Enf.ª Vera Gouveia Pestana - Especialista em Saúde Infantil e Pediatria veralgouveia@gmail.com O mundo é muitas vezes um lugar injusto e difícil e, quando o é para nós adultos, para as crianças certamente também o será. Lembremo-nos que é a lidar com pessoas e situações difíceis que as crianças se tornam adultos maduros e independentes, desde que os ajudemos a perceber a razão dos seus receios. No mundo dos adultos, ninguém poderá ser continuamente feliz, pois a vida é feita de adversidades e vemo-nos obrigados a contorná-las e vencê-las, para podermos continuar. O que na realidade queremos, são miúdos que consigam lidar e viver com os muitos sentimentos que as circunstâncias da vida proporcionam, ensinando-lhes a dar a volta e continuar. Ouça-o primeiro, se lhe fizer perguntas, devolva-lhe a pergunta de forma a perceber o que se passa na sua cabecinha, ajude-o a resolver o seu problema e não seja você a resolvê-lo. Por fim, não se esqueça de elogiá-lo e se o resultado não for o melhor, faça-o compreender que acredita nele, que tem a certeza de que para a próxima vai conseguir melhor. Não se esqueça de fixá-lo nos olhos com convicção, de sorrir ou de olhar seriamente, de forma que perceba que está a ouvi-lo e a tentar percebê-lo. Vejamos algumas formas típicas de comunicação que exemplificam várias formas de atitudes possíveis: Tratar com condescendência: -Como correu o teu dia? -Mal!! - Pobrezinho…anda cá e conta-me! - Temos um professor que avança muito depressa! - Que aborrecido! Queres que te ajude a fazer o trabalho de casa depois do lanche? - Deixei-o na escola. - Queres que eu telefone para a escola e fale com o professor? - Sei lá… - Vê lá! Não quero a tua educação prejudicada Pregar sermão -Como correu o teu dia? -Mal!! - Tens mesmo de que te queixar…quem me dera passar o dia a aprender e ter um dia sem preocupações! - Tenho um professor chato … -Não quero que fales dos teus professores assim. Se tivesses com mais atenção, não tinhas com que te preocupar! Achas que as coisas tê que ser todas servidas de bandeja? - Hum…. Desviar a atenção -Como correu o teu dia? -Mal!! - Deixa-te disso…não pode ter corrido assim tão mal! Queres uma sanduíche? - Obrigado. Estou preocupado com a aula de hoje… - Está bem, pode ser que não sejas nenhum Einstein, mas nem eu nem a tua mãe o somos. Liga a televisão e não deixes que essas coisas te aborreçam! - Iá… Possivelmente, reparou que em qualquer uma destas conversas só o pai (ou mãe) falaram. A criança não teve oportunidade de explicar o seu verdadeiro problema. Os sentimentos da criança perdem-se pelo caminho e o “pai” resolve (ou pensa que resolve) o problema. Vejamos o mesmo exemplo em atitude de escuta activa: -Como correu o teu dia? -Mal!! - Vê-se mesmo que estás aborrecido. O que foi que correu mal? - Temos um professor que avança muito depressa! - E tu estás com medo de não conseguir acompanhá-lo? - Sim! Pedi-lhe que me explicasse uma parte da matéria e ele disse-me que eu devia estar com mais atenção. - Hum…e o que é que achaste disso? - Fiquei furioso. Os outros miúdos fartaram-se de rir. - Então tu estás aborrecido por que te meteste em sarilhos por teres falado primeiro? - Estou. Não gosto nada de ser repreendido na frente dos outros! - E o que pensas fazer? - Não sei, mas talvez possa perguntar-lhe novamente no fim da aula. - Achas que isso poderia dar resultado? - Talvez. Pelo menos não me ia sentir envergonhado. Além disso, acho que ele também está um bocado nervoso connosco. - Achas que percebes o ponto de vista dele? - Acho que sim - Não admira: ensinar miúdos tão espertos! -Pois! Em certos casos, eles não querem a nossa ajuda, apenas o nosso apoio e, nestes casos, o pior que poderíamos fazer seria envolvermo-nos no assunto. A capacidade de escuta activa tem de ser praticada. Na Austrália, é ensinado em cursos o que se chama “Parent Effectiveness Training”. Segundo Bidduph (2003), esta forma de conversação tem proporcionado um grande alívio a muitos pais. Não têm que manter o filho feliz para sempre, nem de ultrapassar as suas dificuldades em vez dele. Ouvindo-o activamente, podem ajudá-lo, embora deixando-lhe a responsabilidade e o prazer de resolver os seus próprios problemas. O seu problema é uma oportunidade de experiência de aprendizagem, se o privarmos disso, ele poderá mais tarde pagar com juros muito altos, ao ponto de colocar em risco o seu bem-estar e o seu sucesso. Se nos absolvermos de colocar um penso rápido cada vez que as crianças têm um “dói-dói”, poderemos ajudá-los a ser cada vez mais autónomos na resolução dos seus pequenos problemas. Bem hajam todos os pais e educadores. |