MARçO2013
O CIúME ENTRE IRMãOS
Enf. Otília Barreto - Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria
otiliacbarreto@gmail.com

 A chegada de mais um membro à família pode deixar a criança insegura e com ciúmes. O mundo que era só dela, isto é, resumia-se a ela e aos pais, passa agora a ser dividido com um novo membro, que poderá ser considerado como um intruso, principalmente em relação à atenção dos pais.

Perante o nascimento de um novo irmão, a criança sente que o mundo inteiro parece mover o seu centro para outro ponto que já não é ela. Começa a acreditar que não a querem ou que a abandonaram, o que frequentemente gera na criança sentimentos de culpabilidade e baixa auto-estima. Esta culpabilidade vê-se amplificada pelos sentimentos hostis que experimenta pelo irmão recém-nascido, sabendo que são sentimentos negativos.

Nesta situação, a sensação de estar excluído é comum e esse sentimento pode gerar uma contradição de sentimentos múltiplos: a raiva/medo pela perda do posto de "rei da casa" e ao mesmo tempo o desejo ser amigo do irmão. 

Os ciúmes constituem uma reacção emocional negativa, que se caracteriza por um sentimento de inveja e ressentimento generalizado direccionado para a pessoa que se considera como rival. É uma emoção difícil de suportar, pois sentir-se excluído das relações é sempre muito doloroso. É também doloroso desejar o outro, que é inimitável.

Estudos realizados neste âmbito, apontam para os 4 anos como a idade em que surgem os ciúmes pela chegada de um bebé à família. É possível que os ciúmes apareçam antes na vida da criança, mas é especialmente nesta idade quando toma forma e cria situações importantes e às vezes duradouras.

Os ciúmes poderão ter as suas repercussões tanto no irmão mais velho como no mais novo, caso não sejam mudados comportamentos. O irmão mais velho poderá tornar-se agressivo e hostil e o irmão mais novo, vítima do ciúme e da agressão, poderá desenvolver uma baixa auto-estima. O irmão que era vítima também poderá reagir e tentar vingar-se tornando-se ele próprio o agressor.

Muitos pais procuram como estratégia para resolver a situação, dizer ao filho que o ciúme é feio, que não deve existir em relação ao irmão mais novo e que esse irmão veio para brincar com ele, ser seu amigo e companheiro nas brincadeiras. No entanto, esquecem-se que a criança em causa sente que o bebé veio para dividir com o irmão, o amor da mãe, do pai, dividir a casa, às vezes o quarto, os brinquedos e até a atenção dos parentes.

E como se manifesta o ciúme?

A demonstração do ciúme pode variar de criança para criança. A criança ciumenta costuma mostrar uma série de condutas características:
1. Algumas ficam desobedientes com choros e birras, nervosas e agressivas com os pais ou com o irmão mais novo. Esta agressividade invejosa costuma manifestar-se na obstinação, como oposição sistemática. A criança está contra qualquer opinião, actividade ou outra coisa que os pais pretendem que ela faça. Esta constitui uma grande arma para atrair a atenção dos adultos e para obrigá-los a dar-lhe atenção.
2. Algumas crianças regridem no comportamento, isto é, podem voltar a usar chucha ou biberão, chupar no dedo, querem voltar a usar o carrinho de bebé, entre outros.
3. Não querem comer sozinhas.
4. Apresentam descontrole dos esfincteres, (não controlam o xixi nem o cocó).
5. Voltam a falar infantilmente (linguagem ou tom de voz infantil).
6. A agressividade pode aparecer de forma mais ou menos dissimulada: às vezes a criança ignora o irmão ou nega a sua presença. Outras vezes, pode mostrar condutas muito hostis e agressivas ou muito carinhosas pelo seu rival, como por exemplo, pode abraçá-lo até magoá-lo. Noutras situações, a agressividade dirige-se de forma indirecta para a mãe, aproveitando um descuido da mãe para fazer travessuras.
7. Outras crianças manifestam os seus ciúmes fazendo uma contínua referência ao seu irmão. Ex: ao ver um cão, dizem que o irmão quer um cão e ao ver os seus amigos de bicicleta, dizem que seu irmão também quer uma bicicleta.

O ciúme é uma reação emocional normal e tem que ser resolvido com muito diálogo e compreensão.

Quando ocorre o ciúme?

O ciúme poderá não ocorrer logo com a chegada do bebé a casa, mas sim quando o irmão mais novo já é maior e começa a ser mais interactivo, ou quando começa a tirar os jogos ao irmão mais velho.

Os ciúmes também podem ocorrer de um irmão menor para o irmão maior. Quando o vê como um rival que faz sempre tudo melhor que ele, e é elogiado pelos pais. Também podem aparecer ciúmes quando o menor observa que o irmão goza de certos "privilégios" que a ele são negados. Perante esta situação, o irmão menor poderá arranjar como estratégia agarrar-se ainda mais à mãe e comportar-se como se não quisesse crescer, ou melhor, pelo contrário, proceder de forma agressiva e manifestar uma atitude constante ao longo de sua vida de tentar superar aos demais.

Por vezes, os pais manifestam alguns favoritismos e preferências em relação aos filhos, mas de forma inconsciente. Do mesmo modo que, o incentivar à competição excessiva entre os irmãos pode favorecer a aparição de ciúmes.

Também a dependência ou necessidade excessiva de um dos pais, normalmente a mãe, pode originar este tipo de sentimento. Aparece habitualmente, em casos de mães excessivamente protectoras, que não deixam a criança desenvolver sua autonomia ou em situações em que a criança apresente atraso no desenvolvimento ou doença crónica.

Podemos referir ainda que a origem dos ciúmes pode, em alguns casos, situar-se nos sentimentos de insegurança e inadaptação da criança. Estes sentimentos de insegurança costumam ser consequência de ter-se sentido recusado ou ridicularizado na infância, ou de uma educação excessivamente negativa, baseada no repúdio e na crítica severa por parte dos pais.

Mas o ciúme não é tão mau como se pensa. A chegada do irmão irá criar limites para o mais velho, que aprenderá a viver em sociedade e desenvolverá de forma positiva o seu relacionamento afectivo e social.

Como deveremos proceder?

Para que o ciúme não se torne um sofrimento para a criança mais velha, a vinda do irmão tem que ser esclarecida desde o começo da gravidez, dizendo que um bebé vai chegar e que vai precisar de um espaço para dormir como ele, de roupas para não sentir frio, vai alimentar-se no peito da mamã como ele também fez. É certo que ele não poderá logo brincar com o irmão, mas podemos despertá-lo para pequenas interacções afectivas e construtivas, até ajudando nos cuidados com o irmão.

A mãe deverá permitir que a criança toque na barriga, faça carinhos e converse com o irmão mais novo. Também que acompanhe a mãe na compra do enxoval e na decoração do quarto.
Após o nascimento, a criança deverá visitar a mãe e o irmão na maternidade. Quando possível, deverá ser evitada uma ausência prolongada da mãe, porque poderá incutir na criança o sentimento de que foi abandonado e quem provocou esse abandono foi o irmão recém-chegado.

No dia da alta, a criança poderá acompanhar o pai até à maternidade e estar presente na chegada a casa. Neste sentido, a criança sentirá que participou na chegada do irmão, muitas vezes a surpresa é maior quando a criança chega a casa e se depara com um bebé.

É  importante ter em atenção que as alterações na rotina da criança, como iniciar a sua ida para a escola ou a mudança de quarto ou de quem cuidará dela, deverão ser feitas bem antes do nascimento ou depois da adaptação com o bebé. Assim, as perdas não serão associadas à chegada do irmão.

É importante que os pais não esqueçam daquele que, até o momento, ocupava todos os espaços. É fundamental elevar a auto-estima da criança, potencializar as suas qualidades e as vantagens de ser o mais velho. Atribuir-lhe responsabilidades sobre o irmão também ajuda na integração, já que a criança sente-se útil.

Assim que a criança se sentir segura do amor dos pais, valorizada e integrada no novo ambiente familiar, o ciúme diminuirá e a aceitação do irmão será natural. Os pais têm que demonstrar interesse pelas atitudes dos filhos. O diálogo é a melhor maneira de fazer a criança manifestar e entender as suas emoções, sentindo-se amada e respeitada, tanto pelos pais quanto pelo irmão.

Os pais deverão identificar e realçar as características positivas de cada filho, no entanto as habilidades e talentos deverão ser valorizados e nunca comparados. Sem que percebam, os pais estão educando os seus filhos através de seu próprio comportamento. Todo o comportamento dos pais é observável pela criança, assim como a imitação do mesmo.

É importante realçar que as experiências vividas na primeira infância, influenciarão de forma marcante a personalidade futura da criança. Já Freud dizia que “a criança é o pai do Homem”.

Resta realçar que as orientações aqui descritas deverão ser adequadas a cada criança e à sua personalidade e só os pais conhecem bem as suas crianças.

“Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante!”
Antoine de Saint-Exupéry

 


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