Dra. Valentina Silva Ferreira Técnica Superior de Educação Projeto ART´THEMIS+ Violência nos Relacionamentos A violência nos relacionamentos é um problema de todos e que pode afetar crianças, jovens, adultos e idosos. É um problema social e
de saúde. Por este motivo é fundamental falarmos de violência, para que possamos sensibilizar, (in)formar e prevenir. É importante
tratar com seriedade todo e qualquer caso de violência. Ao longo da nossa vida, passamos por momentos em que a nossa
saúde fica fragilizada e aí surge a
necessidade de procuramos ajuda
médica e/ou psicológica. Fazemo-
-lo porque queremos ultrapassar
sintomas dolorosos e, por vezes, incapacitantes. Ora, sabendo que os
nossos relacionamentos têm forte
impacto no nosso bem-estar, será
que atribuímos o mesmo grau de
importância ao dano causado pelos
relacionamentos corrosivos, abusivos e tóxicos, que atribuímos ao
estado de doença? Proponho então que façamos uma análise aos
seus relacionamentos para compreender se estes estão ou não de
boa saúde.
Comecemos pelas relações amorosas. Será a sua relação amorosa
atual, uma relação saudável? Uma
relação saudável, pressupõe que
ambos possam falar abertamente
acerca dos seus sentimentos e opiniões, existindo respeito quando
estas divergem. Numa relação saudável, há espaço para a negociação
e reflexão quando é necessário tomar decisões, existe consideração
pelo outro e a aceitação do outro,
tal como é. Uma relação saudável
necessita também e sobretudo de
afeto. Numa relação abusiva, os
aspetos anteriormente referidos
(comunicação, respeito, igualdade
e afeto), bem como, a confiança, a
liberdade, a honestidade e a vida
sexual estão comprometidos. Podemos estar perante uma relação
abusiva, tóxica, quando um dos
elementos assume uma posição de
controlo da atividade diária da outra pessoa (verificar o telemóvel, os
emails…), é uma relação marcada
pelo desejo de controlar o outro e
de tê-lo apenas para si. Numa relação abusiva, um dos elementos
domina a relação e não existe espaço para o crescimento pessoal,
para a mudança. As consequências
são muitas e negativas. Uma relação abusiva causa danos à nossa
autoestima, poderemos desenvolver problemas relacionados com
o sono ou com a alimentação. Há
uma maior tendência para o isolamento e a ansiedade torna-se uma
presença assídua nos nossos dias.
Então? A sua relação amorosa
está de boa saúde? Se não, deve
procurar ajuda junto dos profissionais de saúde.
Agora que fizemos um check-up
à sua relação amorosa, é tempo
de refletirmos acerca do estado
de saúde da relação que estabelece com os seus filhos. Tal como
numa relação amorosa, a relação
entre pais e filhos deve basear-se
no respeito e no afeto. As crianças
são pessoas e merecem, por parte
dos seus cuidadores, uma atitude de compreensão e empatia. A
“palmada educativa”, os gritos e
os puxões de orelhas, não ensinam
às crianças como estas podem resolver os seus problemas e como
podem regular as suas emoções.
Lembre-se que você é o adulto da
relação.
Uma criança ou jovem exposto a
situações de violência familiar, poderá perpetuar os comportamentos que caracterizam a sua vida
diária. Afinal de contas, os pais e
cuidadores são exemplos para os
mais variados aspetos da vida dos
mais novos. O relacionamento com
um companheiro ou companheira,
não será exceção. Por outro lado,
uma criança até pode ter uma relação saudável com os seus pais e
demais familiares, mas ser vítima
de bullying, isto é, pode estar perante uma relação de constante
intimidação, desrespeito e desigualdade face a outra criança ou
jovem, sem ter a possibilidade de
se defender. O bullying não se resume a agressões físicas. Há uma
forma muito particular de violência
que pode doer mais do que uma
bofetada. Falo de cyberbullying.
Quando a violência é exercida com
recurso às novas tecnologias nomeadamente, as redes sociais, o
email, chats, entre outros.
Falta-nos ainda verificar o estado
de saúde dos seus relacionamentos
no local de trabalho. Entende-se
por violência no trabalho, qualquer
ação ou comportamento que se
desvie do padrão de conduta normal, conduzindo a uma situação
em que um trabalhador, durante
o seu trabalho ou como resultado direto do mesmo, é vítima de
qualquer tipo de assédio físico e/
ou psicológico. Se está a passar por
isso, não deixe de pedir ajuda por
sentir medo, culpa ou vergonha
porque este tipo de violência não
passa com o tempo. Antes pelo
contrário, só tende a piorar.
A violência nos relacionamentos
é um problema de todos e que pode afetar crianças, jovens, adultos
e idosos. É um problema social e
de saúde. Por este motivo é fundamental falarmos de violência,
para que possamos sensibilizar, (in)
formar e prevenir. É importante
tratar com seriedade todo e qualquer caso de violência. PATOLOGIAS Uma amostra de 5916 jovens
de todo o país, que reportam já
ter experienciado, na(s) sua(s)
relação(ões) de namoro, pelo
menos um dos indicadores de
vitimação questionados no
Estudo Nacional da Violência no
Namoro realizado pelo Projeto
ART’THEMIS+, da Associação
UMAR, presente na Madeira
desde 2018. Havia na Maria um olhar de tristeza. Tinha dezasseis anos e, até há
pouco, beleza e frescura, alegria
e entusiasmo, perdidos nos meses daquele namoro com Miguel.
Vivia em constante ansiedade: o
que fazer, o que dizer, o que não
vestir, quem evitar falar. Miguel
gritava, chamava-lhe nomes, acusava e ameaçava e, se calhar, até
tinha razão, pensava Maria, afinal
ele gostava tanto dela, não havia
ninguém no mundo que a amasse
mais que Miguel.
Maria é um nome fictício, ainda que muito real. Representa os
65,2%, de uma amostra de 5916
jovens de todo o país, que reportam já ter experienciado, na(s)
sua(s) relação(ões) de namoro, pelo menos um dos indicadores de
vitimação questionados no Estudo
Nacional da Violência no Namoro
realizado pelo Projeto ART’THEMIS+, da Associação UMAR, presente na Madeira desde 2018. As
formas de violência consideradas
são diversas - violência psicológica, controlo, perseguição, violência
através das redes sociais, violência
sexual e violência física – sendo
que, à exceção da violência física, o
estudo demonstra maiores percentagens nos indicadores de vitimação entre jovens que se identificam
com o género feminino. O estudo
também analisou a legitimação,
concluindo que, do total de jovens
participantes no estudo, 67,5%
não percecionam como violência
no namoro, pelo menos, um dos
quinze comportamentos questionados, sendo o género masculino
o que apresenta maiores níveis de
legitimação para todas as formas
de violência.
A desconstrução destas ideias
passa, sobretudo, pela prevenção,
de forma sistemática, holística e
continuada, iniciada o mais cedo
possível e partindo de bases essenciais como emoções e afetos,
direitos humanos, estereótipos de
género e diferenças entre as pessoas, para, então, se refletir e chegar à compreensão do que é, de
facto, um relacionamento saudável
e feliz. Prevenir é garantir a concretização de um mundo em que as
relações sejam mais equilibradas
e seguras, e em que cada ser humano se desenvolva na plenitude
das suas capacidades. |