AGOSTO 2009
DRA. SOFIA ALVES: “É FUNDAMENTAL PLANEAR A VIDA SEXUAL E REPRODUTIVA”

A Dra. Sofia Alves, responsável da Associação para o Planeamento da Família (APF) na Região Autónoma da Madeira, defende em entrevista à Newsletter da Farmácia do Caniço que o planeamento familiar é fundamental, uma vez que uma gravidez não desejada pode significar o “início de um ciclo de pobreza», especialmente para os jovens.

Há quanto tempo está a APF presente na Região Autónoma da Madeira?
A APF Madeira tem duas fases. Na verdade, foi a primeira delegação da APF, que foi fundada em Lisboa há 41 anos e três ou quatro anos depois abriu aqui uma delegação, liderada pelo Dr. Paquete Oliveira, que na altura era padre, Helena Martins e mais algumas pessoas. Só que, infelizmente, durou muito pouco tempo, já que tudo era feito por voluntários e as pessoas dispersaram-se. Depois, voltou a formar-se novamente o núcleo em 2001, nesse momento apenas em regime de voluntariado e desde 2006 temos pessoal permanente. Presentemente, em termos de “staff” residente na delegação estou eu, a meio tempo. Temos também duas estagiárias e depois temos um grupo de voluntários, que são normalmente sócios. A própria direcção também é formada por sócios. No activo, a trabalhar no terreno quando é preciso, somos à volta de 15 pessoas.

Fale-nos um pouco acerca das vossas principais iniciativas?
Temos sempre esta sede aberta para prestar atendimento aos jovens, que é complementado pelo esclarecimento por parte de profissionais, tanto de educação como de saúde. Para além do atendimento, também nos deslocamos a locais como associações ou outras instituições que pedem sessões de esclarecimento. Neste momento, estamos a arrancar com o projecto RUMOS, que visa dar formação sobre sexualidade a profissionais nas áreas da saúde e intervenção social. Também trabalhamos muito na questão da gravidez na adolescência e estamos neste momento a formar um grupo de voluntários específico para distribuir informação junto dos trabalhadores sexuais.

Os jovens acorrem com frequência à APF em busca de informação?
Os jovens já estão mais libertos daquelas noções estereotipadas das gerações anteriores. Contudo, a sexualidade continua a ser um tabu. Num grupo que nós tivemos, ao distribuirmos folhetos de informação sobre a contracepção e a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, houve uma jovem que disse que não sabia o que fazer com os folhetos, porque tinha medo que os pais os descobrissem se os levasse para casa. Também é necessário ter em conta que a nossa população-alvo pertence normalmente a um grupo com um nível de vida médio-baixo e a informação e a abertura à sexualidade estão directamente relacionadas com o nível cultural e económico das pessoas. Lembro-me de num grupo de mulheres que acompanhamos que recebem o rendimento mínimo de inserção social – estamos a falar de mulheres jovens, muitas delas mães adolescentes – se fazerem perguntas caricatas como: “onde fica o clítoris?”. Outras ainda não percebiam concretamente o que era a menstruação - havia uma ideia de que era a “limpeza do corpo”, mas não sabiam exactamente em que é que consistia.

Como avalia a informação actualmente disponível sobre a sexualidade?
Acho que existem muitas lacunas, mas a nível geral há um esforço social e político para que essa informação chegue às pessoas. Por exemplo, ao nível do Sistema Regional de Saúde, existe uma oferta de informação ao nível dos cuidados primários que funciona. Muitos farmacêuticos disponibilizam contracepção e informação aos utentes, vários centros de saúde têm atendimento aos jovens e existem também muitas instituições, particularmente organizações não governamentais (ONGs) que também são activas a este nível. A nível das famílias há aqui um trabalho enorme a fazer: mais do que nunca, fala-se hoje em dia de competências parentais. A própria APF está a fazer um grande esforço no sentido de ter projectos de intervenção familiar: o que se pretende é fazer aquilo que nós chamamos de intervenção sistémico-comunitária. Existem aqui pelo menos dois pontos fundamentais – os jovens e a família. O que queremos é que os jovens recebam a informação e a passem depois à família, mas também que as famílias tenham a informação disponível para dar aos jovens. No mês passado, a APF teve um projecto a nível nacional, chamado “Ditos e Não Ditos”, que implicava por cada delegação um grupo “focus”, em fazíamos uma entrevista a 10 pais para tentar perceber quais eram as suas dificuldades nesta área da educação sexual. E chegámos à conclusão que continua a haver imensa falta de informação.

Em específico nas escolas, como avalia a informação sobre sexualidade que é prestada hoje em dia?
Aqui temos de assumir claramente que existem dois níveis diferentes: a realidade nacional e a regional. Gostaria de deixar claro, antes do mais, que não pretendo fazer um juízo de valor que tenha por base as cores políticas. A nível nacional, há um esforço para dar uma resposta ao nível da educação, da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, mexendo com grandes esferas sociais, o que não é fácil. E isto prende-se com a mudança da lei de educação sexual, que deu azo a muita confusão, nomeadamente ao nível das escolas, mas que é um passo necessário. Alguns pais estão a movimentar-se para bloquear a regulamentação e o desenvolvimento dessa lei, mas a realidade é que a maior parte dos pais não consegue dar resposta a estas inquietações e dúvidas dos filhos. A nível regional, tenho algumas dúvidas – e aqui remeto-me concretamente à informação que tenho recebido por parte dos professores. Há um programa na Região chamado Educação Sexual e Afectiva e muitos professores dizem-nos que o mesmo é insatisfatório, tanto para eles, como docentes, devido à informação que lhes é dada, como para os próprios alunos. Por isso, acho que temos algum défice ao nível das escolas, apesar da boa vontade que noto ao nível dos professores, dos directores de turma e conselhos directivos. Por exemplo, muitas vezes os responsáveis sentem essa limitação e chamam técnicos específicos para dar esta formação, tais como médicos, professores, enfermeiros ou a própria APF.

Relativamente às doenças sexualmente transmissíveis, têm dados sobre quais as que têm maior incidência na Região?
Infelizmente, não temos muitos dados disponíveis. Obviamente, a SIDA continua a ser um problema, tanto a nível nacional como na Região. Há pouco tempo, numa conversa com um grupo de mulheres antes de arrancar uma campanha para a vacinação contra o papiloma humano e para prevenção do cancro do colo do útero, tivemos ocasião de dizer que um dos maiores comportamentos de risco tem a ver com mulheres que, sendo sexualmente activas, acham que não se precisam de preocupar porque só têm um parceiro sexual. Ou seja, acreditam que por terem uma vida sexual e afectiva estável, não precisam de tomar nenhuma contracepção, mas principalmente de usar nenhuma protecção. Outro factor de risco importante é o facto de muitas mulheres não irem ao ginecologista/obstetra regularmente – e aqui estou a pensar primordialmente no problema potencial que é o cancro do colo do útero.

Segundo estudos recentes, a Madeira é uma das zonas do país onde a pílula do dia seguinte tem um índice de utilização mais elevado. Porque acha que isto se verifica?
A minha interpretação é que isto acontece porque as pessoas não utilizam contracepção normalmente – e isto sem falar sequer em termos de protecção, o que é outro problema grave. Se há o recorrer à contracepção de emergência, é porque a gravidez seria indesejada. Mas então, se as pessoas não desejam uma gravidez, porque é que não vão à consulta de planeamento e não utilizam um método contraceptivo? Estas pessoas não são acompanhadas pelo seu médico – isto é claríssimo. A primeira atitude de um médico, ao ser confrontado com uma pessoa, ou um casal que não quer ter filhos, é recomendar um método contraceptivo. Portanto, podemos desde logo aferir que as pessoas não estão a planear a sua vida sexual e reprodutiva. Uma gravidez não desejada deve ser evitada: é preciso ter em conta que, muitas vezes, representa a abertura de um ciclo de pobreza

Acha que as pessoas precisam de mais informação a este nível?
Eu acho que a informação está disponível: as pessoas têm acesso a livros, aos serviços clínicos, à Internet, etc. O que as pessoas não têm é formação… É possível que haja falta de responsabilidade por parte de algumas pessoas, mas por outro lado acho que só podemos apontar para essa falha se houver formação para alertar para as consequências que um comportamento pouco responsável pode ter.

Há pouco tempo atrás arrancou uma campanha para promover a utilização do preservativo feminino. Como avalia esse esforço?
Nós estamos também a informar as pessoas acerca do preservativo feminino. Há aqui várias questões a considerar: o primeiro ponto tem a ver com o tabu que envolve a sexualidade feminina. Infelizmente, ainda persiste uma visão de que o homem é a parte activa da relação sexual, enquanto a mulher é passiva. Ou seja, existe uma ideia prevalente de que o homem, como parte activa, é que tem de se cuidar. Depois, há outra questão que se coloca ao nível da comercialização: existe um problema de disponibilidade do preservativo feminino, porque não existe muita procura. Mas é preciso ter em conta que essa reduzida procura pode estar relacionada com o preço a que foi inicialmente disponibilizado no mercado, que era três vezes superior ao preço do preservativo normal. Para além disso, quando o preservativo feminino foi lançado originalmente, havia uma questão anatómica, porque o mesmo magoava um pouco as mulheres, ao tocar no colo do útero, o que agora, felizmente, foi alterado. Por fim, outro problema que se coloca é que muitas mulheres não têm uma grande noção acerca do funcionamento do seu corpo, portanto, terão algumas dificuldades em colocar o preservativo feminino. Até agora, ainda não temos recebido muitos pedidos de informação, mas temos tido o cuidado de nas acções que levamos a cabo, junto de diversos grupos, falar acerca do preservativo feminino, explicando como permite dar mais autonomia à mulher e também o seu funcionamento.

A APF lançou recentemente uma campanha a nível nacional para reduzir o aborto clandestino. Este é um problema também na Região?
Na Madeira, não achamos relevante fazer esta campanha contra o aborto clandestino, tendo em conta factores como o próprio índice de maternidade na adolescência e o índice de fecundidade. Portanto, não nos parece que seja um problema significativo aqui na Região e podemos dizer, com um grau de segurança elevado, que aqui se pratica muito pouco o aborto clandestino. E isto é positivo, claro, mas por outro lado também pode indiciar que existem muitas gravidezes indesejadas que são levadas até ao fim e preocupam-nos os efeitos futuros que isso possa ter ao nível das famílias e da própria comunidade.

A APF Madeira disponibiliza consultas de ginecologia e planeamento familiar direccionadas para os jovens. Os interessados deverão entrar em contacto via e-mail ou telefone para fazer marcação.

Morada: Rua da Vargem - 30, r/c | 9000-705 Funchal
Telefone: 291 766 089
E-mail: apfmadeira@sapo.pt


 


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