DEZEMBRO 2012
NEUROCIRURGIA
O Serviço de Neurocirurgia do Hospital Central do Funchal lida primordialmente com queixas do cérebro (mais frequente as dores de cabeça) da coluna lombar e da coluna cervical O Dr. Gil Bebiano, médico neurocirurgião e director do serviço, fala em entrevista acerca dos desafios enfrentados na actualidade e perspectivas para o futuro.

Que doenças são objecto da acção do neurocirurgião?
Eu diria que cerca de 80% das consultas que nós temos, tanto no Hospital como na actividade privada, são referentes a doentes com queixas da coluna cervical, da coluna lombar e com dores de cabeça. A nível da coluna, temos a patologia degenerativa, como as hérnias, os canais estreitos e os osteófitos (os chamados bicos de papagaio). A nível cerebral, predominam as dores de cabeça, incluindo as muito frequentes enxaquecas. Depois, temos a sintomatologia neurológica específica, como exemplos: a dormência do pé, a dormência da mão ou as alterações de visão. Ocorre também algum volume de doentes com queixas de síndromes depressivos e/ou ansiosos, sendo que, numa primeira fase, fazemos uma avaliação e início de medicação especifica, sendo depois orientados os doentes para quem deve tratar destas doenças, que é a Psiquiatria. Frequentemente, associadas às queixas de dor da região lombar, cervical ou dores de cabeça, aparecem as limitações do trabalho, com consequentes situações depressivo-ansiosas, que fazem com que também tenhamos de estar atentos a essa vertente de queixas. Infelizmente, os doentes com as situações mais graves – tumores, situações mais limitativas da coluna, etc. – costumam chegar até nós através do Serviço de Urgência. Digo infelizmente, porque um serviço hospitalar tem que estar dimensionado para que a sua porta de entrada principal seja a consulta externa. Nesta data, a orgânica do Serviço de Saúde Regional ainda não permite esta metodologia de trabalho.  

É possível melhorar a coordenação com a rede de cuidados de saúde primários?
Há sempre espaço para melhorar e inovar. Neste momento, estamos maximizar a relação entre nós e os Centros de Saúde. A este nível, a informatização completa de todo o processo clínico do Hospital e também dos Centros de Saúde foi um passo importantíssimo. Desde Janeiro de 2010, as consultas dos Centros de Saúde são solicitadas e respondidas numa plataforma informatizada, permitindo que tenhamos uma resposta muito mais célere quando achamos que o doente tem necessidade de ser visto por nós. Depois, quando essa necessidade se esgota, o doente retoma o seguimento por parte do Centro de Saúde. Isto tratou-se de um avanço muito grande, que trouxe benefícios óbvios em termos da qualidade do serviço prestado. Tenho pena que aquilo que temos hoje, em termos de convergência de informação com os Centros de Saúde, não exista também com as clínicas privadas e os consultórios. Penso que os benefícios para os doentes seriam grandes, pois onde quer que fossem – ao hospital, ao centro de saúde, à clinica privada, ao consultório - o médico assistente teria acesso a toda a informação. Isto traria não só qualidade e rapidez ao nível do serviço prestado, mas também minimização de custos. É pena que ainda não se tenha podido concretizar isto, especialmente porque, aqui na Madeira, teríamos talvez as condições óptimas para colocar isto em prática, por sermos um meio mais pequeno.
 
Sente que por vezes há falta de informação por parte dos doentes?
Ainda recentemente, operei um doente que estava paraplégico. Gradualmente, nas últimas semanas, perde a força nas pernas. Este doente, não sei bem explicar porquê - terá sido porventura por medo ou por querer fugir da realidade - andou nas massagens, andou a fazer ventosas nas costas, e quando apareceu aqui no Hospital já não mexia as pernas – tinha um tumor dorsal, teve de ser operado e agora estamos a fazer investigação para saber de onde é que veio o tumor. Se tivesse procurado os serviços de saúde mal apareceram os indícios de diminuição da força, eu poderia ter sido muito mais útil a este doente, que enfrenta uma situação muito complicada. Este atraso no recurso ao Serviço de Saúde tem muitas vezes a ver com a desinformação das pessoas. Não consigo dizer quem é o culpado desta situação. Há, felizmente, uma facilidade de acesso ao sistema público de saúde na nossa terra – é um sistema que tem alguns defeitos, mas também tem muitas virtudes – e apesar disso, todos os dias continuamos a assistir a estes atrasos.

As pessoas têm a tendência para se habituarem ao desconforto e mesmo à dor?
Infelizmente, isso é um facto. Nas conversas que tenho com os doentes, digo-lhes que quero que se habituem ao conforto e à qualidade de vida (sem dor nem sofrimento). Todos nós fomos concebidos para funcionar sem dor e sem sentirmos os segmentos do nosso corpo. Particularmente no que respeita à coluna cervical e lombar, gostaria que as pessoas viessem até mim antes de ter queixas, expondo a sua actividade profissional e perguntando que cuidados devem ter para não vir a ter dor, minimizando o desgaste sofrido no dia-a-dia. Para além das profissões mais exigentes em termos físicos, em que a possibilidade de haver este desgaste é mais óbvia (como pedreiro, empregada de quartos de hotel, etc.), noutras atividades, as questões posturais também são relevantes. Quando as pessoas têm de passar muito tempo sentadas em frente a um computador, as posturas inadequadas levam também a desconforto e agressividade contra as estruturas articulares, designadamente a coluna cervical e lombar. Dedico bastante tempo, nas consultas, a explicar às pessoas os cuidados que devem ter e que actividades benéficas devem levar a cabo, como forma de prevenção. E, com frequência, aquilo que eu lhes peço não tem custos: andar a pé duas ou três horas por semana, passando a ser esta actividade uma rotina semanal como comer, dormir, trabalhar. 

Que condições deve apresentar um doente para ser candidato a uma operação?
Na minha especialidade, 50% ou mais daquilo que eu posso oferecer aos doentes são opções cirúrgicas, de modo que quando as pessoas chegam até mim com dores severas – sejam elas lombares, cervicais ou de cabeça – à partida, podem ser candidatas a uma intervenção cirúrgica. Todavia, temos de fazer sempre tudo para evitar operar o doente, porque a cirurgia representa sempre uma “agressão” ao corpo, ultrapassa a pele. Para além disso, temos de explicar e “conquistar” o doente para o risco que vai correr: enquanto o doente me diz que tem medo de ser operado, ainda não está preparado para a cirurgia. Quando se chega ao momento em que o doente faz a avaliação da sua qualidade de vida e as queixas são de tal ordem limitativas,  que ele me pede para ser operado, penso que estão reunidas as condições mínimas para a realização de uma cirurgia vetada ao sucesso.

Alguns doentes sentem maior receio de fazer uma operação no cérebro que noutros órgãos?
Concordo que possa haver uma maior renitência por parte dos pacientes e essa renitência transforma-se em responsabilidade nossa, porque aqui na Região temos quatro neurocirurgiões, para uma população de cerca de 250 mil habitantes. Temos aqui no Serviço uma política de seguimento longitudinal do doente, ou seja, é o mesmo médico que interna, que depois segue no internamento e porventura opera, o que leva a que haja uma identificação muito grande entre o médico que opera, o resultado obtido e o doente. Nesse contexto, existe uma responsabilidade acrescida da nossa parte, porque há uma identificação muito grande entre aquilo que fazemos e o resultado daquilo que fazemos. Acredito que este seguimento longitudinal é uma mais-valia, porque antes de mais, precisamos de cativar o doente para a nossa perspectiva: quando o doente vai à minha consulta, quero que se sinta confiante e à vontade para dizer o que quiser. Cada doente é diferente dos outros: tem uma personalidade, um contexto socioeconómico e cultural próprio, o que requer uma abordagem diferente da nossa parte, que tenha em conta factores tão diversos como o sexo, a idade, a ocupação, grau de cultura, etc. Cada doente é sempre um desafio, pelo que dar consultas representa para mim um esforço muito maior do que operar, uma vez que esse processo passa pela repetição de uma técnica que é estandardizada e que eu já repeti inúmeras vezes.

Os avanços tecnológicos têm sido importantes no campo da neurocirurgia?
As últimas duas administrações do Hospital têm estado muito atentas às nossas necessidades, também porque temos apresentado projectos daquilo que queremos fazer, ou seja, propondo coisas objectivas, com metas a atingir e com benefício óbvio para o serviço público que prestamos. Fruto disto, temos observado uma melhoria significativa dos quesitos técnicos: a introdução da neuronavegação e estereotaxia, da radioterapia e da radiocirurgia, que hoje em dia temos aqui na Região; uma série de material de microcirurgia que não tínhamos e de que passámos a dispor e uma série de outras técnicas, como a cirurgia endoscópica, que está em fase de implementação. Resta-nos, em termos técnicos, assumir duas ou três situações, sobre as quais tenho muitas dúvidas se alguma vez as faremos. 

Que cirurgias não são realizadas actualmente aqui na Região?
Realizamos na Região cerca de 300 cirurgias por ano, das quais cerca de 100 são de urgência (crânio e coluna). Das restantes 200, cerca de 100 são de patologia cerebral. A nível cirúrgico, em apenas cerca 2% das situações há a necessidade de serem feitas fora da Região. Neste momento, não se fazem cá apenas duas situações, nomeadamente as cirurgias da base do crânio (tumores da linha média da base do crânio), alguns aneurismas e malformações vasculares, cirurgias da hipófise (que com a cirurgia endoscópica irá ser assumida a região) e alguma patologia malformativa óssea de crânio das crianças. Quando assumimos uma técnica, é com o objectivo de apresentar trabalho feito comparável com qualquer centro. Não queremos fazer por fazer, para depois apresentar resultados inferiores. Nos casos referidos anteriormente, cuja frequência aqui na Região anda à volta de um a três casos por ano, com um grau de complexidade técnica muito grande, fico com muitas dúvidas acerca da necessidade de o fazer, a não ser em situações em que o transporte dos doentes possa constituir um risco significativo. Tem sido seguida, por vezes, a opção de enviar para centros de referência que nos apoiam (Hospital Egas Moniz) e o neurocirurgião desloca-se para participar na cirurgia. 

O cirurgião precisa de muita prática para dominar uma determinada técnica?
Quanto mais vezes se repete a técnica, melhor a fazemos. Essa é uma noção muito convicta da nossa parte. Felizmente, temos conseguido alguma articulação entre nós, os anestesistas e os enfermeiros de bloco, no sentido de conseguir uma equipa o mais homogénea possível, porque é importante que quem nos rodeia, no acto cirúrgico, esteja versatilizado com aquilo que se está a fazer. Quando é assim, tudo corre quase que como automatismos, sendo o resultado final do nosso trabalho optimizado. Fazendo um balanço dos últimos 10 anos, eu diria que estou muito satisfeito com o trabalho que o Serviço de Neurocirurgia tem vindo a fazer. Por exemplo, somos o primeiro serviço do Hospital a ter toda a sua actividade completamente informatizada – neste momento, o processo em papel já não existe e passamos visita auxiliados por um computador portátil (ainda em fase de experimentação). Relativamente ao Hospital em geral, posso afirmar que, em termos de capacidade técnica, de recursos humanos e de resposta e interactividade com os serviços primários de saúde, designadamente os Centros de Saúde, o Hospital Central do Funchal estará no seu melhor de sempre, apesar de todas as dificuldades que existem. Haverá, porventura, críticas a uma afirmação destas, mas sinto que é uma afirmação justa. O que não quer dizer que tudo esteja bem. São sempre bem-vindas inovações, correções, desde que construtivas.

O que ainda será possível fazer para melhorar o Serviço?
Eu gostaria de ter o Serviço mais virado para a consulta externa e menos para a Urgência. Tenho os doentes a entrar pelas Urgências em grande número, e tenho extrema dificuldade em gerir as listas de espera dos doentes que estão à espera de cirurgia. A curto prazo, fruto dos constrangimentos económicos que estamos a atravessar, sendo como é sabido, evidente a falta de recursos humanos na área de anestesia, pouco ou nada se poderá fazer para alterar esta situação. A longo prazo, não vale a pena pensar em aumentar os recursos de neurocirurgia: somos quatro neurocirurgiões e para uma população como a nossa o número considerado ideal é de três /quatro, portanto, nem sequer precisamos de aumentar os recursos humanos, o que precisamos é de ter mais tempo de bloco operatório. Perspectivo que, com o aumento do número de anestesistas que aí vem – será uma questão de mais quatro ou cinco anos - teremos mais tempo operatório. Actualmente, temos apenas um dia, que é a sexta-feira, das 08h00 às 20h00, e tantas vezes ultrapassamos essa hora graças à boa vontade dos colegas anestesistas. Precisaríamos de dois dias: um para tratar da patologia tumoral cerebral e outro para a patologia lombar em lista de espera, e aí sim, daríamos uma resposta muito boa em termos cirúrgicos. Em relação à consulta, resposta a primeiras consultas, é sempre um exercício de números aumentarmos a resposta, visto que a solução cirúrgica está dificultada, só servirá para aumentar a lista de espera cirúrgica de patologia da coluna. No internamento, não podemos esquecer que temos um hospital cuja estrutura não é a mais adequada aos quesitos atuais - necessitaria de quartos com menor número de doentes (máximo duas camas por quarto). No momento atual, é impensável solucionar este problema.


 


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