Dr. Nelson Teixeira Psicólogo nelson.teixeira@madeira-edu.pt É domingo de manhã, 9 horas no Campo do Liceu. Duas equipas de jovens com não mas de 14 ou 15 anos de idade para além dos três árbitros. No banco, treinadores, dirigentes e outros jovens com “fome de bola” a aguardar a sua vez. Nas bancadas, alguns adeptos, não muitos, sobretudo pais, avós, irmãos e primos. Junto da linha lateral vislumbra-se dois agentes da PSP destacados para este jogo. Este é um cenário recorrente dos domingos. Tudo perfeitamente “normal” e saudável, diria, não fosse a presença obrigatória dos dois agentes da PSP sem a qual o árbitro não inicia o jogo. Os dois agentes da PSP não são voluntários. Implicam custos para os clubes e para o orçamento de Estado. Porque lá estão? A sua presença implica garantir a segurança dos intervenientes no jogo. Um jogo de futebol entre crianças, num domingo de manhã. Garantir a segurança face aos pais, os avós, os irmãos e os primos dos jogadores. Se alguém decidiu que um jogo de futebol entre crianças tem de ser policiado é porque algo de grave já aconteceu. Melhor, algo de grave continua a acontecer. A intervenção dos adultos, os promotores da prática desportiva dos mais jovens, ultrapassa os limites do razoável. Inicia-se o jogo, desenrolam-se as primeiras jogadas, o árbitro assinala a primeira falta e … começa o espectáculo nas bancadas! É ver “adultos crescidos” com uma diarreia verbal a caracterizar a equipa de arbitragem, as mães destes, os treinadores adversários, os adversários (estes têm 13, 14 e 15 anos de idade). Por vezes, até atingem os colegas dos seus filhos, netos ou irmãos. É tudo normal. É futebol. Não! Futebol, desporto e formação desportiva não é isto. Ganhar é bom, ganhar é importante mas ganhar nestas idades nunca foi nem nunca será tudo. Ganhar é uma parte, uma pequenina parte. As crianças não são pequeninos adultos nem os seus campeonatos são miniaturas da I Liga. O seu bem-estar não depende do resultado final do jogo, nem esse resultado vai pagar as contas no fim do mês. A iniciação e a manutenção da prática desportiva de crianças tem diversos factores motivacionais, entre eles, a diversão, o estar com amigos, o viajar (nem que seja para o outro lado da ilha) e a melhoria/aprendizagem técnica. Em nenhum estudo verifiquei que “ganhar” fosse o primeiro motivador. Agora, a ênfase dada ao ganhar por parte dos adultos, por parte dos pais, é um dos principais factores que leva ao abandono da prática desportiva dos jovens. Assistir aos pais a discutir entre si, a serem interceptados pelos agentes da PSP, entre outras coisas, retira toda a diversão do jogo. A crítica constante pelo resultado menos positivo, pela inaptidão técnica e pela comparação do “como era no meu tempo”, aos poucos empurra a criança para as outras solicitações que possui. Desiste do futebol e fica com o computador. A responsabilidade é dos adultos e o seu comportamento tem de ser exemplar para com os jovens. Não só levam os seus filhos ao abandono mas pior do que isso levam ao abandono os filhos dos outros. |