MARçO 2010
DR. MANUEL ASCENçãO: PAIS DEVEM ACTUAR CEDO NO COMBATE à OBESIDADE INFANTIL
A obesidade infantil é um problema que começa a ganhar cada vez mais relevo na nossa sociedade, estimando-se que cerca de um terço das crianças portuguesas têm excesso de peso. Em entrevista à Newsletter da Farmácia do Caniço, o pediatra Dr. Manuel Ascenção defende que os pais têm de agir assim que é identificado o problema, de forma a garantir melhor saúde e qualidade de vida para os seus filhos.

Como avalia a tendência de crescimento da obesidade em Portugal, em especial entre as crianças?
A situação actual é muito preocupante, sem dúvida. Uma percentagem grande da população jovem sofre de problemas de excesso de peso, o que, de resto, está  em linha também com o que se verifica com a população adulta. Este é um problema que é comum a todas as sociedades desenvolvidas ou que estão em vias de desenvolvimento, e Portugal não é  excepção. É um problema muito sério e que pode trazer consequências graves para a saúde das pessoas. Os problemas que decorrem da obesidade são muito graves, com relevo para as doenças cardiovasculares, a hipertensão ou a diabetes. Aliás, no caso da diabetes, existe uma prevalência significativa na Região Autónoma da Madeira: em grande parte das famílias há, pelo menos, uma pessoa diabética. Ou seja, existe uma predisposição genética, o que faz com que as pessoas tenham de estar mais atentas, porque o excesso de peso é um dos factores de risco da diabetes, que é uma doença que permanece com o doente toda a vida e que exige um cuidado constante, trazendo uma série de complicações em termos de saúde. 

Quais as principais causas da obesidade?
O sedentarismo e maus hábitos alimentares são, sem dúvida, um dos problemas da vida moderna, levando ao aumento da obesidade, com todos os aspectos nocivos que daí advêm. É sabido que a obesidade é a principal causadora dos problemas cardiovasculares, que hoje em dia estão a afectar grupos cada vez mais jovens da população. No passado, estes afectavam acima de tudo as pessoas mais idosas, mas a mudança dos hábitos de vida – sedentarismo, alimentação pouco saudável, falta de exercício – estão a fazer com que, cada vez mais cedo, as pessoas sejam afectadas por estes problemas. A melhor maneira de combater esta tendência passa por actuar cedo. Se vemos que um a criança tem tendência para ter excesso de peso, será muito mais fácil atacar o problema nesse momento, quando está a começar, do que mais tarde na vida.

Como dar resposta a este problema?
A resposta para o problema da obesidade infantil, tal como de resto no caso dos adultos, passa sobretudo pela adopção de bons hábitos alimentares. É mais fácil controlar a alimentação das crianças quando são bebés, porque nesse momento, a sua alimentação é diferente da dos pais. Os maiores problemas começam a surgir mais tarde, quando a criança começa a fazer as mesmas refeições que os adultos. E aqui está uma das razões pelas quais o problema da obesidade infantil é de difícil resolução: como é que os pais podem pedir aos filhos que percam peso, quando muitas vezes eles próprios têm peso a mais? Nem sempre os pais conseguem alterar facilmente o seu estilo de vida. Alterar a alimentação da criança passa, antes do mais, por alterar a alimentação dos pais: tem de ser feito um esforço conjunto por parte de toda a família. É sabido que a maioria dos adultos, por exemplo, não consome tantos vegetais, comem mais carbohidratos, gorduras, etc. Não quer dizer que estes alimentos não devam fazer parte de uma dieta equilibrada, mas o que é facto é que são consumidos em exagero por muitas famílias e isso deveria ser alterado.

Fazer uma alimentação saudável está ao alcance de todos os bolsos?
É um facto que os factores socioeconómicos têm impacto na alimentação. Quando as pessoas vivem com um orçamento limitado, muitas vezes deixam de comprar algumas classes de alimentos que são importantes e baseiam a sua alimentação no consumo de grandes quantidades de alimentos mais baratos. Ou seja, decidem em função do preço, em vez de ter em conta as características nutricionais dos alimentos. Mas também se podem verificar factores nocivos pela razão inversa: os pais com um nível socioeconómico mais alto têm a tendência para trabalhar até tarde e muitas vezes não têm horários certos. Assim, verifica-se que frequentemente chegam a casa tarde e sem vontade de cozinhar, optam pelas comidas rápidas e claro que os filhos acabam por ter também uma dieta menos equilibrada por causa disso.

Para além da alimentação, que outros factores há que ter em conta?
Quando é identificado o problema, ou seja, quando se verifica que a criança está com excesso de peso, temos de fazer primeiro um diagnóstico correcto, porque a obesidade pode ter várias causas para além da alimentação inadequada, apesar de esta ser a causa mais frequente. Para além desta, temos, por exemplo, os factores genéticos, factores hormonais, factores psicológicos, factores socioeconómicos, entre  outros. Só quando se verifica que não se trata de um desses casos é que referenciamos os pais ao nutricionista, para fazer um acompanhamento mais cuidado em termos da dieta, de modo a que toda a família se possa adaptar facilmente. As dietas devem ser equilibradas e não podem ser demasiado exigentes: de facto, verificamos que recomendar uma dieta muito restritiva pode ser contraproducente, levando a que as pessoas desistam com maior facilidade.
 
Os pais demonstram abertura para alterar o seu estilo de vida?
Um dos maiores problemas relativamente à obesidade infantil passa pela recusa de muitos pais em admitir que há, efectivamente, um problema. Infelizmente, ainda subsiste uma certa mentalidade de que quando uma criança está “gordinha” é um sinal de que esta é saudável. É claro que isto não é verdade – tal como já dissemos, a obesidade pode ter consequências muito graves mais tarde na vida. Quando os pediatras, começam a detectar os primeiros sinais de que a criança apresenta um problema de excesso de peso, alertamos de imediato os pais. Nota-se que começa a existir uma mudança de atitude por parte destes, mas ainda há um longo caminho a percorrer. 

As medidas tomadas pelas autoridades de saúde para lidar com este problema são suficientes?
É patente que está  a ser feito um esforço considerável por parte das autoridades, não só através dos serviços de saúde, com as consultas de pediatria e de nutrição que estão a ser disponibilizadas nos centros de saúde, por exemplo, mas também através das escolas. E aqui temos de considerar dois vectores: o da informação que é passada aos alunos e o das refeições que são servidas nas cantinas. Hoje em dia, as comidas pouco saudáveis já terão sido praticamente erradicadas dos menus escolares. Em termos da informação, vemos que as crianças conhecem os grupos alimentares são elas mesmas que depois por vezes levam essa informação para casa e partilham com os pais. Acredito, de resto, que esse é um dos factores que está a contribuir positivamente para uma mudança de mentalidade.

Como avalia a coordenação entre os diversos profissionais de saúde?
A coordenação entre os diversos profissionais de saúde é boa, pelo menos daquilo que eu tenho conhecimento e do que posso falar. Creio que no geral, há uma convergência entre os diversos profissionais de saúde para tratar deste problema – entre nutricionistas, pediatras, médicos de família, etc. Aliás, considero que os médicos de família desempenham um papel importantíssimo neste processo, porque muitas vezes são eles que estão na “linha da frente” e é a eles que lhes cabe fazer o primeiro diagnóstico da situação, uma vez que nem todos os centros de saúde dispõem de um pediatra, por exemplo.

Para além da alimentação saudável, que podem fazer os pais para combater os problemas de obesidade dos filhos?
Hoje em dia, não são apenas os pais que têm um estilo de vida mais sedentário – as crianças também são menos activas: passam mais tempo a ver televisão, navegar na Internet ou a jogar jogos electrónicos. Os pais podem incentivar as crianças a serem mais activas impondo maior disciplina, com horários para jogarem no computador ou verem televisão, com limites bem definidos. Por outro lado, tenho de sublinhar novamente que tem de ser feito um esforço por parte de toda a família: os pais devem fazer actividades com os seus filhos. Se em vez de ficarem em casa a ver televisão ou irem a um centro comercial, fizerem actividades como caminhadas, idas à praia, piqueniques, etc., não só estarão a beneficiar a saúde dos filhos, como também a sua própria saúde, e a ganhar mais qualidade de vida para toda a família. Muitos pais pensam, por exemplo, que as crianças já fazem actividade física suficiente porque praticam desporto na escola, o que não corresponde à verdade: na escola, as crianças têm apenas algumas horas semanais de educação física, o que não garante um nível adequado de actividade física.

 


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