JUNHO 2011
FRACTURAS: PREVENçãO DE ACIDENTES é FUNDAMENTAL
Entre as principais causas de fracturas e traumatismos podem ser encontrados os acidentes de trabalho e de viação, que podem ser reduzidos através da observação das normas de segurança, defende em entrevista o Dr. Manuel França Gomes, médico ortopedista.

Ao nível da traumatologia, quais são as lesões mais frequentes?
Relativamente aos traumatismos que acontecem devido a acidentes domésticos, penso que as fracturas de punho e a fractura da tibiotársica, serão as mais frequentes. Isto tem a ver com situações em que as pessoas fazem uma entorse do pé mais forte, ou no caso da fractura de punho, quando caem e usam o punho para amortecer a queda. A fractura de colo do fémur também é frequente, embora tenha mais a ver com a idade da pessoa – por vezes, quando a pessoa está a caminhar e faz uma entorse mais forte, pode levar a fazer uma fractura de colo de fémur se tiver osteoporose. Já ao nível dos acidentes de viação, lidamos por norma com casos de pessoas politraumatizadas, normalmente com fracturas dos membros inferiores. Nos acidentes de trabalho, lidamos com uma multiplicidade de fracturas, porque estas dependem muito da actividade específica da pessoa. Por exemplo, se uma pessoa que trabalha com escadas ou andaimes tem um acidente, normalmente sofrerá traumas múltiplos, por vezes com lesões da coluna. No caso de um mecânico de automóveis, as lesões mais frequentes surgem nos membros superiores, ou porque o macaco não está bem seguro e o carro cai, ou porque lhes cai uma peça pesada na mão, etc. A maioria destes acidentes é evitável, nomeadamente através das acções levadas a cabo no âmbito dos procedimentos de higiene e segurança no trabalho.

A legislação introduzida nos últimos anos tem levado à redução no número de acidentes?
Tem havido um decréscimo, embora talvez não tão grande como se desejasse. Por exemplo, no sector da construção civil, é obrigatório o uso de acessórios de segurança como coletes, capacetes, etc., mas infelizmente continua a ser frequente não serem utilizados, apesar de a situação ter melhorado nos últimos anos, fruto da introdução dessa legislação. Por outro lado, convém registar que, devido à situação económica que o país atravessa, tem havido um decréscimo acentuado da actividade no sector da construção civil, o que também ajuda a explicar uma diminuição no número de acidentes neste sector, pelo que é preciso ter cuidado ao interpretar as estatísticas. Já ao nível dos acidentes de viação, podemos dizer que houve um aumento no número de pessoas traumatizadas após o advento da via rápida - por norma, quanto maior é a velocidade do impacto, mais graves são as lesões, e com maior gravidade nos veículos de duas rodas. Muitos destes acidentes também são evitáveis: basta para tal que as pessoas tenham consciência dos riscos acrescidos que correm ao conduzir a alta velocidade ou sob o efeito do álcool. Mais que uma questão de maior fiscalização, é sobretudo uma questão de consciência cívica.

A tendência de envelhecimento da população está levar a um aumento do número de acidentes domésticos?
Estamos a ficar com uma população envelhecida e há uma relação de causa-efeito em relação a esta estatística e a um aumento do número de facturas osteoporóticas, nomeadamente as fracturas do colo do fémur. No entanto, convém referir que os avanços na prevenção da osteoporose, nomeadamente com o advento de novas medicações, particularmente suplementações – cálcios, derivados hormonais – ajudam a combater esta tendência, pelo que a mesma não é demasiado acentuada.

Há diferenças no tipo de fracturas sofridas por crianças e por adultos?
O osso da criança, é um osso em crescimento, pelo que tem uma fisiopatologia completamente diferente do osso do adulto. Não é tão fácil de partir, porque é mais elástico, pelo que é mais frequente fazer a chamada fractura em “ramo verde”, em que não há uma secção completa do osso, havendo isso sim, “amolgamentos” de algumas zonas do osso. Podemos comparar o processo a quando se amolga uma garrafa de plástico, que rapidamente recupera a forma. Os ossos da criança têm em todas as suas extremidades as chamadas cartilagens de conjugação, que são as zonas por onde crescem, o que explica que sejam, fundamentalmente, elásticos. Já os ossos do adulto não crescem, não têm estas cartilagens de conjugação e são rígidos: isto leva a grandes diferenças em termos do processo de recuperação. Os jovens recuperam normalmente em duas a três semanas com imobilizações engessadas, enquanto se um adulto fizer uma fractura completa no antebraço, por exemplo, já terá de enfrentar uma imobilização de entre seis a oito semanas. Muitas vezes, as fracturas nos adultos atingem graus de angulação que obrigam a cirurgias, enquanto numa criança, dependendo da altura do crescimento, poderá não ser necessária cirurgia para a mesma lesão. Isto sucede porque osso da criança vai crescer pelas pontas e vai anular a angulação adquirida pela factura, enquanto o osso do adulto, como já não cresce, vai consolidar com essa angulação, pelo que tem necessariamente de haver uma cirurgia para a reduzir.

Quais os principais tipos de fracturas que afectam as crianças?
Nas crianças, há dois tipos principais de fracturas: aquelas que resultam do desporto escolar, e depois temos os acidentes propriamente ditos, porque as crianças estão a correr e tropeçam, por exemplo. As lesões que ocorrem nas aulas de educação física estão normalmente associadas ao próprio desporto em si. Por exemplo, no andebol, no voleibol e, com uma menor incidência, no basquetebol, são extremamente frequentes as lesões dos dedos, muitas vezes sem fractura, mas com roturas ligamentares, com edemas, com hematomas… Estamos a falar de ossos que ainda estão em crescimento, não têm a mesma resistência que os ossos do adulto e, ao darem aqueles toques de mãos, podem sofrer lesões.

Relativamente à recuperação, também existem diferenças?
No caso das crianças, raramente as fracturas exigem uma recuperação funcional depois do tratamento, excepção feita às chamadas fracturas supracondilianas, que são ao nível do cotovelo e que, efectivamente, provocam um bloqueio na função extensão do antebraço, pelo que algumas vezes, será necessária fisioterapia. Já no caso dos adultos, quase sempre será necessária recuperação ulterior, cuja duração poderá ser maior ou menor consoante factores como a gravidade da factura, o próprio estado psicológico do paciente, etc. Habitualmente, neste tipo de lesões, a adesão à terapêutica é grande, porque os doentes querem recuperar a sua actividade funcional. O que se passa por vezes, é que os pacientes nem sempre cumprem na íntegra as recomendações do médico… É importante cumprir com os períodos de repouso e de carga recomendados. Por exemplo, se um doente que fez uma fractura num membro inferior começar a pôr o pé no chão antes de tempo, porque lhe é mais fácil que andar de canadianas, isso pode levar a situações de fracturas e refracturas, que vão aumentar depois o período de tratamento e de recuperação.

Que avanços técnicos que ocorreram nesta área nos últimos anos?
Na área da cirurgia, por exemplo, dispomos hoje em dia de uma grande série de materiais para utilizar de forma endomedular, ou seja, dentro do osso, que já não obrigam a grandes incisões na pele. Mas claro que cada fractura continua a ter a sua indicação, podendo haver duas ou três técnicas cirúrgicas disponíveis para o seu tratamento. Há toda uma panóplia de factores que pesam na decisão por uma ou por outra, tais como o estado geral do doente, a sua idade, a prática do cirurgião, etc.

Quais os maiores desafios enfrentados pelo especialista nesta área?
Em termos de ortopedia, o maior desafio passa por termos tempo e espaço para tratar todas as doenças osteoarticulares degenerativas: tempo, porque a traumatologia ocupa uma grande fatia do trabalho ortopédico e espaço, porque não podemos, por exemplo, operar um doente para colocar uma prótese num joelho hoje e depois dar-lhe alta no dia seguinte. Obviamente, as listas de espera podem ser reduzidas, mas só até um determinado ponto. O combate às listas de espera é digno, é salutar, é de incentivar, mas é um problema que nunca se irá resolver por completo, nem aqui nem em nenhuma outra parte do mundo.

O envelhecimento da população pode contribuir para adensar o problema das listas de espera?
É possível. Por exemplo, as artroses do joelho e da anca são extremamente frequentes aqui na Região, levando a que muitas vezes tenha de existir intervenção cirúrgica, com o correspondente impacto ao nível das listas de espera. Isto acontece porque uma parte substancial da nossa população continua a fazer a sua produção agrícola cavando em socalcos e tem de caminhar por veredas e caminhos irregulares. Ao envelhecer, esses indivíduos têm uma maior incidência de artroses nas grandes articulações, como consequência dos microtraumatismos que foram sofrendo ao longo de décadas. Depois, temos factores predisponentes individuais, inclusive o próprio consumo do álcool, que pode originar a necrose asséptica da cabeça femural, com consequente artrose da anca. Sublinho, no entanto, que as artroses não são exclusivas das idades avançadas, podendo ocorrer em pessoas mais jovens, e por outro lado, também não são exclusivas de indivíduos que têm profissões mais desgastantes em termos físicos, podendo ocorrer em pessoas sedentárias.

 


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