Eduardo Lemos Casa de Saúde São João de Deus Compete à Casa de Saúde São João de Deus, a luta contra o alcoolismo na Madeira. Um
problema que Eduardo Lemos considera “preocupante”, com “consequências” graves para
a saúde. Taxa de sucesso nos primeiros 28 dias é de 85%. Cura só se consegue com abstémia. A quadra natalícia, a entrada do
Ano Novo e todas as festividades
associadas como as missas do parto e os motivos festivos por toda a
ilha, foram o motivo para a temática
principal deste JM Saúde, com destaque para o trabalho incansável da
Casa de Saúde São João de Deus. Pela sua experiência, quais são as causas do alcoolismo? O que leva
as pessoas a ficarem dependentes
do álcool? A Síndrome da Dependência de
Álcool constitui uma problemática
de considerável gravidade para a
saúde pública dos cidadãos, das famílias e das comunidades que não
podemos ignorar. O alcoolismo é
um problema de saúde pública, digamos preocupante também na Região. O consumo excessivo de álcool
tem consequências graves para a
saúde, tanto a curto como a longo
prazo e consome muitos recursos
no tratamento, recuperação e reabilitação. Mas a não intervenção
eficaz e atempada, significa custos
ainda mais significativos, nomeadamente financeiros, para a própria
comunidade.
Não existe uma única causa ou
razão que determina ou concorre
para alguém se tornar alcoólico ou
dependente do álcool como substância; numa análise mais transversal, podemos considerar vários
fatores que muitas vezes, complexamente interligados, conduzem as
pessoas para quadros de uso, abuso e dependência grave da substância
álcool. Tais fatores são de natureza individual, ambiental, cultural,
social, psicológico, até genético e
biológico.
As causas dos PLAs – Problemas
Ligados ao Álcool são, pois, multifatoriais. Porém, é notório que ter familiares próximos ou de referência
- mãe, pais, avós, com o problema,
pode constituir-se como preditor
para tornar-se dependente. A pressão social, acontecimentos negativos marcantes que causam desconforto impressionante, ansiedade, o
isolamento social, a influência do
grupo de pares, constituem aspetos que influenciam e determinam
o início, o uso, aumento e abuso
de consumos excessivos de álcool. A Casa de Saúde trata diretamente os problemas de alcoolismo. Para
o processo de cura, são os doentes
que vos procuram? Para o processo de tratamento somos contactados de diversas
formas. Podemos considerar que
atualmente contamos com uma boa
rede de parceiros que trabalham
em conectividade, com boa interligação, como sejam os serviços do
SESARAM (Centros de Saúde, Serviço de Urgência, Unidade de Psiquiatria do Hospital), outras entidades nomeadamente, Associação
Protetora dos Pobres, Associação
Anti-alcoólica da Madeira, órgãos
de poder autárquico, sector empresarial. De realçar o programa
de seguimento pós-alta da Casa de
Saúde, que monitoriza os processos
de recuperação e reabilitação das
pessoas que cumprem o programa
de tratamento, onde os utentes que
já tenham realizado um tratamento
no passado, em fase de recaída, tenham a possibilidade de fazer novo
programa de reabilitação. Quais são as consequências fisiológicas e sociais do álcool? O álcool está associado como um
fator causal de muitas enfermidades e representa mundialmente a
causa de morte de inúmeras vidas
por ano. Trata-se de uma substância
psicoativa que afeta todos os nossos sistemas orgânicos com maior
ênfase no sistema gastrointestinal,
cardiovascular e neurológico.
A nível social o álcool está associado a perda de emprego, habitação, a conflitos e disrupção familiar,
a acidentes rodoviários e a violência
seja ela doméstica ou pública. Quantos doentes estão internados e em tratamento na Casa de
Saúde? Na casa de saúde a unidade para
tratamento de alcoologia S. Ricardo
Pampuri tem 31 camas, sendo que a
ocupação varia com a mobilidade de
altas e as novas entradas de pessoas
com a problemática, mas mantendo um nível de ocupação superior
aos 90%. Na presente data temos
a unidade com 100% de lotação e
270 internamentos no corrente ano.
De realçar a capacitação da unidade em satisfazer todas as necessidades regionais em matéria de
tratamento, significando que não
há listas de espera para os utentes
terem a oportunidade de efetuarem um tratamento especializado,
numa unidade de intervenção com
certificação internacional. É possível dizer-se que há uma
recuperação plena? Embora o alcoolismo seja uma
doença crónica, tal igual à diabetes,
hipertensão arterial, entre outras, a
recuperação plena é possível através de um processo continuado de
atenção, sobretudo adotando comportamentos cuidativos e preventivos no que respeita à gestão dos
lapsos e recaída nos consumos. Mas
é claro e inequívoco que é possível e desejável as pessoas viverem
uma vida plena e saudável após o
tratamento, sendo que, para tal,
é pois necessário a manutenção
da abstinência alcoólica, que será facilitado com o apoio familiar
e dos serviços de saúde e sociais,
nomeadamente aqueles oferecidos
pela Casa de Saúde. Quais são os tratamentos/abordagens para a cura do consumo
do álcool? O tratamento realizado na casa
de saúde para pessoas com Problemas Ligados ao Álcool comporta
várias abordagens, nomeadamente
de psico-educação, psicoterapia,
dinâmicas de grupo, estimulação
cognitiva, reeducação social, terapia medicamentosa, programa de
seguimento pós alta. Para dar resposta a esse tratamento dispomos
duma equipa multidisciplinar constituída por enfermeiros, psiquiatras,
psicólogos, assistente social, educadora social, gastroenterologista,
professor, assistente espiritual, animadores voluntários, entre outros. Qual é a taxa de sucesso da realidade regional? A taxa de eficácia do tratamento
(taxa de abstinência) nos doentes à
saída do tratamento que compreende um espaço temporal de 28 dias
é muito elevada, situando-se nos
85%, o que significa que uma larguíssima maioria das pessoas internadas conseguem cumprir o
tratamento até ao seu términus e
simultaneamente cumprir eficazmente o seu propósito e objetivos
delineados que diz respeito à abstinência total. Na continuidade da
monitorização e controle do processo individual de reabilitação, as pessoas em programa de seguimento
pós alta também é elevado e muito
promissor. Álcool e Suicídio O consumo excessivo de álcool, padrões de consumo abusivos,
estão marcadamente correlacionados com a ideação suicida e
consumação de suicídios. O estado de embriaguez prejudica de forma
muito substantiva e grave a capacidade e de análise, avaliação e a
capacidade critica e seu controle, com perda da inibição, levando
com frequência a ideias e atos de autolesão, nomeadamente
o acometimento de suicídio, muitas vezes por enforcamento e
intoxicação grave e aguda por substâncias exógenas e de alto
teor de perigosidade. Nos doentes internados é percetível esta
vulnerabilidade interna da pessoa e carece uma atenção e cuidado
particular da equipa de saúde no sentido do diagnostico precoce, o
tratamento atempado e a sustentação da sua recuperação futura. Álcool e Prevenção De considerar a importância do investimento em planos de
prevenção do alcoolismo, como programas de educação para
jovens sobre os riscos do alcoolismo e programas de apoio
a pessoas que sofrem de alcoolismo que felizmente estão a
merecer um cuidado diferenciado e substancial na Madeira.
De facto, é muito importante prover os recursos e programas
necessários ao tratamento, recuperação e reabilitação das
pessoas que no seu percurso de vida tornam-se dependentes
do álcool, até para minimizar os impactos económicos, sociais,
psicológicos e mentais, mas também financeiros que acarretam
para a comunidade madeirense; Não obstante, é fundamental
intervir na prevenção primária da problemática, evitando o
aparecimento e crescimento do problema. |