FEVEREIRO 2013
EU CUIDO DA MINHA POSTURA, VOCê CUIDA DA SUA?
Dra. Carla Soares – Fisioterapeuta
reabilitesse@sapo.pt

A nossa atividade profissional e as rotinas impostas pela vida diária sujeitam-nos à manutenção de posturas estáticas por longos períodos de tempo, bem como à realização de movimentos repetitivos em posturas desadequadas, sendo exemplo a posição de sentado em frente ao computador e o movimento dos dedos no teclado. As más posturas e a utilização dos mesmos movimentos, por sua vez, predispõem o individuo ao desenvolvimento de lesão e ao aparecimento de dor. 

Estas lesões normalmente aparecem como consequência de pequenas inflamações repetitivas e de retrações musculares, impostas pela atividade específica do individuo. Na maioria dos casos, estão associadas a uma pobre experiência de movimento ou a um pobre alinhamento postural, contribuindo para o desenvolvimento de desequilíbrios entre o sistema de estabilidade global e os músculos da mobilidade (Comerford & Mottram, 2001).

O facto de muitos de nós não possuirmos rotinas saudáveis, em que a prática de atividade física seja uma constante, predispõe-nos à aquisição de um regime mais comodista, à pouca experiência de movimento, e consequente aparecimento de disfunção e dor.

Segundo um estudo realizado por Bonetti e colaboradores (2010), cerca de 70-85% das pessoas comuns referem e existência de um episódio relacionado com dor lombar ao longo da sua vida, sendo que 80% destas experiências são casos recorrentes. É de salientar que 80-90% destes indivíduos recuperam a sua funcionalidade num período estimado de seis semanas sendo que, no entanto, 5-15% dos mesmos ficam predispostos ao desenvolvimento de dor lombar crónica (Lidddle & Baxter, 2004). Na dor crónica, os sintomas persistem mesmo após três meses ao inicio dos mesmos, levando a alterações a nível do processamento sensorial, do sistema nervoso central e controlo motor, sendo que esta experiência de dor pode mesmo conduzir o indivíduo a suspender a atividade profissional e/ou desportiva. 

Deste modo, a elevada incidência e prevalência das lesões decorrentes da manutenção de uma má postura, como foi exemplo a dor ao nível da coluna lombar, traduz-se num elevado impacto a nível físico, psicológico, social e económico. Portanto, as consequências negativas destas disfunções ultrapassam claramente a saúde física do individuo, afetando o seu bem-estar, do qual resultam sentimentos de ansiedade, medo, depressão, frustração, impaciência e a não adesão ao plano de tratamento (Veloso & Pires, 2007). 

McIntosh (2005) também faz referência à relevância destes fatores emocionais, considerando que também irão determinar a predisposição do individuo à ocorrência de lesão. Estes vêm complementar uma abordagem meramente biomecânica em que não era dada importância a atitudes do foro comportamental e psicológico. O utente deve ser olhado na globalidade e não como uma soma das partes. 

Os estados emocionais menos positivos podem contribuir e tornar a pessoa suscetível ao aparecimento de disfunções, instalando-se portanto, um ciclo vicioso, em que a lesão afeta psicológica e emocionalmente o individuo e que, por sua vez, predispõe-no ao agravamento da situação física ou à ocorrência de novas lesões (Veloso & Pires, 2007). Os indivíduos com maiores níveis de stress, com baixa auto-estima, pessimistas ou com elevados níveis de ansiedade estão mais predispostos à ocorrência de disfunções e/ou demoram mais tempo na recuperação destas (Veloso & Pires, 2007). 

A motivação do utente é, portanto, um fator de extrema relevância, que irá condicionar todo o processo de tratamento, pois a componente emocional estará, na maioria dos casos, comprometida, na medida em que a lesão constitui um desafio físico e psicológico ao mesmo. É importante a consciencialização de que o impacto destas lesões tem também repercussões socioeconómicas, que muitas vezes são colocadas em segundo plano, daí a importância da intervenção a nível da prevenção primária. 

O fisioterapeuta apresenta-se, geralmente, como o profissional de saúde do primeiro contacto com o utente, bem como o profissional que o acompanha mais intensivamente durante todo o processo de reabilitação. Desde modo, é essencial a compreensão da resposta psicológica de cada utente perante o seu problema. 

A fisioterapia oferece um leque de técnicas manuais, globais e exercício físico, que permitem o melhoramento da qualidade de vida do indivíduo e restauro da sua funcionalidade. É essencial, numa primeira fase de tratamento, que o utente seja esclarecido quanto à possível origem dos sintomas, fatores contribuintes e estratégias que pode adotar no exercício da sua profissão, sendo assim possível discutir e traçar objetivos realistas (Matias e Cruz, 2005). Ao longo de toda a intervenção, devem ser apresentados e discutidos os benefícios de manter um nível de atividade física adequado, de modo a serem obtidos ganhos tanto ao nível de saúde, como a nível de episódios recorrentes da disfunção. 

É de referir que a intervenção deve ser direcionada para a resolução das causas das disfunções biomecânicas e neurofisiológicas, e não apenas para resolução dos sintomas. Portanto, a utilização duma abordagem biopsicossocial, que valoriza a interação entre as diferentes componentes, biológica, psicológica e social, é fundamental no sentido do alcance dos objetivos a que nos propusemos com o utente. 

No processo de intervenção, é necessário olhar para o individuo como uma globalidade e não de um modo segmentar, onde apenas se intervém nas partes de um todo. Também, é de salientar a valorização do empowerment, ou seja, deve ser dado incentivo para o utente tomar iniciativa, envolvendo-se no processo da tomada de decisão, dando-lhe autonomia e atribuindo-lhe responsabilidade na resolução dos seus problemas.

No que se refere ao tratamento da dor lombar, como foi exemplo, e tendo em conta o conceito de globalidade, na Reeducação Postural Global (RPG) utiliza-se esta ferramenta, olhando para o utente como um ser individual, em que não são identificados apenas sintomas, mas as causas das disfunções morfológicas e funcionais. Este método foi criado em 1980, por Philippe Emmanuel Souchard, sendo que muitos fisioterapeutas têm utilizado o RPG no tratamento da coluna, com resultados empíricos satisfatórios e significativos, a curto e médio prazo. Como consequência dos sintomas resultantes das posturas mantidas desadequadas e dos movimentos repetitivos, cada um de nós modela-se e resiste à agressão de forma singular, e muitas vezes adotamos padrões individuais para evitar e contornar a dor e bloqueio (http://www.rpgsouchardinst.com.br/). 

Tendo em conta que o que nos mantém de pé e contra a gravidade são os músculos com uma função mais estática, estes têm que permanecer parcialmente ativos, tornando-se rígidos, pouco flexíveis e encurtados, podendo causar desalinhamentos articulares. Logo, a aplicação deste método na nossa prática clínica como fisioterapeuta, assume extrema relevância, considerando que todos somos seres diferentes e utilizamos estratégias distintas para fugir à dor. Por vezes, a disfunção pode iniciar-se numa estrutura muscular, tendinosa e/ou ligamentar e as tensões musculares que se originam em torno da lesão, se propagarem através de outros músculos para estruturas distantes ao local da ocorrência da mesma, sendo fulcral a globalidade e causalidade de cada caso. 

Mais especificamente, este método atua no sentido em que o terapeuta, durante cada sessão, trabalha com utentes numa série de posturas ativas e progressivas (de pé, sentada ou deitada). 

Durante o tratamento de RPG, o utente tem um papel muito ativo, modelando o seu corpo, trabalhando a respiração e alongando os músculos estáticos, pertencentes a cadeias musculares, que estão relacionadas com a dor e disfunção. O contacto manual do fisioterapeuta assume extrema relevância a nível da estimulação tátil e propriocetiva, facilitando a perceção dos movimentos e posturas que necessitam ser corrigidas durante o alongamento (http://www.rpgsouchardinst.com.br/).

De modo a complementar esta abordagem global, a intervenção que tem como base uma componente de exercícios relacionados com os pressupostos da estabilidade dinâmica e reaprendizagem motora, demonstra-se efetiva na abolição da sintomatologia e no restauro da funcionalidade. Considerando a origem dos sintomas, Panjabi (1992) introduziu o conceito de sistema de movimento, concebendo um modelo de instabilidade baseado no pressuposto de que a maioria dos casos de dor na coluna lombar é causada por processos mecânicos (posturas mantidas e movimentos repetitivos), conduzindo à instabilidade da mesma (Gibbons & Comerford, 2001). 

Segundo este modelo, a coluna vertebral é dependente de três subsistemas (Panjabi, 1992; Comerford & Mottram, 2000): o subsistema passivo que compreende as estruturas ósseas, articulares e tecidos conectivos (ligamentos, cápsulas e discos); o subsistema activo, que consiste na componente muscular e tendinosa, com capacidade de gerar força para estabilizar a articulação; sendo que o subsistema de controlo diz respeito ao sistema nervoso, que integra as informações sensoriais, para que o subsistema ativo tenha uma resposta adequadamente (Gibbons & Comerford, 2001). 

É de salientar que este modelo de Panjabi sustenta que estes três subsistemas são interdependentes no que se refere à estabilidade lombar. Portanto, muitas vezes a lesão surge, quando um destes subsistemas não está a funcionar adequadamente e os outros não têm capacidade de o compensar. 

Hodges & Richardson (1996,1997) investigaram a contribuição do músculo transverso abdominal na estabilidade da coluna lombar, de indivíduos com e sem dor. Foi verificada uma reação de atividade antecipatória (feedforwad) deste músculo, em resposta a perturbações da coluna vertebral (desequilíbrios), através dos movimentos de abdução (abertura), extensão e flexão do membro superior, em indivíduos sem episódios de dor lombar. Nos indivíduos com episódios de dor na coluna lombar, foi verificado que o transverso abdominal encontrava-se a responder segundo o mecanismo de feedback, ou seja, só se contraía depois dos músculos mais superficiais realizarem o movimento. 

Tendo em conta que possuímos um cilindro de estabilidade no centro do organismo, sendo a base os músculos do pavimento pélvico, a tampa o diagrama e o músculo transverso duma espécie de cinta que “abraça” a região abdominal, quando estes músculos deixam de se ativar de forma efectiva, promovem uma estabilização ineficiente da coluna lombar (Gibbons & Comerford, 2001). 

Deste modo, os exercícios de estabilidade têm-se demonstrado relevantes no melhoramento do controle neuromuscular, no aumento da força e resistência de contração dos músculos que estabilizam o tronco, anteriormente referidos, bem como da musculatura do pavimento pélvico, que desempenha um papel fulcral, juntamente com o diafragma, na manutenção de uma boa função da coluna.

É de salientar, que é essencial a atuação dos fisioterapeutas ao nível da prevenção primária, no sentido de serem desenvolvidas ações pertinentes, cujas principais vertentes são a promoção para a saúde. Torna-se de todo relevante estar atento ao impacto socioeconómico que estas lesões assumem na sociedade actual, pois como já foi referido anteriormente, estas têm impacto não só pessoal, como psicológico, social e económico, constituindo um problema de saúde pública que contínua a usurpar os limitados recursos financeiros destinados aos serviços de saúde. 

O fisioterapeuta deve, também, ser “educador”, induzindo mudanças nos hábitos de saúde do utente, encorajando-o a adotar modelos comportamentais que promovam o seu bem-estar. 
Faça Fisioterapia com Fisioterapeutas. Cuide da sua postura! 

 


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