OUTUBRO 2009
PROMOVER O DESENVOLVIMENTO INFANTIL: UM IMPERATIVO

Enf.ª Vera Lúcia Pestana*

Olhar a criança é também olhar o futuro, com todas as suas armadilhas do nosso tempo. Ser pai e ser mãe, no total sentido da palavra, não é tarefa fácil. É, portanto, um desafio carinhoso e apaixonante, talvez o mais apaixonante, que muitas vezes desencadeia dúvidas e sentimentos tais como alegria, impotência, raiva, insegurança, entre muitos outros, ao longo do processo de vida. Não nos podemos esquecer que ser pai e ser mãe é muito importante na vida do ser humano. A este papel associamos outros, tais como o de companheiro, o de profissional, o de filho, o de amigo... em suma: todas as relações que estabelecemos na vida, no âmbito das quais temos uma determinada responsabilidade.

Ser criança corresponde a aprender a equilibrar-se com os dois pés no chão, a sorrir, a apontar, a segurar na colher, a emitir sons ou a reconhecer as imagens dos livros. Ser criança é também aprender a lidar com a emoção, a lidar com o temperamento, a manipular os pais, a reagir a estranhos, ou a saber lidar com as suas próprias frustrações. Ser criança também não é tarefa fácil.

A história da existência do homem é uma história de existência relacional, onde as relações interpessoais existem duma forma muito especial, nas relações mais precoces da vida. Ninguém teria a ideia absurda de recusar a alimentação duma criança, no entanto, o desmame afectivo não parece monstruoso para a maioria das pessoas de hoje. Como irão estas crianças aprender tudo aquilo que têm para aprender? Que falta fará se não conseguirem lá chegar? As consequências orgânicas são imediatamente evidentes, ao passo que as consequências psicológicas da privação são menos visíveis e por vezes mais tardias.

As relações afectivas são o alimento invisível, tão importante como o pão, o leite, a sopa e a fruta para o desenvolvimento saudável do ser humano. O Dr. George Engel, de Rochester, Nova Yorque (2002), demonstrou que, se dermos de comer a um bebé num ambiente desfavorável e sem interacção, ele não fará adequadamente a digestão. Se, por outro lado, pegarmos no bebé ao colo, falando e brincando com ele durante a refeição, serão segregados os sucos digestivos necessários para uma boa absorção dos alimentos.

A criança precisa de tempo para estar com os pais, para olhar para eles, para senti-los, para brincar com eles e assim estar mais forte para puder conquistar o turbilhão de competências que o seu desenvolvimento lhe pede. As interacções necessárias só poderão ser integralmente concretizadas quando o adulto que cuida da criança dispõe de tempo e energia para dedicar-se a ela. As actividades ao ar livre, tempos lúdicos e uma disponibilidade descontraída são exemplos duma interacção saudável. Deverá ser evitado que as crianças fiquem sozinhas muito tempo ou em creches, por muito boas que sejam, assim como o excesso de televisão e computador. Há também que dar espaço para as crianças tenham tempo para “não fazer nada”. Ao não fazer nada, fazem tudo, têm tempo para organizar o seu pensamento, seja ele mágico ou mais tarde na construção da sua identidade.

A criança cresce mais forte com a disciplina, associada aos limites e valores, não só verbalizados, mas acima de tudo pelos exemplos dos pais no dia-a-dia. O “não” utilizado de forma justa, explicada (quando isso já é possível) com afecto e auto controlo por parte dos pais nos momentos mais “quentes”, é um pilar fundamental no desenvolvimento humano, defendido pelos maiores investigadores nesta área.

Os padrões de desenvolvimento duma criança podem ser previstos em termos de sequência de acontecimentos, mas nunca num tempo certo. Devemos respeitar os seus ritmos, mesmo que não sejam aqueles que os pais gostariam que fossem. Podem inclusivamente perder competências por um curto tempo e depois dar um salto olímpico no desenvolvimento. Podem emitir competências e passar dois degraus duma vez. Isto faz parte e está previsto actualmente no desenvolvimento humano.

Como observadores mais próximos da saúde e bem-estar da criança, os pais devem atender as suas próprias dúvidas e sua intuição. Se qualquer aspecto do desenvolvimento do seu filho, seja ele motor, cognitivo, emocional ou comportamental o preocupa, procure um profissional competente nesta área, podendo fazê-lo através do seu Centro de Saúde, onde encontrará uma rede de profissionais a quem recorrer, tais como o enfermeiro, o médico, o psicólogo, o terapeuta da fala, o nutricionista, o fisioterapeuta, por exemplo.

 O seu enfermeiro é muitas vezes o profissional que está mais próximo, podendo seguir o esquema das avaliações periódicas de desenvolvimento preconizado na Região Autónoma da Madeira. Quando detectadas alterações, sem que estas muitas das vezes queiram dizer exactamente atrasos, é importante que se estabeleçam planos de actuação e se apoiem os pais para que estes colaborem em técnicas de intervenção, podendo também ser referenciados para outro técnico de saúde ou outros recursos da comunidade.

As crianças conseguem recuperar de muitos problemas de desenvolvimento, e quanto mais cedo eles forem identificados e se tomarem medidas adequadas para as apoiar e compensar, melhor será. Sem ajuda, os pais ansiosos acabam por piorar os atrasos de desenvolvimento. Sem se aperceberem, podem ou superproteger o filho ou procurar desenvencilhar-se à sua custa. Nenhum destes métodos resulta e ambos tendem a transmitir à criança uma triste auto-imagem, podendo advir daí problemas subjacentes.

Caso não se detectem alterações do desenvolvimento, poderá haver sempre uma intervenção através dos cuidados antecipatórios, em que se estabelece uma intervenção pontual em idades chave, ajudando os pais na sua árdua tarefa. A estimulação dos pais é fundamental. Nenhuma criança consegue fazer bem uma tarefa se nunca lhe deram oportunidade de a fazer ou sem que a ela esteja associado um estímulo positivo. Adequar a nossa actuação às capacidades do bebé é promover o desenvolvimento saudável, é investir em futuros adultos mais competentes, mais satisfeitos e, consequentemente, mais felizes. Está nas mãos de todos construir um mundo melhor.

* Enfermeira Especialista em Saúde Infantil e Pediatria


 


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