ABRIL 2013
A LUT(O)A CONTINUA!
Dra. Cheila Martins – Psicóloga
cheilamartins@hotmail.com

“O luto significa a realidade de um amor que não morreu dentro de nós.” (Geraldo, P.) 

Se analisarmos com atenção a ideia contida nesta frase, quase encontramos a definição de luto. O luto não é mais do que um processo adaptativo perante uma nova realidade que não inclui alguém (ou alguma coisa), pela qual se nutria um sentimento positivo. Olhando assim, de fora, parece que reduzimos um estado interno de não conformidade a uma coisa tão pequenina e redutora onde se armazenam dores dilacerantes, sentimentos de “nunca mais”.

Talvez seja mais fácil se transpusermos isto para um exercício rápido; aceita? Se lhe pedisse para enumerar sinais de quem sofreu uma perda significativa, o que me diria? Dor, tristeza, apatia, revolta, insónia, mal-estar, agressividade… é nisto que está a pensar? Correto, estamos a falar a mesma língua!

Não são raras as vezes em que me pedem ajuda (familiares, amigos, colegas, conhecidos e desconhecidos, pacientes…) por estarem a passar por um período difícil, acompanhado por um sentimento atroz, porque perderam algo (trabalho, imagem corporal, um familiar, um relacionamento) e consideram negativo desenvolver este tipo de sentimentos… pois, parece que não! Não é expectável nem saudável que, após uma perda, se aja com a leviandade de quem não passa pela vida, com a ligeireza da impermeabilidade aos acontecimentos do exterior. O luto pressupõe expressão, exteriorização da dor (as lágrimas têm de ser choradas, os gritos têm de ser dados). Retardar ou “adormecer” o luto não é uma alternativa viável para seguir-em-frente, que muitas vezes passa por não-ir-para-lado-nenhum.

De acordo com Elisabeth Kubler-Ross, são cinco as fases que caracterizam o processo de luto. Inicialmente, o sentimento com que a pessoa se depara é a negação (habitualmente nos primeiros momentos após a perda) e, como o próprio nome sugere, o sentimento é de que não pode ter acontecido, não ter sido real, não ser capaz de acreditar. Nesta fase, o sujeito sofre a perda e sente-se impelido a negar a mesma, surgindo expressões como “Isto não me está a acontecer!”. 

Passada esta primeira reação, segue-se a fase da raiva, caracterizada por períodos de emoções fortes, muitas vezes associados a algum tipo de agitação, acompanhada por sentimentos de injustiça. Nesta fase, é comum a procura de incongruências, falhas de lógica e a tendência para racionalizar os acontecimentos; desencadeiam-se questões como “Era tão nova, não merecia morrer agora!”. 

A terceira fase foi apelidada de “barganha” e corresponde a uma procura através da fé, de uma negociação desesperada, muitas vezes associada a promessas e sacrifícios com uma entidade superior, utilizando premissas como: “Se o meu namorado voltar para mim, eu prometo que vou ser uma pessoa diferente.” 

A quarta fase corresponde à depressão, quando o indivíduo toma consciência de que a perda é inevitável e incontornável. Há a forte tendência para discriminar os maus momentos, sobrevalorizando os momentos felizes, dando um caráter mais trágico ao sucedido. Sendo muitas vezes esta a fase mais prolongada, é também a fase que se faz acompanhar de mais sintomas somáticos, como a apatia, falta de apetite, insónias, entre outros. 

A última fase do luto é a aceitação que, ainda que não corresponda a uma fase feliz, é caracterizada pela adaptação da vida perante a nova realidade. É suposto que o indivíduo compreenda que a mudança ocorreu de forma alheia à sua vontade e inicie o reajuste interno decorrente da ausência do outro na sua vida.

Apesar do luto parecer ser uma resposta universal, cada indivíduo tem na sua singularidade formas distintas de se encontrar. Assim, ainda que este seja um percurso que nos permite escudarmo-nos neste tipo de defesas (uma vez que o nosso organismo entende como prematuro aceitar), muitas vezes as fases não ocorrem na mesma ordem (pode acontecer inclusive que se “saltem” algumas fases), nem com a mesma intensidade, uma vez que, para além de cada indivíduo ser singular, este complexo processo varia de acordo com indicadores como a faixa etária, o tipo de vinculação e as circunstâncias da perda.

Depois de todo este raciocínio, penso que concorda comigo se eu disser que, como a qualquer ser humano, me desagrada o sentimento de perda. É um vazio incapacitante, um ecoar dentro de nós mesmos! No entanto, o que está aqui em causa é a promoção do bem-estar mental; ainda que no caos (o seu, ou o dos seus próximos) procure “analisar” o seu processo. Será que consegue identificar as fases do seu luto? Ficaram todas resolvidas? Evite que a sua saúde pague faturas futuras com juros altíssimos! Porque também há vida para os que ficam e porque, pessoalmente, aprendi que a lut(o)a continua, que a dor é grande mas o amor é sempre maior!


 


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