MAIO 2012
ALERGIAS ALIMENTARES
A incidência da alergia alimentar tem vindo a aumentar nos últimos anos, ao mesmo tempo que o consumo de alimentos compostos por muitos ingredientes tornou mais difícil para os indivíduos com este tipo de doença a evicção dos alimentos (alérgenos) responsáveis pela sua doença de base. A Dra. Rita Câmara, Médica Alergologista, fala em entrevista dos factores que despoletam as alergias alimentares e dos cuidados a ter com as mesmas.

Em que consiste a alergia alimentar? 
É a capacidade do nosso organismo de reagir de uma forma exagerada a um elemento externo (proteína), neste caso, a um alimento. As alergias alimentares costumam começar na infância. Quando introduzimos outros alimentos para além do leite materno, o organismo tem a capacidade de reagir contra uma determinada proteína, embora na maioria dos casos não o faça. A prevalência da alergia alimentar tem aumentado como consequência da quantidade e diversidade de proteínas que constituem as dietas da maior parte da população, actualmente. A alergia alimentar é, no fundo, uma resposta de hiperreactividade do nosso organismo aos excessos alimentares praticados, sendo esta reacção agravada pelo uso de conservantes e corantes introduzidos nos alimentos ingeridos.   

As alergias alimentares podem manifestar-se apenas na idade adulta?
Há alergias que surgem na idade adulta, mas os alimentos são diferentes dos que provocam alergias na infância. A alergia mais comum é ao leite e surge na maior parte dos casos no primeiro ano de vida. Pode surgir esporadicamente na idade adulta, embora tal seja muito raro. A alergia nunca aparece numa primeira ingestão, tem de haver por parte do nosso sistema imunológico o registo ou a memoria das proteínas que o constituem, numa primeira fase, e só depois desse registo efectuado é que se inicia a tal resposta exagerada do nosso organismo, com aparecimento dos sintomas que, ao longo do tempo e com os contactos sucessivos com esse mesmo alimento, irão produzir amplificação da resposta, até um quadro clínico que nalguns casos é muito grave e por vezes fatal (anafilaxia). Quando o quadro clínico está estabelecido, surgem sintomas isolados ou não, sendo os mais comuns cutâneos (manchas avermelhadas de contornos irregulares – urticária) ou gastro intestinais (vómitos e diarreia), mas poderá ser ainda dificuldade respiratória de aparecimento súbito após a ingestão dum alimento. A alergia ao leite, que é a mais comum, nomeadamente na infância, normalmente não acontece no primeiro contacto com este alimento (primeiro biberão), mas sim após o contacto com estas proteínas, através de outros alimentos que não o leite isolado (papas, bolachas, compotas).

Quais são as alergias mais frequentes?
O leite, o ovo, o peixe, frutos secos (entre eles o amendoim), são os agentes mais frequentes da alergia alimentar. No entanto, para além da alergia alimentar e ao longo da vida, aparecem outro tipo de quadros clínicos, em tudo semelhantes a alergia alimentar, que resultam dum mecanismo distinto do duma alergia alimentar primária -  reactividade cruzada, em indivíduos previamente sensibilizados a um aeroalergeno (ácaros pólens fungos), com uma constituição proteica  semelhante à do alimento ingerido, sendo o nosso sistema imunológico incapaz de diferenciar as diferenças existentes entre estes agentes alergenicos (ácaros e camarão) diferentes, reagindo como se do mesmo se tratasse. Por exemplo, uma pessoa com alergia ao pó reage contra as proteínas que constituem as fezes dos ácaros, que têm semelhanças importantes com as proteínas que constituem os crustáceos. Assim, um determinado indivíduo que já sofria duma doença alérgica respiratória prévia pode, em qualquer altura da sua vida, desencadear um quadro de alergia alimentar, tendo mesmo um risco acrescido para esta se venha a verificar. Por exemplo, quase todas as pessoas que têm alergia à lapa tiveram ou têm asma e rinite, com uma sensibilização prévia aos ácaros. Este fenómeno é explicado pela semelhança encontrada para a constituição proteica destas fontes alergénicas distintas (ácaros e lapas), sendo esta semelhança a explicação para o fenómeno reactividade cruzada, e devidamente comprovados por estudos laboratoriais acessíveis.

Quais são os sintomas mais frequentes quando existe uma alergia?
O quadro clínico cutâneo, como o aparecimento progressivo de manchas na pele com determinadas características, não relacionado com doenças virais mas sim com a ingestão de determinado alimento, é o mais frequente, sendo estes episódios reprodutíveis. Os sintomas digestivos, como a diarreia e vómitos, são também muito frequentes, não estando associados a quadros febris, como acontece em patologias do foro infeccioso. Por outro lado, a dificuldade respiratória e a anafilaxia, são quadros clínicos menos frequente que os anteriores, mas não menos graves, podendo levar à morte, caso não sejam tratados com a brevidade necessária. A anafilaxia pode surgir com qualquer alimento, dependendo do grau de sensibilização do individuo a esse alimento e da quantidade ingerida. A Sociedade de Alergologia e Imunologia Clínica Europeia tem vindo a lutar para que a composição dos alimentos seja indicada na sua totalidade nas embalagens. No entanto, ainda há imensos países onde a lei não obriga a colocar essa indicação, quando a quantidade do alimento incluída está abaixo de uma determinada percentagem da totalidade da composição do alimento processado (bolacha). O problema é que quando o indivíduo está sensibilizado, com o tempo vai reagindo a quantidades cada vez menores. As pessoas que têm alergias devem evitar comer alimentos cujos componentes estão “escondidos”, como por exemplo alimentos processados, molhos, etc. Outro ponto importante é que as ervas são os segundos alérgenos de sensibilização no adulto, pelo que deve ser data atenção aos chamados “tratamentos naturais”. Por exemplo, a parietária, a chamada alfavaca, que é um alergeno muito frequente no ar da nossa região, sendo responsável por quadros clínicos graves de alergia respiratória, é muito utilizada em produtos que se vendem livremente nas ervanárias. As pessoas com doença alérgica respiratória, com sensibilização conhecida a pólenes, devem ter muito cuidado na utilização destes produtos porque pela sua ingestão poderão desencadear quadros clínicos em tudo semelhantes a alergia alimentar e tão graves como anafilaxia.

Que factores aparecem mais frequentemente ligados às alergias alimentares? 
A doença alérgica é codificada geneticamente e resulta de interacção entre a genética e o ambiente. Se uma determinada pessoa tiver uma predisposição genética elevada para o aparecimento da doença e o ambiente em que vive for de todo desadequado, o aparecimento dos sintomas da doença vai ser muito precoce na vida. Por outro lado se essa mesma pessoa viver num ambiente em que a exposição alergénica é baixa o aparecimento da doença nunca se verificará ou será mais tardio. Agora, é claro que não podemos passar as nossas vidas dentro de uma redoma hermeticamente fechada, para não contactar com ambientes potencialmente prejudiciais, por isso mesmo também não faz sentido deixarmos de comer alimentos com medo de ser alérgicos, se nunca tivemos qualquer tipo de sintomatologia, directamente relacionada com a ingestão dos mesmos.

Como é feito o diagnóstico da alergia alimentar?
A alergia alimentar tem um marcador, há sempre um quadro clínico, em que o aparecimento dos sintomas está directamente relacionado com a ingestão de determinado alimento, há portanto uma história clínica sugestiva, confirmada posteriormente pela positividade de marcadores laboratoriais, para um número elevado de alimentos. Há pessoas que gostavam de fazer todos os testes para saber se são alérgicos a alguma coisa, o que é impraticável. Na maioria dos casos, os indivíduos são alérgicos aos alérgenos mais “comuns”. No caso específico da Região, a alergia ao peixe é mais comum que noutros pontos da Europa, o que tem a ver com o facto de consumimos mais peixe. Hoje em dia, fazemos testes com o próprio alimento, para determinarmos se o indivíduo tem uma reacção ao mesmo, tanto cozido como cru. O alimento cozido tem as proteínas modificadas, sendo por vezes esta modificação importante, o que poderá ser a justificação para que uma determinada pessoa possa, por exemplo, reagir ao alimento cru e não reagir ao alimento cozido.

Há medicação disponível para tratar as alergias alimentares?
Quando a pessoa tem alergia grave a alimentos, tem uma terapêutica que deve andar sempre com ela, que é a adrenalina, que é usada em caso de emergência, quando o indivíduo faz anafilaxia. Estes medicamentos são para usar com prescrição médica e com o indivíduo a ser educado para a sua correcta utilização. Para além da medicação para a fase aguda, há uma medicação que poderá ser feita durante mais alguns dias. Depois disso, o indivíduo deixa de fazer medicação e tem de evitar o alimento. Em termos de tratamento, também é possível fazer a dessensibilização ao alimento, apenas quando este existe oculto em muitos dos alimentos processados. Em relação ao leite, por exemplo, existem alternativas: as crianças podem tomar leites hidrolisados, que são tratados de maneira a modificar a forma da proteína, fazendo com que a mesma não seja reconhecida pelo seu organismo. Há outra alternativa, a soja, que tem prevalecido em alguns países, nomeadamente do Sul da Europa, acima de tudo por uma questão económica, uma vez que é uma alternativa mais barata. No entanto, em alguns estudos aponta-se para um elevado número de crianças, cerca de 40%, que se irão tornar alérgicas a soja, pelo que esta solução poderá vir a agravar a situação clínica de base. 

Em que situações a dessensibilização ao alimento é possível?
Nos primeiros dois anos de vida, o sistema imunológico é imaturo – quando o bebé nasce, tem os anticorpos da mãe, mas vai perdê-los aos seis meses – é por isso que nessa idade os bebés começam a apanhar infecções, porque ficam sem defesas. Deve-se aproveitar este hiato dos primeiros anos de vida, para conseguir - se a “cura”, através da dessensibilização precoce daquela criança ao leite. Esta consegue-se com a ingestão de leites hidrolisados, durante os primeiros anos de vida. Durante este período, a capacidade de produzir anticorpos é reduzida, e portanto a produção da memória e amplificação da resposta imunológica ao contacto com as proteínas do leite de vaca, é diminuta, assim a ingestão de proteínas do leite modificadas leva ao esquecimento do contacto prévio com as proteínas do leite. Em relação a outros alimentos para além do leite, defende-se que a dessensibilização se faça não tanto pela importância do alimento, mas mais pelo risco da criança consumir esse alimento inadvertidamente. Temos o exemplo do ovo, em que é muito difícil fazer uma evicção completa, uma vez que é usado como componente de muitos alimentos que fazem parte da nossa alimentação no dia-a-dia. Quando se trata de crianças pequenas, é relativamente fácil fazer a evicção ao ovo ou ao leite, mas quando elas crescem, é mais difícil fazer esse controle, uma vez que passam a comer ou beber frequentemente fora do ambiente familiar. 

Qual a diferença entre alergia e intolerância alimentar?
A intolerância alimentar é uma coisa de que se fala cada vez mais e que não está relacionada com a alergia, tendo a ver, isso sim, com o nosso modo de vida e com a ingestão excessiva de alimentos. As pessoas podem ganhar intolerância a um determinado alimento devido seu consumo excessivo do mesmo. Não se deve ainda confundir alergia alimentar com reacções adversas aos alimentos em piores condições de conservação, sendo esta confusão justificada pela existência de sintomas comuns, como a diarreia e vómitos. Por outro lado, quando os alimentos estão em más condições de conservação, desencadeiam reacções adversas a qualquer indivíduo, isto é, mesmo em indivíduos sem qualquer predisposição para o desenvolvimento de doença alérgica, e não há reprodutibilidade dos sintomas em ingestões posteriores desse mesmo alimento em boas condições. Por fim, há outro de doenças relacionadas com a ingestão de alimentos, cuja justificação para a sua existência passa por um deficit de enzimas intestinais. Estes deficit são quantificados laboratorialmente, permitindo o seu diagnóstico e a exclusão duma possível alergia alimentar.  

 


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