinco anos depois, o risco de acidente vascular cerebral iguala o de um não fumador, o risco de cancro da boca e do esófago é reduzido para metade. E dez anos depois, o risco de cancro do pulmão é cerca de metade do de um fumador. O risco de cancro da faringe, bexiga, rim e pâncreas também diminui. Quem deixe de fumar até aos 35 anos recupera a esperança de vida em 90 por cento. Depois dos 50 anos, reduz o risco de morte para metade nos 15 anos seguintes. São benefícios muito evidentes. Vale a pena deixar de fumar!

Como funciona a Consulta de Cessação Tabágica?
Para além do médico, a nossa equipa inclui uma enfermeira e uma assistente técnica a tempo inteiro, bem como uma nutricionista e uma psicóloga em tempo parcial. O cigarro contém várias substâncias que causam privação física e psicológica quando deixam de ser consumidas, pelo que é preciso intervirmos a este nível. A nossa experiência mostra que cerca de 30 por cento das pessoas que deixam de fumar vão precisar da ajuda de um psicólogo. Quando o fumador nos procura, é inscrito numa lista gerida pela enfermeira, sendo que os utentes que já têm doença terão obviamente prioridade. Também têm prioridade aqueles que coabitam com outro fumador, porque um fumador abstinente vai recair mais facilmente se estiver em contacto com outros fumadores. É dada prioridade a essas pessoas e forma-se um “comboio”, sendo que a pessoa que traz um amigo ou um familiar para que deixe de fumar será responsável por ele, e se este não conseguir parar o consumo não entrará mais ninguém nesse “comboio”. Deixar de fumar é difícil, mas mais difícil ainda é manter a abstinência, porque as oportunidades para recaídas estão sempre presentes. Feita a selecção e estabelecida a prioridade, a enfermeira faz a primeira consulta para, principalmente, avaliar a motivação e o grau de dependência do tabaco, motivando o fumador a abandonar o consumo e a adoptar estilos de vida saudáveis. Depois o utente vai à consulta médica na qual, resumidamente, é feita a avaliação clínica, estabelecida a prescrição e acordado o dia D, ou seja, o dia da paragem do consumo de tabaco. A intervenção da nutricionista visa evitar os aumentos de peso e corrigir erros alimentares. Os utentes só são seguidos pela psicóloga se, neste percurso, necessitarem de apoio psicológico. Ligada à equipa, temos também uma assistente social que intervém quando o utente apresenta problemas sociais.

Durante quanto tempo fazem este acompanhamento?
Iniciámos a consulta em Fevereiro de 2005 e ainda não demos alta a ninguém. O que fazemos é ir alargando o prazo entre cada consulta. Para as dependências em geral e também para o tabagismo não há cura definitiva, pelo que as pessoas que estão abstinentes requerem sempre algum acompanhamento. No primeiro mês, as consultas são semanais. No segundo e terceiro mês passam a ser quinzenais. Do quarto mês até um ano, as consultas são mensais. A partir daí, a periodicidade vai sendo progressivamente dilatada, a menos que haja uma recaída e aí recomeçamos de novo. Para além das consultas, o apoio intensivo que disponibilizamos inclui contactos telefónicos regulares para manter a motivação.

Esta é uma política de todos os Centros de Saúde, ou apenas vossa?
A nível nacional, as linhas orientadoras da Direcção Geral de Saúde para a consulta de cessação tabágica prevêem a realização de seis consultas a cada utente. Com esta metodologia a taxa de sucesso anda à volta dos 20 por cento no primeiro ano, ao passo que a nossa taxa é de 46 por cento.

Acha que se justifica alargar esta consulta a mais Centros de Saúde da Região?
No final de 2009 tínhamos 1.156 utentes na nossa consulta e há um mês atrás tínhamos uma lista de espera com cerca de 500 pessoas. A procura excede em muito a nossa capacidade. Portanto, justifica-se plenamente a oferta de mais consultas noutros centros de saúde. É muito complicado para um fumador que quer deixar de fumar, mas que trabalha e vive no Porto Moniz ou na Calheta, por exemplo, vir ao Funchal semanalmente ou quinzenalmente em horário de trabalho. Se tivesse uma consulta mais perto, seguramente haveria mais gente a recorrer à consulta de cessação tabágica.

Que consultas de cessação tabágica existem presentemente na Região?
Para além da nossa existe actualmente uma consulta no Hospital dos Marmeleiros, que foi reorganizada recentemente, e outra no Centro de Saúde de Câmara de Lobos:
 
Que conselhos práticos daria às pessoas que querem deixar de fumar pelos seus próprios meios?
Devem começar por recorrer ao seu centro de saúde e aconselharem-se com o seu médico ou enfermeiro, uma vez que eles saberão indicar os primeiros passos para deixar de fumar. Se não conseguirem deixar de fumar com essa intervenção, têm de procurar consultas especializadas. Há pessoas que são muito determinadas e conseguem deixar de fumar sem acompanhamento, de “um dia para o outro”, mas estas são a excepção e não a regra. Se as pessoas optam por fazer redução, sem acompanhamento, essa redução nunca chegará ao dia D, em que têm de deixar de fumar por completo. Para quem quer deixar de fumar sem ajuda especializada, abandonar o cigarro “de um dia para o outro” é capaz de ser a melhor maneira.

Que tratamentos ajudam o fumador na privação da nicotina?
Ao parar de fumar, o fumador vai ter sintomas de privação da nicotina: dores de cabeça, irritabilidade, insónias, mal-estar, falta de concentração… Estes são sintomas físicos e há forma de os aliviar. Uma das maneiras passa por utilizar os pensos transdérmicos, que libertam nicotina para o organismo ao longo do dia. Mas existem outros medicamentos que podem ajudar. Relativamente à medicação, há um ponto que gostaria de sublinhar: as farmácias não devem interferir na prescrição que é feita na consulta médica, uma vez que isso só gera confusão e não ajuda em nada o utente.

Tem havido uma mudança de atitude em relação ao tabaco por parte da população?
Hoje em dia, vemos que as pessoas já censuram em certa medida o acto de fumar: deixou de ser “moda” e já não dá o “status” que antes dava. Por outro lado, a proibição de fumar em espaços públicos fechados e nos locais de trabalho foi óptima, sobretudo porque veio proteger os não fumadores e reduzir o consumo de tabaco nos fumadores. Mas, infelizmente, sabemos que há pessoas que continuam a fumar em casa e a prejudicar sobretudo as crianças, quando as há. Se não querem deixar de fumar estão no seu direito, mas têm de proteger a saúde da sua família, fumando no exterior.

Ao nível da prevenção, o que mais pode ser feito?
Penso que seria positivo se os adultos em posição de influência e liderança tivessem uma mudança de comportamento. Por exemplo, nas escolas, os professores não deveriam fumar em nenhum espaço da escola, porque devem ser um exemplo para os alunos. Aqui, no Centro de Saúde, é proibido fumar no interior do edifício, mas se os utentes virem um médico ou um enfermeiro a fumar na porta, que mensagem é que isso passa? Para além disso, temos sobretudo de continuar a apostar na informação dirigida aos jovens, que estão mais expostos à pressão do grupo e a outras influências.


 


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