SETEMBRO 2012
MEDICINA INTENSIVA
Os Cuidados Intensivos representam muitas vezes a diferença entre a vida e a morte, desempenhando um papel fundamental na recuperação de doentes em estado muito grave. O Dr. João José Jardim Vieira, médico especialista em medicina intensiva, fala em entrevista dos cuidados prestados e dos desafios enfrentados diariamente.

Qual é o papel da Unidade de Cuidados Intensivos?
Ainda há muitas pessoas que pensam, erradamente, que quando um paciente vai para os Cuidados Intensivos, vai “para morrer”. Mas o propósito da Unidade é prestar apoio a pessoas gravemente doentes, com falências momentâneas de funções vitais, mas que tenham capacidade de recuperação, podendo voltar a ser autónomos e a fazer uma vida normal, ou pelo menos semelhante à que faziam, com uma boa qualidade. Por vezes, confundem-se Cuidados Intensivos com cuidados paliativos, que são uma coisa completamente diferente: estes são prestados a pessoas que estão numa fase terminal e que já não têm capacidade de recuperar das falências a nível dos seus órgãos, precisando de ser apoiadas, mas de outra forma. Ou seja, os cuidados paliativos buscam minorar o sofrimento e proporcionar o conforto possível àqueles doentes que já não têm possibilidades de recuperação. Por exemplo, ao nível dos cuidados paliativos não são utilizados aparelhos para sustentar órgãos, ao contrário do que acontece nos Cuidados Intensivos, porque o propósito passa apenas por dar o conforto possível aos doentes, ao passo que nos Cuidados Intensivos procuramos recuperar aquelas pessoas que têm doenças potencialmente reversíveis.

Que especialidades intervêm no âmbito dos Cuidados Intensivos?
Podem trabalhar nos Cuidados Intensivos médicos de várias especialidades, com a sub-especialidade de Medicina Intensiva. Aqui na Região Autónoma da Madeira, trabalham na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital sete médicos, um dos quais é anestesista e os restantes são médicos especialistas em Medicina Interna. Mas nesta Unidade podem trabalhar profissionais de outras especialidades, sobretudo da área da Cardiologia, da Pneumologia ou da Cirurgia Geral. É de sublinhar também que os doentes que estão nos Cuidados Intensivos, não são doentes da Unidade, mas sim dos serviços que os internaram e que os estão a tratar. Por exemplo, um doente que tenha sido operado e que necessite de estar provisoriamente nos Cuidados Intensivos, é tratado por nós, mas também é acompanhado pelos médicos da especialidade.

Que tipo de problemas leva ao internamento nos Cuidados Intensivos?
Aqui, na Região, grande parte dos casos estão relacionados com insuficiências respiratórias, que podem ter várias causas, podendo estas ser primárias ou secundárias. A insuficiência respiratória primária tem a ver com o próprio pulmão, ao passo que a secundária está relacionada com um problema noutro órgão, que depois se reflecte no pulmão. Um exemplo de insuficiência respiratória primária pode ser uma pneumonia, que leva à falta de oxigenação do organismo, pois este não consegue absorver o oxigénio – se o doente for tratado com antibióticos, poderá curar a pneumonia e recuperar a função respiratória. Também pessoas com infecção generalizada grave, em que os orgãos reagem de forma desregulada e deixam de funcionar – sépsis. Os traumatismos cranianos são outra das causas que podem levar ao internamento na Unidade de Cuidados Intensivos – por exemplo, podem ser internados traumatizados ou politraumatizados graves, devido a acidentes de viação ou a outro tipo de acidentes, como acidentes profissionais em profissões de risco. Podem também ser internados na Unidade os doentes que tenham sido submetidos a uma grande cirurgia: quando o doente é intervencionado durante várias horas, com transfusões de sangue e um leque de outras situações, isso provoca alterações no organismo, que precisam de ser suportadas para que o doente possa depois recuperar. Na fase inicial do pós-operatório, pelo menos nos primeiros dois ou três dias, o doente necessita de um certo apoio para recuperar, porque no fundo, a operação representa sempre, em certa medida, uma “agressão” para o organismo.

A redução da actividade na construção civil levou à diminuição da incidência de traumatismos graves? 
Não recebemos assim tantos politraumatizados na Unidade de Cuidados Intensivos. É um facto que, de há 20 anos a esta parte, houve um “boom” no sector da construção aqui na Região, com particular destaque para a construção de estradas, pontes, vias rápidas, etc. Isso poderia levar a intuir que viriam a ocorrer um maior número de acidentes, ou acidentes de maior gravidade, mas mesmo sem ter disponíveis números concretos sobre esta questão, posso dizer que, na Unidade de Cuidados Intensivos, não verificámos, ao longo destes anos, a ocorrência de um aumento significativo no número de politraumatizados em estado grave. Em relação ao sector da construção civil, infelizmente continuam a existir indivíduos que não respeitam as regras de segurança e ficam sujeitos a terem acidentes, com consequências nefastas. Claro que esta responsabilidade é do próprio indivíduo, mas os responsáveis pelas obras também têm o dever de fiscalizar e assegurar que os equipamentos de segurança são utilizados e que as regras são cumpridas. Continua a ser preciso alterar mentalidades a este nível. 

Quanto tempo é que os doentes pode ficar internados, em média, na Unidade?
Esse tempo de internamento é variável: na maioria dos casos, andará à volta de uma semana, mas há doentes que ficam meses na Unidade, por estarem dependentes do ventilador, por exemplo. Quanto ao número de camas que temos na Unidade de Cuidados Intensivos, considero que o mesmo é suficiente para as necessidades da Região. Agora, estamos numa situação particular por vivermos numa ilha e não existir outro hospital que possa receber doentes críticos, ao passo que noutras zonas do país, os pacientes podem, mais facilmente, ser transferidos para outros hospitais em caso de necessidade. Mas aqui na Região, a Unidade de Cuidados Intensivos está no “fim da linha” e não beneficiamos dessa possibilidade. Obviamente, isso coloca mais pressão sobre o serviço na eventualidade de aparecerem situações excepcionais, que levem ao internamento de muitas pessoas em simultâneo.

O convívio diário com situações difíceis gera muita pressão?
É verdade que se vivem situações de grande pressão e, por vezes, também há uma certa incompreensão em relação ao nosso trabalho. Há casos de doentes que estão aparentemente bem e, de repente, a situação inverte-se, sem que nós e a família estivessemos à espera que isso acontecesse, pelo que esta aceita mal. Nós procuramos fazer tudo o que está indicado, mas infelizmente, nem sempre é possível salvar todos os pacientes, especialmente tendo em conta que os casos que são remetidos para a Unidade de Cuidados Intensivos são de elevada gravidade.

Como é que um profissional se prepara para enfrentar este ambiente de grande pressão e exigência?
Quando decidimos seguir este rumo na vida, temos de estar preparados para dar sempre o nosso melhor. Com o tempo, com o capital de experiência que se vai ganhando, aprende-se a lidar melhor com as situações difíceis. E também é importante termos o apoio dos nossos colegas, que estão sempre disponíveis para o prestar. É sempre difícil dar más notícias aos familiares, particularmente quando o que esteve na origem do internamento foi uma situação inesperada – nos casos de doenças prolongadas, por norma as pessoas, já tiveram tempo para se prepararem. Mesmo para nós, que somos profissionais, e que estamos acostumados a lidar com estes casos, por vezes pode ser difícil manter o distanciamento dos familiares. Somos seres humanos e, de alguma maneira, envolvemo-nos emocionalmente, pelo que é difícil lidar com a perda inesperada de um doente, por exemplo. Mas nós sabemos que isto é algo que temos de estar preparados para enfrentar.


 


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