MAIO 2016
3º MILÉNIO: REVOLUçãO SILENCIOSA COM A JUVENTUDE
Dra. Helena Gonçalves Jardim
Professora Coordenadora da Escola Superior de Saúde da Universidade da Madeira.
Investigadora FCT da UICISA:E – Coimbra 
Enfermeira doutorada em desenvolvimento e intervenção psicológica e em ciências de enfermagem 
hjardim@uma.pt

As modificações do ambiente material, cultural, social, ideológico e familiar, confrontam os jovens com situações inesperadas, muitas vezes geradoras de ansiedade. Constrangem, obrigando-os portanto, a reagir, e daí a eclosão de novos comportamentos.
O homem através de uma série de crises progride no decurso da evolução biológica e social, das quais o nascimento é a primeira e a mais espetacular. 
A crise da adolescência não é menos clássica: durante alguns anos é extremo o desequilíbrio entre o Eu que se “afirma, opondo-se”, e o meio familiar; a sede de independência entra em conflito com a necessidade de segurança que o laço parental ainda mantém. Ora, o jovem contemporâneo está em crise.

A crise agride, desequilibra, fragiliza, contudo, também desencadeia mecanismos compensadores, reações novas, imprevistas, por vezes salutares. Ação e reação! A crise é, pois, fator de evolução e ocasião para novo avanço e, se as crises podem ser ocasião para um novo salto em frente, nem todos encontram, necessariamente, os recursos suficientes para as vencerem, ultrapassando-se a si próprios. Logo, a crise afeta prioritariamente os jovens, para os quais o futuro é mais interrogações do que promessas. 
A situação de crise, em que nos sentimos envolvidos por muito tempo, tem o mérito de requerer uma tomada de consciência generalizada, condição sine qua non da aplicação de processos adaptativos e reguladores.
Nenhuma sociedade foi tão “liberal“ como a atual e a sua existência quotidiana vive um clima de guerra endémica, psíquica e nervosamente esgotante. 
Uma luta endémica alimentada pelo terrorismo, bombardeamento da publicidade, da “crueldade” laboral e social, bem como dos conceitos pré-concebidos que condicionam o desenvolvimento do jovem, o qual ainda se confronta com a problemática da identidade do EU e da sua afirmação autonómica. No entanto, é esta mesma sociedade que os jovens de hoje qualificam de “repressiva”, impulsionados pelo seu ardor, o qual é próprio da sua juventude, sentem-se desarmados e privados de todo o poder de agir. Daí o refúgio não só na contestação verbal, indumentária ou ideológica, mas também exteriorizando fenómenos decorrentes da ansiedade e depressão, nomeadamente: delinquência, exclusão social, toxicodependência, insucesso escolar, comportamentos desviantes e outros.
Para os jovens viver deveria ser agradável, porém hoje em dia isso é-lhes dificultado. Cada vez mais lutam pela sobrevivência na tentativa diária de integrar-se no “real”. Adicionemos a isto o sofrimento da solidão cada vez maior na nossa cultura. 

A violência quotidiana desumaniza e impossibilita a administração da vida voltada para o altruísmo. O direito à preservação da vida impõe a consciência de cada jovem para viver melhor, embora diminua a importância que atribui ao conhecimento e empenhamento acerca das ideologias que compõem o mundo atual. Esta alienação impede-o de ir mais além para descobrir quem anda decidindo por ele e quais violências lhes preparam. Daí o incremento nesta etapa do ciclo vital de problemas, sendo os mais referidos, a ansiedade, depressão, exclusão e outros fenómenos do foro psicológico e social.
As relações de trabalho mudaram, o tecnológico alterou a sociologia das comunidades trabalhadoras, o desemprego tornou-se permanente trazendo consigo um aumento de jovens altamente qualificados desocupados, deprimidos e ansiosos, bem como o incremento da criminalidade, e marginalidade. Por outro lado, o subemprego conduz à desintegração familiar e, consequentemente, este ciclo de dependência social tende a perpetuar-se.
Estamos perante uma revolução silenciosa sendo os jovens, que estão no limiar da vida estudantil para a vida ativa profissional, os mais desprevenidos e desorientados, enfrentando dúvidas e incertezas na sua realização pessoal, social e profissional. 
O grande desafio será saber se o desenvolvimento tecnológico proporcionará benefícios, preservando o bem-estar, a privacidade e os valores humanistas. Uma coisa é certa, em nosso entender, um novo homem nasce, precisamos conhecê-lo ou pelo menos entendê-lo.

A pós-modernidade mudou as funções dos indivíduos que compõem a família, intensificando a individualização em detrimento da coletividade.
Nas separações, ao desmembrarem-se as famílias, um ou outro, ao constituir novas relações, leva consigo os filhos, obrigando-os à convivência com estranhos ao seu grupo familiar original, por não terem opção enquanto dependentes legal, económica e psicossocialmente, os filhos ficam sem modelos e culpabilizam frequentemente os pais, acusando-os de mentirosos e incapazes de cumprir com o que eles mesmos ensinaram. Algumas desordens da nova organização familiar são consequência de lutas não elaboradas, por parte dos jovens, em relação aos acontecimentos que culminaram com a separação. Desta forma podem ser observados: ciúmes, humilhações, indiferenças, ansiedades, depressões e, até mesmo, agressões físicas/verbais e/ou ideações suicidas à nova eleição do pai ou da mãe. Existem desacertos sem conserto, e desencontros sem retorno, é frente a estas situações que a sinceridade dos pais pode dar elementos aos demais membros da família, no sentido de avançar em busca de elaboração nas separações e de novas formas de satisfação familiar.
A solidão nos jovens pode ser optada ou inesperada. Esta última impõe-se como um estar sozinho, acabando por ser uma vivência de não ter com quem contar. É olhar em redor e ver tanta gente que não lhes diz nada ou nada lhes importa. É como um abandono sem vontade de ser abandonado ou uma injusta desvalorização a quem tem valor.
Numa outra perspetiva, verificamos que quando é posta em perigo a estabilidade das classes favorecidas, o Estado passa a agir. Na verdade a classe favorecida e o Estado só se ocupa com o problema dos excluídos quando estes ameaçam o “equilíbrio patológico” das diferenças de classes sociais e suas consequências, mais ou menos contestatárias.

Hoje, a violência contra os menores e as prepotências de que são vítimas não causam mais espanto à sociedade, que os olha como marginais em potencial e meninos de rua, os quais adquiriram valores meramente estatísticos. Esta montagem do quotidiano impõe um convívio com a violência instituída, para a qual ainda não se encontram suficientemente formados.
Por conseguinte, é necessário que surja uma reforma radical e rápida nos sistemas psicopedagógicos e sociais articulados, visando favorecer o aproveitamento dos recursos naturais da comunidade, dando ao problema o lugar de destaque que merece, com soluções globais através duma mobilização de todos os componentes da sociedade. Caso contrário, defrontar-nos-emos com uma verdadeira guerra civil, resposta que as massas dão a uma sociedade com tanta injustiça, tanta perversão e tanto descuido para com os seres humanos.
A noção de público é difícil de transmitir-se à classe dominante, refém do conceito egoísta de que “o meu é somente meu e o público não pertence a ninguém”. A ideia de que a comunidade é nossa mas não nos pertence está no âmago de cada cidadão ocidental e narcisista. Um reflexo disto verifica-se nos jovens que expressam comportamentos desviantes quando ofuscados de seus valores transitórios mas fundamentais para a sua sanidade mental e partem para o ganho fácil, despertado pelo consumismo e pela propaganda.
O trabalho dos técnicos de saúde, como agentes de saúde mental, é de primordial relevância na preservação do equilíbrio social que se deve manter, apesar dos descuidos e da pouca importância com que os políticos lidam perante estes problemas de marginalidade e comportamentos desviantes. Observamos que estes responsáveis seguem com suas retóricas, enquanto a sociedade se desorganiza. Os discursos são na sua totalidade democráticos, prepotentes e liberais, porquanto a ação é cada vez mais repressiva ignorando os verdadeiros problemas dos cidadãos. Os adolescentes que manifestam comportamentos antissociais possuem de uma forma empolada a angústia de castração, a qual se manifesta de três modos: medo de perder o amor das pessoas queridas; medo da mutilação e, finalmente, medo das críticas que lhes são impostas pela “voz da consciência”. As duas primeiras são óbvias pela exposição ao perigo e, a terceira refere-se ao sentimento de culpa destes jovens, enquadrados como causa social e não como efeito da violência. Por desdobramento, a autoestima fica profundamente prejudicada, pois ela é praticamente inexistente no sujeito social depreciado, acusado, violentado.

A humanidade atravessa uma mudança sem precedentes na sua história. O enorme avanço tecnológico alcançado em poucos anos não se acompanhou duma evolução ética, social e psicológica. Criou-se um abismo entre a capacidade inventiva e o aproveitamento generalizado destas novas máquinas.
 


 


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