MAIO 2013
DOENçAS CARDIOVASCULARES: PREVENIR NãO CUSTA NADA
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no nosso país. No entanto, a maioria dos principais factores de risco são evitáveis ou controláveis, explica em entrevista a Dra. Eva Pereira, Médica Cardiologista, alertando para a necessidade de as pessoas se informarem e procurarem adoptar hábitos de vida mais saudáveis.

Como avalia a evolução da incidência das doenças cardiovasculares?
As doenças cardiovasculares são, desde há cerca de 25 anos, a principal causa de morte em todo o mundo. A sociedade é cada vez mais evoluída, com a pressão laboral a ser muito intensa e perdemos alguma qualidade de vida no que diz respeito à parte alimentar. Por exemplo, muitas vezes temos horários matinais e nocturnos em que as nossas refeições já não são o que eram e fomos inundados pela chamada fast food, com a nossa civilização a ter uma componente urbana muito marcada. As pessoas têm vindo a ficar mais sedentárias e comem pior, com as suas comidas a estarem cheias de gordura saturada e de sal. Infelizmente, quanto mais evoluída é a sociedade, maior é a tendência para isto acontecer, de tal maneira que actualmente, os países mais evoluídos, como os países nórdicos, estão já a fazer uma certa inversão nesta tendência, porque há um conhecimento melhor e as pessoas já arranjam maneira de ter tempo reservado para a actividade física e fazem uma alimentação mais saudável. Mas países que ainda estão em vias de desenvolvimento, como a China, a Índia ou outros países asiáticos, estão a começar a ser atingidos por este flagelo das doenças cardiovasculares, coisa que nunca foi uma realidade. Assim que começaram a adquirir outros hábitos de trabalho e outros hábitos alimentares, a incidência de doenças cardiovasculares começou a crescer. É de sublinhar ainda, que há países em que a doença cardiovascular cardíaca é mais incidente, como os países nórdicos, uma vez que usam mais gorduras saturadas na alimentação, ao passo que os países da baía do Mediterrâneo usam mais o sal, daí que sejam mais propensos aos acidentes vasculares cerebrais, devido à hipertensão. Segundo os investigadores, nos países do Sul da Europa, também deve ser levado em conta o factor de contaminação com os genes árabes, que foi propiciado pelas invasões dos árabes, e a genética é um factor importante, particularmente nos portugueses.

A crise tem vindo a levar a alguma alteração dos hábitos alimentares?
Num estudo levado a cabo recentemente, verificou-se que a população em geral está a ir ao supermercado para comprar mais carne e peixe. Infelizmente, as verduras têm entrado menos na alimentação, porque as pessoas consideram-nas dispendiosas. Mas, em contrapartida, não têm gasto tanto nos alimentos pré-cozinhados ou pré-confeccionados e congelados, que têm por norma mais sal e gordura, apostando ao invés na compra de carne, peixe e hidratos de carbono, para confeccionar as suas próprias refeições. Obviamente que esta crise não é desejável, mas pode vir a ter um efeito secundário de fazer-nos regressar a um passado cardiovascular melhor. No entanto, o mesmo estudo viu que as pessoas com menos capacidade económica estão a comer pior, porque têm tendência a procurar alimentos pré-cozinhados, que são baratos e dão uma sensação de plenitude e de apetite satisfeito mais depressa. Portanto, há aqui dois lados da mesma moeda e ainda temos de ver como as coisas vão evoluir.

Esta pode ser uma oportunidade para “reeducar” as pessoas?
É o que estamos a tentar fazer, tanto na consulta externa do hospital como noutros contextos: insistir neste tipo de alimentação, tentar fazer com que as pessoas sejam mais exigentes relativamente ao que consomem e tenham comportamentos mais saudáveis. Esta é, talvez, uma oportunidade para reeducar, ensinar as pessoas a voltar a comer melhor, e porque não, voltar a andar a pé? Assim, gastam menos dinheiro em gasolina ou nos transportes públicos, ao mesmo tempo que podem contribuir para melhorar a sua saúde.

Quais são os principais factores de risco para as doenças cardiovasculares?
Os principais factores de risco são: o tabagismo, que é perfeitamente evitável; a hipertensão arterial, que é um factor de risco que pode ser modificável e controlável; o sedentarismo, que também é um factor de risco evitável, ou pelo menos que está nas nossas mãos poder contrariar; o excesso de peso; a dislipidémia, ou seja, o colesterol em excesso, que também podemos controlar, fazendo escolhas saudáveis em termos de alimentação, sabendo ler os rótulos das comidas e procurando evitar aquelas que têm sal ou gorduras saturadas em excesso, que são os grandes elementos para uma alimentação menos saudável. Depois, temos a diabetes, mas a esta doença é, já em si, uma consequência disto tudo. Quando a diabetes aparece, é um sinal de que estes factores de risco já levaram ao envelhecimento e à degenerescência do metabolismo dos açúcares, com origem no pâncreas. Nas pessoas diabéticas, o risco cardiovascular é cerca de 10 a 20 vezes superior ao das pessoas que não têm a doença. Por isso, devem controlar ao máximo a sua doença, nomeadamente, os níveis de glicémia, a sua hipertensão, a sua dislipidémia e o sedentarismo, porque a diabetes, por si só, já é um grande factor de risco. 

Qual a importância da prevenção no âmbito das doenças cardiovasculares?
Não só é muito importante a prevenção, como é de sublinhar que é mais barato prevenir do que tratar. Têm-se feito muitas campanhas de prevenção por parte das autoridades de saúde, visando levar as pessoas a alterar comportamentos de risco. Em termos práticos, ainda não temos dados estatísticos que nos permitam falar do número de eventos evitados, mas de qualquer maneira, notamos que a população está mais sensibilizada para ter comportamentos mais saudáveis, não só ao nível daquilo que come, mas também tentando contrariar o sedentarismo, nomeadamente fazendo caminhadas. Relativamente ao tabagismo, o facto de a legislação ter obrigado as pessoas a não fumarem nos recintos fechados, foi uma mais-valia importante. Nas dependências graves, como é o caso do tabagismo, do álcool ou de outras drogas, as autoridades têm de ser muito contundentes fazendo leis obrigatórias, pois apenas através da educação, é muito difícil mudarmos comportamentos. 

Isso também se poderia aplicar em relação aos níveis de sal e gordura permitidos nas comidas?
Fala-se, há imenso tempo, da possibilidade de, através da legislação, “obrigar” a indústria da alimentação a tomar alguns cuidados. Penso que a própria indústria se está a tentar ajustar, mas não com a velocidade que pretendemos. Nota-se também que as pessoas estão mais conscientes face a esta problemática e, devido a isso, estão mais exigentes. Por isso, é que a indústria está a fazer este esforço de ajustamento, por exemplo, com as rotulagens a indicarem de maneira muito mais clara o teor de sal e de gordura dos alimentos, embora ainda exista muito a fazer a este nível. Por exemplo, podia-se legislar no sentido de fazer com que o teor de sal nos alimentos tivesse de ser menor. Tentou-se fazer isso em relação ao pão, aqui em Portugal, mas depois não se conseguiu avançar. Mas o certo é que a França insistiu e conseguiu que se baixasse em 20% o teor do sal no pão e já começam a aparecer estudos que apontam no sentido de a hipertensão já não ser tão prevalente como era naquele país. Se bem que, a França tem outros factores que talvez ajudem a isto, como o consumo do vinho tinto, que apesar do conteúdo de álcool, é benéfico quando feito em quantidades moderadas (devido às propriedades específicas das uvas, não devido ao álcool).

Relativamente à hipertensão, muitas pessoas não sabem que têm a doença?
Há tempos, foi feito um estudo que demonstrou que 50% da população portuguesa desconhecia que era hipertensa. Desses, metade não fazia tratamento, e entre aqueles que faziam tratamento, apenas 11% estavam controlados. Como é uma doença que não dói, as pessoas têm tendência a descurar o tratamento, não levando esta doença a sério, apesar de poder ser mortífera e altamente incapacitante. Basta ver os acidentes vasculares cerebrais, que, quando não são fatais, podem gerar tantas incapacidades. Na nossa prática profissional, notamos que precisamos de ter muito tempo com o doente para educá-lo e motivá-lo para a aderência terapêutica. Infelizmente, o tempo de que dispomos é cada vez mais reduzido, pois temos de dar cada vez mais consultas, em cada vez menos tempo. Mas este vector de actuação é muito importante, porque o objectivo da prevenção passa por ensinar para mudar comportamentos. Por exemplo, é preciso explicar muito bem ao paciente qual a medicação que vai tomar, para que serve e quais são os benefícios da toma.

Passar a informação fora do ambiente do consultório médico pode contribuir para que os pacientes se sintam mais à vontade?
É verdade que, por vezes, os doentes não se sentem completamente à vontade perante o seu médico, e pode haver até a tendência para mascarar algumas coisas. Talvez ao passar a informação de uma maneira mais “informal”, seja por vezes mais fácil chegar às pessoas, pois elas sentem-se mais à vontade. E temos de aproveitar as oportunidades para fazer isto com “unhas e dentes”, pois acredito que, se nós ensinarmos, as pessoas aprendem. Por exemplo, é importante explicar às pessoas que, nos rótulos dos alimentos, sódio quer dizer sal; que o pão de forma está cheio de gorduras saturadas e de açúcares, por isso não é bom consumi-lo de forma recorrente; que as tostas pré-cozinhadas estão cheias de gordura e de hidratos de carbono e de amido, para se manterem, pelo que não há razões para se apostar neste tipo de alimentos. Tenho muitas vezes a noção de que as pessoas pensam que estão a tomar atitudes saudáveis e a fazer boas escolhas em termos alimentares, mas quando olhamos para a sua dieta mais atentamente, verificamos que isto não é verdade. É preciso desmistificar alguns conceitos, como por exemplo, o de que tudo o que é integral é saudável, e ensinar as pessoas a ler os rótulos. Muitas pessoas que comem um folhado ou um croissant ao pequeno-almoço, não sabem que estes alimentos estão cheios de gorduras saturadas. Enfim, vivemos num mundo em que a indústria da alimentação procurou facilitar a vida às pessoas, mas muitas vezes de uma maneira pouco saudável. 

Que conselhos deixa aos leitores para cuidarem melhor do seu coração?
Primeiramente, pedia às pessoas para não fumarem. Sempre que possível, mexam-se, contrariem a vontade de ficar no sofá. Se não conseguirem fazer isso ao final da tarde, tentem encontrar um tempo durante o dia para se mexerem. Por exemplo, podem dar uma volta ao quarteirão na hora de almoço, ou de manhã, porque não deixar o carro ou sair do transporte público mais longe do trabalho, de forma a poder caminhar alguns minutos? Ao comer e ao fazer as refeições, tentem reduzir a quantidade de sal. Se puderem, façam uma sopa que dê para três ou quatro dias, porque quanto mais “velha” é a sopa, mais saudável fica, devido às enzimas das verduras. Quando forem ao supermercado, estejam atentos aos rótulos, procurando ver qual o teor de sal (ou sódio) dos alimentos, bem como o teor de lípidos e de açúcar. Façam também por escolher verduras e fruta, pois verão que não são tão caras como por vezes se pensa. Sempre que possível, usem alimentos naturais, evitando os alimentos já feitos ou enlatados, porque todos esses, para se conservarem, precisam de qualquer coisa que, a longo prazo, não é saudável.

 


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