JUNHO 2009
ENTREVISTA COM A DRA. ANABELA FARIA

Dra. Anabela Faria: “É fundamental mudar atitude face à exposição solar”

A Dra. Anabela Faria, Directora do Serviço de Dermatologia do Serviço Regional de Saúde, fala numa entrevista exclusiva à Newsletter da Farmácia do Caniço sobre cuidados a ter com a exposição solar de modo a prevenir o aparecimento do cancro de pele e de outras doenças relacionadas com a radiação solar.

Quais são as doenças de pele mais frequentes na Região Autónoma da Madeira?
A prevalência das doenças de pele na Madeira acompanha a do resto do país, não existindo grandes diferenças em termos de patologia. Em termos práticos, poderíamos agrupá-las em doenças que afectam os grupos etários mais baixos, ou seja, as dermatoses mais frequentes nas crianças, como por exemplo o eczema atópico ou os moluscos contagiosos. Depois, nos adolescentes, a situação mais frequente é, sem dúvida, a acne. Na idade adulta, temos várias situações: em qualquer grupo, os eczemas são sempre frequentes, mas nesta idade temos o eczema de contacto, que muitas vezes é de causa profissional. Temos também as doenças sexualmente transmissíveis neste grupo etário; a psoríase, que pode surgir em qualquer grupo, mas que tem uma maior prevalência na idade adulta, e também as micoses, que podem surgir em qualquer idade, mas que são frequentes no adulto. Já no grupo etário dos mais idosos, as situações mais frequentes são as pré-cancerosas, nomeadamente as queratoses actínicas, e as situações cancerosas, ou seja os basaliomas e os carcinomas espinocelulares, para além do melanoma, que é a situação mais grave e que pode surgir nos adultos jovens mas é, sem dúvida, mais frequente nas idades mais avançadas.

As pessoas com historial de cancro na família correm mais risco de ter cancro?
Existem factores genéticos que podem predispor ao desenvolvimento de cancro de pele. Por exemplo na xeroderma pigmentosa, há uma dificuldade de reparação do DNA celular: neste caso existe uma predisposição genética para desenvolver cancros de todo o tipo. Nem todas as pessoas são igualmente susceptíveis ao cancro de pele: os indivíduos de pele clara, de cabelo ruivo ou louro, de olhos azuis, que têm sardas, têm uma maior predisposição para desenvolver cancro de pele. E também aquelas que têm por exemplo, múltiplos nevos, nomeadamente um tipo de nevo designado por nevo atípico, que muitas vezes é familiar e que também é considerado um precursor do melanoma maligno.

Portanto, as pessoas que têm esse historial de cancro de pele na família deverão tomar precauções adicionais?
Sem dúvida. Entre as medidas de fotoeducação e de fotoprotecção que nós aconselhamos, contam-se ter mais cuidados no caso de se tratar de uma pessoa de pele clara ou de ter antecedentes pessoais ou familiares de cancro de pele ou de melanoma. O factor genético é, sem dúvida, importante. Quando são feitos rastreios, podemos saber através do interrogatório que é feito ao paciente, se há outros casos de cancro de pele ou de melanoma na família, e esses doentes terão de ter uma atenção redobrada e cuidados especiais no que toca à exposição solar.

E no caso das doenças provocadas pela exposição solar? Quais são as mais graves?
A mais grave é o cancro de pele. Mas todos nós sabemos que a radiação solar, em particular a radiação ultra-violeta, é um factor importante no foto-envelhecimento, ou seja no envelhecimento precoce da pele que é provocado pela radiação solar, por contraponto com o envelhecimento cronológico, ou intrínseco, que é resultante do passar do tempo. A exposição solar é um factor fundamental no foto-envelhecimento e a médio-longo prazo - 15 a 20 anos - no desenvolvimento do cancro de pele. Claro que existem outras situações que podem ser provocadas ou agravadas pelo Sol, como por exemplo as chamadas “alergias ao Sol”, que são muitas. O uso de certos medicamentos que são foto-sensibilizantes também pode provocar uma maior sensibilidade da pele à radiação e levar ao aparecimento de uma queimadura solar. Mas em termos de risco, não há duvida que os dois principais são o foto-envelhecimento e a foto-carcinogénese.

Qual é o nível de incidência do cancro de pele aqui na Madeira?
A Madeira acompanha os valores nacionais. Podemos dizer, em termos gerais, que uma em cada 60 pessoas terá um melanoma durante a sua vida. E uma em cada 6 terá um tipo de cancro de pele, que serão o carcinoma basocelular ou o carcinoma espinocelular. Em Portugal, a prevalência do carcinoma é de cerca de 100 casos por cada 100 mil habitantes. No caso do basalioma, temos uma frequência cerca de 10 vezes superior ao do carcinoma espinocelular. Já no caso do melanoma, que é o mais grave, a média anda à volta de 8 casos por cada 100 mil habitantes. Em 2006, observámos 3 casos na Madeira, já em 2007 tivemos 12, o que foi um aumento substancial, em 2008 tivemos outros 12 e em 2009, até agora, já observamos 3 casos de melanoma maligno.

Existe alguma explicação para este aumento do número de casos?
As campanhas de prevenção que temos feito poderão ser um dos factores que explicam o aumento do número de casos registados: ou seja, os doentes estão mais atentos à sua pele, recorrem às consultas de dermatologia com mais frequência para saber se um nevo se está a transformar, e é isso que nós pretendemos, que o diagnóstico se faça o mais cedo possível, que é a chamada prevenção secundária do melanoma. Por outro lado, nós sabemos que os casos que estamos a ver agora e que atingem pessoas que vão dos 30 e tal anos aos 70 e tal, correspondem a exposições solares desregradas, exageradas e intensas de há 10 ou 15 anos. A radiação solar é cumulativa; a pele não se “esquece” da radiação que apanhou durante toda a vida e a determinada altura a capacidade de reparação do tal DNA celular começa a ser cada vez menor, surgem erros e esses erros levam ao aparecimento do tumor, designadamente do melanoma. Este aumento de casos que estamos a ver agora tem provavelmente a ver com exposições intensas e com um número de outros factores, existem aqui várias situações a ter em conta. Mas as campanhas que temos vindo a fazer de foto-educação, de foto-protecção, de prevenção secundária, ou seja, de diagnóstico precoce do melanoma, têm vindo a levar as pessoas a acorrer em maior número aos nossos serviços, o que é positivo.

Em termos de informação ao público, acha que a mensagem está a passar, ou seria preciso fazer mais?
Penso que as campanhas são suficientes. Entre Março e Agosto, todas as semanas fazemos campanhas na comunicação social, para além do rastreio de cancro cutâneo, que é um dia simbólico, uma vez que o rastreio pode ser feito em qualquer momento e durante todo o ano damos informações aos doentes relativamente à forma como se devem proteger. Creio que as pessoas estão informadas, mas o que se passa é que, em alguns casos, não querem cumprir as indicações que são fornecidas. Apesar de todas estas campanhas, a atitude das pessoas e o comportamento face à radiação ainda não são os ideais, já que muita gente continua a ir à praia e a expor-se ao Sol nas horas de maior risco, entre as 11h00 e as 17h00, acontecendo o mesmo com outras actividades, como o desporto ao ar livre e as caminhadas. O ideal seria que as pessoas se expusessem ao Sol só a partir das 17h00 ou então de manhã cedo. As crianças, os adolescentes e os adultos jovens devem ser o nosso alvo predilecto, uma vez que 80% da radiação que apanhamos durante toda a vida ocorre durante a infância, adolescência e idade adulta jovem.

Na Madeira, a exposição aos raios ultra-violetas é um pouco superior à média nacional. Isso significa que, à partida, o risco também é maior?
A nossa latitude tem um índice de radiação ultra-violeta mais elevado que no Continente, mas creio que não será por aí... Nós sabemos que o índice de radiação atinge os valores mais elevados no Verão, por volta do meio-dia. E claro que todas as latitudes mais próximas do equador serão as mais afectadas. Mas penso que isto passa cada vez mais por termos uma determinada atitude face à radiação. A protecção é fundamental e a exposição ao Sol deve ser sempre progressiva e moderada. As pessoas devem evitar o horário de maior risco, devem utilizar vestuário protector, nomeadamente óculos escuros, chapéu, uma camisola de manga comprida, mesmo na praia e mesmo nas horas “certas” de exposição, especialmente no caso de se tratar de uma criança. E, no caso das zonas que não podem ser protegidas por vestuário, as pessoas devem usar um protector solar.

Ou seja, não basta usar protector solar para garantir uma boa protecção?
Não. Na verdade, o protector protege fundamentalmente dos raios ultra-violetas “B”, mas muito menos dos “A”. Evita a queimadura solar e dá uma falsa noção de protecção, mas é preciso ter em conta que as queimaduras podem ocorrer na mesma se o protector não for utilizado de forma adequada e se não forem cumpridas todas as outras regras. O protector é um complemento importante em termos de protecção solar e deve-se utilizar sempre com um factor de protecção nunca inferior a 30, mas nunca deverá ser utilizado para prolongar a exposição à radiação.

Qual é a forma mais adequada de utilização do protector?
Deve colocar-se sempre nas áreas mais expostas, que não podem ser protegidas pelo vestuário, nomadamente a face, as mãos, os pavilhões auriculares, os antebraços… No caso de pessoas que vão à praia, deve, quanto a mim, ser colocado sobre toda a pele, e depois então ser vestida roupa protectora. O protector deverá ser renovado de hora a hora. Mas é importante sublinhar que a exposição ao Sol nunca deverá exceder 1h30 a 2h00. Após esse período, as pessoas deverão manter-se à sombra ou vestir roupa protectora.

Como é que as pessoas podem fazer um “rastreio” da sua pele em casa para saber quando ir ao dermatologista?
É extremamente importante o chamado “auto-exame”. As pessoas devem fazer este auto-exame da sua pele, especialmente se têm muitos nevos, de dois em dois meses. As pessoas podem pedir ajuda a um familiar ou amigo para verificar se têm nevos no couro cabeludo – isto pode fazer-se com a ajuda de um secador. Podem observar o dorso com um espelho; os genitais, onde também podem aparecer nevos, a planta dos pés, as zonas interdigitais e as zonas por baixo das unhas, porque são áreas escondidas e que é necessário ter em conta. Qualquer alteração num sinal não deve ser ignorada: o doente deve procurar o seu dermatologista para que as dúvidas possam ser retiradas e para que se possa fazer, no caso de ser necessário, um diagnóstico precoce de uma lesão que se está a transformar.

Quais são as alterações a que as pessoas devem estar atentas?
Há uma regra, que é a regra do “ABCDE”, que é uma menemónica para ajudar-nos a lembrar quais as alterações a procurar. O “A” significa assimetria – os sinais normais em princípio são simétricos, ou arredondados ou ovais, enquanto o melanoma é sempre assimétrico. O “B” significa “bordo” – o bordo de um nevo normal é regular, enquanto no melanoma o bordo é irregular, com reentrâncias ou saliências, o que também deve chamar a atenção do doente. O “C” significa cor. No nevo banal, a cor é homogénea, podendo ir do castanho claro ao castanho escuro, enquanto a cor do melanoma é heterogénea, podendo ir do vermelho ao negro, ao castanho, ao branco, ou mesmo ter todas estas tonalidades. O D” significa diâmetro – o nevo normal não ultrapassa, por norma, os 5 mm, enquanto o melanoma tem dimensões que, em regra, ultrapassam essa medida. Por fim, o “E” significa evolução – um nevo que surja de repente e que aumente rapidamente de dimensão e que tenha, ao mesmo tempo, as características anteriores, deverá levar o doente ao dermatologista para fazer o diagnóstico.

Caso o doente vá rapidamente ao dermatologista, as possibilidades de sucesso são grandes?
São muito maiores, porque quanto menor for a espessura do melanoma, melhor será o prognóstico e maiores serão as possibilidades de cura.


 


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