JULHO 2011
FIBROMIALGIA
A Fibromialgia é uma síndrome dolorosa crónica que afecta sobretudo as mulheres entre os 30 e os 50 anos de idade. O Dr. Mário Rodrigues, médico especialista em Reumatologia, fala em entrevista acerca dos sintomas desta síndrome e do seu tratamento.

Em que consiste a Fibromialgia?
A Fibromialgia é uma síndrome dolorosa crónica, com algumas características peculiares. Durante muitos anos, a medicina não conseguiu deslindar se corresponderia ou não a alterações orgânicas, tendo sido associada a perturbações psicológicas, mas os estudos que foram sendo progressivamente feitos e as evoluções ao nível da técnica, nomeadamente com o advento da ressonância magnética funcional, permitiram perceber que a Fibromialgia tem repercussão/origem a nível do sistema nervoso central e que é um problema que ocorre quando este “lida” mal com estímulos dolorosos. Ou seja, nos indivíduos que têm esta síndrome, a dor crónica pode perpetuar-se, mesmo na ausência do estímulo original. Hoje em dia, isto está descrito como “síndrome de sensitização central crónica”, tendo sido demonstrada a ocorrência de alterações funcionais ao nível das zonas mais centrais do cérebro, nomeadamente os núcleos da base do crâneo e tálamo. Através de electromiografia funcional e por potenciais evocados, também foi possível demonstrar que ao nível das células da medula espinal, podem ocorrer curtos circuitos, que permitem que a sensação de estímulo doloroso seja transmitida para o cérebro, de forma autónoma.

Quais são os principais sinais e sintomas da Fibromialgia?
A Fibromialgia caracteriza-se por ser uma síndrome de dor e fadiga crónicas, que estão sempre presentes, e que se associam a um conjunto de outras manifestações, uma das quais é a perturbação do sono. Nestes doentes, o sono nunca chega a ser reparador, o que faz com que não consigam dormir de forma estável, pelo que não descansam como deve ser. Os doentes apresentam também pontos dolorosos específicos, típicos, nos membros superiores, na cintura escapular, na cintura pélvica, e nos membros inferiores. Para fazer o diagnóstico de Fibromialgia, é preciso que esses pontos estejam presentes tanto na metade superior como na metade inferior do corpo. Associado a este quadro, há um conjunto alargado de outras manifestações, com destaque para as de índole cardiológica, intestinal e ginecológica: a nível cardíaco, temos a chamada “Síndrome X”, a nível intestinal o cólon irritável e depois temos as doenças da área pélvica, sobretudo nas mulheres, como a dispareunia, que é a dor durante o acto sexual, sem haver uma causa objectiva; há também, por vezes,  queixas urinárias associadas, como a polaquiúria, por exemplo. Outro factor que temos de levar em conta é que cerca de 20 por cento dos doentes têm um quadro ansioso ou depressivo associado. A depressão muitas vezes é reactiva à situação clínica e não sua causa, porque frequentemente estes doentes enfrentam incompreensão face à sua situação, por vezes entre os próprios profissionais de saúde, no ambiente profissional, mas muito mais importante, no seu próprio ambiente familiar. E para o indivíduo que tem dores e cansaço permanentes, só o facto de outras pessoas colocarem isso em causa pode ser suficiente para que ele se sinta deprimido. Uma das coisas de que os doentes com Fibromialgia se queixam muito é de intolerância ao frio, o que faz com que se sintam pior no Inverno. De uma forma geral, os doentes não toleram bem a fisioterapia – a massagem directa e a manipulação parecem fazer com que as pessoas se ressintam, provavelmente devido à maneira como o seu sistema nervoso central lida mal com os estímulos potencialmente dolorosos. Por outro lado, a massagem relaxante e a hidroginástica são geralmente bem toleradas.

Qual a taxa de incidência desta doença na população?
A Fibromialgia é muito mais frequente nas mulheres, que são afectadas numa proporção de 20 para um relativamente aos homens, sendo encontrada por norma na faixa etária entre os 30 e os 50 anos. Estamos a falar de uma síndrome relativamente frequente, que atinge cerca de 13 por cento da população. No entanto, na minha perspectiva, neste momento está-se a hiper-diagnosticar a Fibromialgia. Ou seja, a muitos doentes do sexo feminino nesta faixa etária que apareçam com dores difusas, diagnostica-se erradamente Fibromialgia. No entanto, existem outras síndromes de dor crónica que não têm nada a ver com esta doença: podemos por exemplo, estar perante um caso de stress pós-traumático, que tem alguns pontos comuns com a Fibromialgia. Tal como falámos anteriormente, há um conjunto de outros sinais e sintomas que se têm de verificar obrigatoriamente para podermos dizer que estamos, efectivamente, perante um caso de Fibromialgia.

Como é que se faz o diagnóstico correcto da Fibromialgia?
Primeiro, temos de estar perante um caso em que se verifiquem, simultaneamente, a dor e fadiga crónicas, a perturbação do sono e os pontos dolorosos. Estas três manifestações têm, obrigatoriamente, de estar presentes, e depois podem estar os outros de que já falámos. Não há uma maneira simples de diagnosticar a Fibromialgia, uma vez que se trata de um diagnóstico de exclusão. Devemos ainda ter em conta que o doente pode ter Fibromialgia associada a outras doenças, como por exemplo a osteoartrose. Aliás, muitos especialistas defendem que a Fibromialgia é sempre reactiva, ou seja, há um factor desencadeante que leva ao estímulo doloroso – como por exemplo a artrite, a osteoartrose – havendo depois a persistência do sintoma para além do factor desencadeante, devido à dificuldade do sistema nervoso central em lidar adequadamente com os estímulos dolorosos. Há casos em que a Fibromialgia aparece associada a roncopatia e à apneia do sono (que interferem com o repouso nocturno normal) e outros factores desencadeantes podem ser o stress físico ou psicológico, embora sem a intensidade característica dos denominados síndromes do stress pós-traumático (ex-combatentes, por exemplo). Um factor que pode dificultar o diagnóstico é que poderão haver indivíduos que não têm estas dificuldades e apresentam estas queixas com o intuito de tirar benefícios secundários da situação, o que é algo que depois vem a prejudicar a imagem das pessoas que estão realmente doentes, perante a sociedade. São situações lamentáveis, especialmente se tivermos em conta que os doentes com Fibromialgia já têm de enfrentar incompreensão muitas vezes…

Como é feito o tratamento desta doença?
Um dos princípios fundamentais do tratamento médico da Fibromialgia passa por colocar os doentes a fazer esforços físicos regulares, de maneira a “cansá-los”, uma vez que a tensão muscular associada melhora, como consequência do esforço. Os doentes com Fibromialgia ficam em má forma física porque a não conseguem recuperar através do sono e repouso nocturnos e, à medida que a doença vai progredindo, a sua tolerância ao esforço vai diminuindo. O doente precisa ter capacidade de sacrifício para ir mantendo níveis de actividade física crescentes, sabendo que isso representa um esforço substancial, mas também tendo a certeza de que se persistir e tiver alguma capacidade de sofrimento, vai melhorar. É necessário explicar ao doente que a sua tolerância ao esforço diminuiu, como consequência da doença, e que a maneira de combater isso não é descansar cada vez mais, mas sim fazer o oposto. Isto é algo que os doentes percebem rapidamente, porque se acordam pior do que quando foram dormir, é evidente que o repouso não é o melhor caminho. E isso torna-se ainda mais evidente quando após o exercício conseguem ir para a cama e dormir, devido ao cansaço provocado pelo esforço, coisa que não conseguem fazer quando os músculos estão “descansados”.

Que outras terapias são utilizadas no tratamento desta doença?
Do ponto de vista farmacológico, o tratamento aceite hoje em dia é feito à base dos relaxantes musculares e dos analgésicos. Já os anti-inflamatórios são pouco ou nada eficazes. Os anti-depressivos poderão ser utilizados, sobretudo os tricíclicos. Recentemente, foi feita uma investigação de fundo sobre um medicamento que era usado como anti-depressivo, o minalcipran, tendo-se vindo a demonstrar que, numa dose relativamente elevada, apresenta poucos efeitos secundários e tem um efeito benéfico nestes doentes. Portanto, este medicamento, que é um inibidor da recaptação da serotonina e nor-adrenalina, está indicado para o tratamento da dor, e eventualmente da depressão associada, nos doentes com Fibromialgia. Isto porque o mecanismo da acção passa muito pelos mediadores associados à dor crónica: as células nervosas funcionam por estímulos eléctricos e a comunicação entre duas células faz-se mediante a libertação de mediadores químicos, como a serotonina. A perturbação relativa à libertação e recaptação de serotonina está associada à depressão e muitas vezes à dor crónica. Na mesma linha de raciocínio, também se usa a Duloxetina. Recentemente, surgiu um outro produto, que é a pregabalina, que está aprovada nos Estados Unidos pela Food and Drugs Administration (FDA) para o tratamento da Fibromialgia e para a neuropatia diabética. Depois, há um conjunto de outras terapêuticas que são importantes, nomeadamente o apoio psicológico, as terapias comportamentais, etc. No âmbito das ditas medicinas alternativas, a acupunctura parece ter um efeito analgésico que pode ajudar estes doentes, quando usada como terapia complementar.


 


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