DEZEMBRO 2009
MEDICAMENTOS E áLCOOL: UM COCKTAIL PERIGOSO
Dr. Élvio Sousa – Farmacêutico*

Nas épocas festivas, existe um aumento do consumo de bebidas alcoólicas. Na quadra natalícia, são muitos os convívios com a família e amigos, sendo o álcool um convidado assíduo dos festejos (não esqueçamos os tradicionais licores caseiros e a afamada poncha). No entanto, se está a fazer algum tipo de medicação, deverá informar-se sobre os riscos de consumir quaisquer quantidades de álcool, uma vez que pode vir a sofrer consequências sérias e desagradáveis.

Segundo um estudo realizado em 2003, Portugal era o 8º país da União Europeia com maior consumo de álcool puro, ficando em 4º lugar no consumo de vinho. Estima-se que nesse ano, cada português tenha consumido em média cerca de 42 litros de vinho, 58,7 litros de cerveja e 1,4 litros de álcool puro em bebidas destiladas.

Estas quantidades são evidentemente excessivas, pois existe um menor risco de mortalidade naqueles que consomem cerca de 2 a 3 litros por ano. O risco de mortalidade é acrescido se a pessoa estiver a fazer medicação.

Pelos mesmos caminhos

Os medicamentos e o álcool sofrem processos muito semelhantes no nosso organismo, percorrendo caminhos paralelos que quando se cruzam podem criar efeitos que são riscos para a saúde:

- Os medicamentos viajam pelo sangue até ao local onde vão actuar, produzindo o efeito terapêutico desejado num dado órgão ou tecido, até ser eliminado do organismo;
- O álcool é igualmente transportado pelo sangue, é transformado pelas enzimas do nosso organismo, actua sobre o sistema nervoso central e é eliminado, principalmente através do fígado.

É praticamente impossível prever o que acontece a uma pessoa que faz medicação e ingere bebidas alcoólicas, uma vez que depende da forma como o álcool é consumido. Seguem-se os factores que deverão ser tidos em consideração:

- Natureza variável do consumo: tanto o beber ocasional (abuso agudo) como o consumo diário de álcool (abuso crónico) interagem com os medicamentos;
- Diferenças inter e intra-individuais relativas à absorção do álcool: a altura, o peso, o nível de água no corpo, a quantidade de alimentos ingerida;
- Idade, sexo e factores genéticos: podem influenciar o risco de ocorrência de reacções adversas.

Grupos de maior risco

- Idosos: são mais vulneráveis devido à polimedicação (vários medicamentos), múltiplas patologias, reduzida resposta homeostática (dificuldades em repor o equilíbrio do organismo), redução da função renal e/ou da função hepática (rins e fígado), e alteração da resposta aos medicamentos;
- Mulheres: possuem um risco acrescido devido a um metabolismo mais reduzido, baixo teor de água corporal total e maior percentagem de gordura corporal comparativamente ao homem;
- Asiáticos: o risco acrescido deve-se à reduzida actividade de determinadas enzimas (aldeído desidrogenase e isoenzimas) implicadas no metabolismo de fármacos, como é o caso dos anti-depressivos e os anti-psicóticos.

Tipos de interacções entre álcool e fármacos

- As interacções farmacocinéticas (a forma como o medicamento actua no organismo);
- As interacções farmacodinâmicas (a forma como o organismo actua sobre os medicamentos).

Em ambos os tipos de interacção, pode ocorrer um aumento do efeito do álcool, uma redução ou aumento da eficácia dos fármacos, ou um aumento dos seus efeitos secundários.

Riscos acrescidos

Tanto os medicamentos sujeitos a receita médica, como os de venda livre, sofrem interacções com o consumo de álcool. No entanto o risco é mais acrescido nos seguintes casos:

- Analgésicos: a interacção do álcool com analgésicos (como a aspirina e o paracetamol) pode causar perturbações gastrointestinais, úlceras e hemorragias;
- Antibióticos: alguns excipientes dos antibióticos combinados com o álcool podem causar náuseas, vómitos, dores de cabeça e até convulsões;
- Anti-coagulantes: estas substâncias combinadas com o álcool podem aumentar o risco de hemorragia;
- Anti-depressivos: o efeito de sonolência destes medicamentos é intensificado pelo álcool, prejudicando as capacidades mentais necessárias para certas actividades (como a condução) e podendo aumentar descontroladamente a pressão sanguínea;
- Anti-epilépticos: o álcool reduz significativamente a protecção contra os ataques epilépticos;
- Anti-histamínicos: estes fármacos receitados para tratar sintomas alérgicos, quando combinados com o álcool podem intensificar o efeito de sonolência e causar vertigens;
- Anti-psicóticos: estes medicamentos quando combinados com o álcool podem intensificar o efeito sedativo, prejudicando as capacidades de coordenação e respiratórias;
- Medicamentos cardiovasculares: o consumo de álcool pode provocar vertigens ou desfalecimento, bem como redução do efeito terapêutico destes medicamentos;
- Morfina: este tipo de fármaco utilizado para aliviar a dor não deverá ser combinado com o álcool; 
- Sedativos: na presença de álcool os sedativos podem causar sonolência aguda, por isso estes medicamentos nunca deverão ser combinados com álcool.

Não ponha o álcool e os medicamentos ao volante

Se conduzir sob o efeito de álcool é perigoso, o risco acresce perante a mistura de álcool com medicamentos. O álcool e os medicamentos possuem uma interferência negativa, diminuindo a percepção, a concentração e a capacidade de reacção, que são imprescindíveis durante a condução.


Informe-se junto do seu farmacêutico e do seu médico

O consumo de bebidas alcoólicas pode interferir no efeito terapêutico dos medicamentos e, consequentemente, originar um problema de saúde ou um acidente. Para além de perguntar ao seu médico qual o risco associado aos medicamentos prescritos, poderá informar-se na sua farmácia sobre os riscos de uma interacção ‘medicamento – álcool’. O farmacêutico conhece os efeitos secundários dos seus medicamentos e os riscos do consumo de álcool no seu tratamento.

Uma vez que o exterior das embalagens dos medicamentos não possui informações sobre os riscos da interacção com o álcool, leia com atenção o folheto informativo existente no interior das embalagens.

Se está a tomar medicação, informe-se, ou para sua segurança, opte por dizer “não” às bebidas alcoólicas.

Bibliografia

Associação Nacional de Farmácias (2007). Medicamentos e álcool: relação perigosa. ‘Informação Saúde’ da Associação Nacional de Farmácias.
Centro Regional de Alcoologia do Sul em http://www.cras.min-saude.pt/
Centro Regional de Alcoologia do Centro em http://www.crac.min-saude.pt/
Portal www.bebacomcabeça.pt
Viveiro, J. (2006). Interacções do álcool com medicamentos – I. ‘Centro de Informação do Medicamento’ da Ordem dos Farmacêuticos. 71: 73 – 74.
Viveiro, J. (2006). Interacções do álcool com medicamentos – II. ‘Centro de Informação do Medicamento’ da Ordem dos Farmacêuticos. 72: 73 – 74.

*Colaborador da Farmácia do Caniço desde 2009

 


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