Farmácia Caniço

“Sinto-me mais vivo, grato e sinto-me muitas vezes feliz. Tenho fé e esperança de que o melhor continua para vir. Enquanto bebia, a única noção que tinha é que as coisas só tinham tendência para piorar e que no fim, seria o hospital, a prisão ou a morte".

É um relato impressionante de um alcoólico em recuperação. Às questões do JM Saúde, Ademar respondeu quase sempre com a voz tremula, tensa, com as palavras a pesarem-lhe no corpo e na mente. São as palavras sinceras e honestas de um homem que viu esperança na sua recuperação, que agradece à família o apoio e que hoje sente esperança e felicidade na sua constante recuperação.

Foi essencialmente alguém me oferecer ajuda e dizer-me que era possível recuperar, facto que eu não sabia muito bem se era possível ou não. Alguém vir falar comigo e me dizer – e eu perceber que aquela pessoa já tinha tido problemas e que estava bem - ajudou-me imenso a tomar essa decisão. Nos momentos de consciência em que estava sóbrio, sempre tive algum desejo honesto de fundo de parar. Isso também teve o seu peso. Ter esse desejo honesto de querer parar de beber e de consumir. A minha família, os meus pais, quem estava perto de mim, teve um papel preponderante a ajudar-me a entrar em recuperação ao serem fortes e firmes comigo. Ao não tolerarem que eu me estivesse a matar-me aos bocados dentro da casa deles, umas vezes até me terem posto fora de casa com ultimatos.

Quando percebeu que poderia ter um problema com o álcool? 

Antes de mais quando realizei que já não conseguia parar. Tentava parar, fazia promessas, mas não conseguia. Quando tomei alguma consciência de uma progressiva degradação física e emocional assim com os constantes problemas com a família, com os amigos, com as autoridades, com as instituições. Estes três fatores ajudaram-me a perceber que eu tinha um problema sério que eu tinha de enfrentar. 

Não acredito que alguém que teve um problema consiga beber de forma social ou equilibrada. Não acredito nisso e a minha experiência pessoal diz-me que isso não é possível. Eu pratico um programa que me ensinou que sofro de uma doença chamada adição e que não consigo controlar qualquer substância que me altere o meu estado de espírito. É a minha experiência. Não consigo utilizar essas substâncias de forma equilibrada e quando o tentava fazer ficava descontrolado, desgovernado, e por aí fora. Estou continuamente em recuperação, mas não estou curado. Sinto que se voltar a beber, provavelmente quase de certeza volto ao mesmo estado problemático e miserável em que me encontrava. Não tenho ilusões de que o que eu era com o álcool continue a ser com o álcool ou com outras substâncias se eu as voltar a consumir. Portanto, sinto-me em recuperação, um dia de cada vez, vou acreditando nesta solução de não existir meias medidas no que concerne ao álcool ou outras substâncias. Não consigo beber ou usar de forma controlada. É impossível. A experiência e várias tentativas de tentar consumir menos dizem-me isso.

Não sei por onde começar. São imensas. Desde o completo desrespeito por mim, submeter-me aos outros, falta de higiene, situações de violência junto dos mais próximos, vários acidentes rodoviários na mesma noite, crescente degradação do meu estado de saúde, a consumir, usar e beber todos os dias trazem situações muito complexas. 

Como se sente hoje em dia em recuperação? 

Essencialmente sinto-me, desde o momento em que parei, a viver uma segunda vida, a aproveitar os momentos com mais entusiasmo e mais emoção. Sinto-me menos só, mais ligado às pessoas e mais ligado ao mundo. Sinto-me com mais visão, com mais brio naquilo que faço, com mais responsabilidade. Traz-me um desafio que gosto de superar a cada dia. Sinto-me mais vivo, grato e sinto-me muitas vezes feliz todos os dias o que me motiva e me faz ter fé e esperança de que o melhor continua para vir. Enquanto bebia a única noção que tinha é que as coisas só tinham tendência para piorar e que no fim seria o hospital, a prisão ou a morte. Agora a noção é contrária. É que o melhor está para vir e isso deixa-me descansar.