JULHO 2015
O ESTADO MALTRATA OS AVóS
Dr. António Jorge Pinto
Jornalista e Mestre em Educação Sénior
pinto.ajpinto@gmail.com

Cresci numa época em que chamavam de “velho” a uma pessoa com 50 anos de idade. Mas foi nesse tempo que vivenciei o respeito que havia pela pessoa idosa, pela sua sabedoria, experiência, saberes, conhecimentos e tranquilidade para enfrentar as agruras da vida. Não foram precisos muitos anos para que as gerações mais novas falassem com preconceito dos mais velhos: “Burro velho não aprende línguas”, “chatos”, “rezingões” ou “desmancha-prazeres”. O desenvolvimento da andragogia veio provar como todos esses dogmas não passavam de representações sociais para apoucar as pessoas idosas.
A deferência pelos mais velhos perdeu imenso valor e isso é uma evidência. As sociedades passaram a olhar as pessoas mais velhas como um fardo. Os próprios governos reconhecem que os idosos podem decidir um governo, mas não os considera um pilar de estabilidade social, pessoas que, apesar de já não integrarem as estatísticas dos ativos, são elas próprias um valor familiar, moral e social, até económico porque contribuem para a economia do lar. 
Podemos estabelecer o pós-25 de abril como o período em que se deu uma transformação na forma de olhar a pessoa idosa. A mulher deixou de ser dona de casa, em regime de exclusividade, para conquistar o seu lugar no mercado de trabalho. Ganhou a mulher liberdade, sem dúvida alguma, mas perderam os idosos porque passaram a viver praticamente sós – ainda que, muitas vezes, a casa onde habitam esteja cheia de filhos, netos e noras. 
Esta é uma das mais profundas alterações que se deu na sociedade madeirense, nos últimos anos, com reflexos muito presentes nos dias de hoje no quotidiano da generalidade dos lares da Madeira. Ou seja, muitos idosos a viverem sós, apesar de rodeados de familiares.
Esta mutação de conceito de família, a pressão constante que está colocada na sociedade madeirense por força da crise económica e financeira que assolou a Madeira e o País e a profunda crise social e de valores, acabam por ter um impacto muito mais penalizador nas pessoas idosas – porque mais frágeis.
A longevidade de que hoje todos podemos beneficiar só tem sentido se for para vivermos mais anos, mas com melhor qualidade de vida. Já foi assim, mas os sinais que chegam são preocupantes – que, em muitos casos, só não são piores porque temos médicos, enfermeiros e até farmacêuticos a facilitarem como podem as carências de muitos idosos, quando falta o dinheiro para as consultas e os remédios. 
Existem hoje estratégias que ajudam a envelhecer de forma saudável. A Madeira tem uma Universidade que preparou – e bem – jovens com competência académica e científica para desenvolver esse trabalho. Mas de pouco servem esses conhecimentos se cortam reformas e pensões e deixam os idosos sem dinheiro para a sua própria sobrevivência e a de muitos dos seus que caem no desemprego. 
Vejo com mágoa que as crianças não conseguem ter o privilégio que eu tive de desfrutarem da companhia dos seus avós porque hoje se exige que até os avós trabalhem até o corpo cair decrépito. O bom que fazia às crianças poderem ouvi-los desbobinar histórias da sua meninice, vangloriarem-se dos seus feitos, mostrarem que a vida é uma aprendizagem que acumula saberes, conhecimento, experiência, tranquilidade e acima de tudo muito amor. 
A crise tem sido inimiga dos mais velhos. Um Estado que corta sistematicamente nas pensões e nas reformas, é um Estado que está a mandar borda fora todo o trabalho de mérito que se desenvolveu nos últimos anos para que a velhice seja uma bênção e não um fardo. 


 


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