FEVEREIRO 2011
APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO
A Apneia Obstrutiva do Sono é uma doença que, segundo estimativas recentes, afecta cerca de 500 mil pessoas em Portugal, a maioria dos quais não está diagnosticada. A Dra. Conceição Pereira, médica especialista em Pneumologia, fala em entrevista acerca desta doença de efeitos potencialmente devastadores, alertando para a necessidade de tratá-la a tempo.

Em que consiste a apneia obstrutiva do sono?
A síndrome da apneia obstrutiva do sono é uma condição clínica caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas que resulta da obstrução da via aérea superior. O encerramento inspiratório verifica-se a nível da orofaringe, ou seja, ao nível do pescoço. Essa obstrução leva a paragens respiratórias com a duração superior a 10 segundos e mais de 5 por hora, durante o sono, período em que há um relaxar do conjunto de músculos responsáveis pela permeabilidade das vias aéreas nas diferentes fases do sono - são cinco no total - e em cada ciclo. O relaxamento da parte muscular não é igual ao longo dessas diferentes fases. Fundamentalmente, o que acontece é que se dá a obstrução e se o ar não entra nem sai, não há ventilação, pelo que não chega oxigénio nem é libertado dióxido de carbono.

Quais são as causas desta doença?
A principal causa é a obesidade, presente em mais de 60 por cento dos doentes. No entanto, podem ocorrer formas graves da doença em pessoas com peso normal. Os mecanismos envolvidos são complexos e ainda não estão completamente esclarecidos. O refluxo gastro-esofágico pode levar a alterações degenerativas nas estruturas nervosas dos músculos que têm por objectivo manter a via aérea superior permanentemente aberta. Ou seja, mesmo quando a pessoa está a dormir, há um conjunto de músculos que estão em actividade, de maneira que a via aérea não sofra um colapso. Nas pessoas que têm esta doença, os músculos que deveriam manter uma certa tensão, de forma a evitar o encerramento, ficam relaxados e dá-se a obstrução da via aérea superior. O álcool e os sedativos também favorecem esse relaxamento. A apneia obstrutiva do sono também pode ser causada pela irritação provocada por determinadas substâncias irritantes, nomeadamente o fumo do tabaco e outros poluentes inalados, como substâncias tóxicas, que podem provocar lesões das estruturas nervosas quando inaladas cronicamente, mas a causa principal é a obesidade. A maior parte das pessoas que sofrem deste problema são obesas. A acumulação de tecido adiposo no pescoço provoca compressão e alterações nas estruturas nervosas dos músculos. Há pessoas que podem não ser tão obesas quanto isso, mas têm uma constituição anatómica que favorece a apneia do sono, pois têm pescoços relativamente curtos e isso, conjugado com algum excesso de peso, vai levar ao aparecimento desta doença. Por isso, para alguns seis ou sete quilos a mais, são tão graves como 30 quilos para outros. De referir também, que as pessoas que dormem mal têm tendência a engordar, devido a alterações que se passam a nível do cérebro, com a libertação de determinadas substâncias, constituindo um círculo vicioso: a obesidade provoca a apneia e esta, por sua vez, também contribui para piorar o problema da obesidade. Doenças endócrinas ou tecidos moles, muito abundantes, a nível da orofaringe podem também ser responsáveis por apneia obstrutiva do sono. Nas crianças, amígdalas ou as adenóides relativamente grandes, provocam obstrução. Por vezes, este volume exagerado das amígdalas é causado do por fenómenos alérgicos: a alergia provoca uma reacção inflamatória crónica com estimulação contínua. Falamos em alergias aos ácaros do pó da casa, aos pólenes, e até como reacção ao frio, por exemplo. Por fim, há pessoas magras sem outros factores de risco, mas que têm apneia do sono devido à sua estrutura craneo-facial: muitas vezes têm o queixo retraído, o chamado retrognatismo, ou um queixo muito pequeno, o chamado micrognatismo, no contexto de outra doença ou então apenas como traço familiar constitucional.

Quais são as principais consequências da apneia do sono para a saúde?
Quando ocorre a apneia, o oxigénio do sangue baixa, levando a que falte em órgãos vitais, nomeadamente o coração e o cérebro, onde esta falta tem um carácter mais lesivo. A apneia do sono é uma das principais causas de enfartes do miocárdio, de arritmias, que são bastante frequentes… A falta de oxigénio também pode levar a complicações ao nível do rim, podendo ser responsável, através de um mecanismo complexo, pela hipertensão arterial. Nos casos em que a hipertensão arterial não responde à terapêutica habitual, é aconselhável fazer estudo do sono, para saber se a causa subjacente é a apneia do sono. Os acidentes cerebrovasculares e a diabetes também são muito mais frequentes nestas pessoas. De referir a maior propensão para infecções por diminuição das defesas devido à privação crónica do sono… Referimos as principais complicações da apneia mas os sintomas, por si só tem um impacto importante ao nível da qualidade de vida destes doentes. Para além da sensação de fadiga matinal, estas pessoas têm também dores de cabeça, apresentam alterações cognitivas nomeadamente falhas de memória, muitas vezes têm uma irritabilidade acentuada além da sonolência diurna excessiva. Existem também alterações ao nível da libido, levando por vezes, à impotência nos homens. A insónia e a depressão são consequências da privação crónica do sono. Nas crianças, a apneia do sono leva ao atraso do crescimento e desenvolvimento: é durante o sono, mais especificamente nas fases profundas do sono, que se liberta a hormona do crescimento. As crianças que têm este problema raramente atingem as fases profundas do sono, pelo que essa hormona não se liberta, com atraso estato-ponderal e cognitivo. Acresce que as crianças que dormem mal apresentam hiperactividade, ao contrário dos adultos, que têm hipersonolência. É fundamental a atenção dos pais, de modo ao tratamento ser o mais precoce possível. Devem referir o problema ao pediatra, que encaminhará para um especialista.

Quais são os sinais e sintomas mais frequentes?
Em termos de sinais, por norma estes doentes são grandes roncadores e têm hipersonolência diurna, ou seja, adormecem facilmente em qualquer local e a qualquer hora. Já relativamente aos sintomas: estas são pessoas que acordam com uma sensação de fadiga, de noite mal dormida. A diminuição do nível de oxigénio no sangue provoca, os chamados “microdespertares”. Numa apneia grave, estes microdespertares são superiores a 30 por hora, ou seja, um a cada dois minutos… E há doentes que têm índices de mais de cem e até duzentos, por hora. No fundo, estas pessoas não chegam a dormir, daí a fadiga matinal, as dores de cabeça e o adormecer muito facilmente em qualquer local e a qualquer hora, responsável por muitos acidentes laborais e de viação.

Quais são os principais tratamentos disponíveis?
O tratamento mais frequente é a ventiloterapia. Consiste no uso de aparelho que, através de uma máscara fornece ar (não oxigénio), a uma pressão positiva que impede que a via aérea superior encerre durante o sono. Esta pressão é definida conforme as necessidades específicas do doente em questão. De salientar que a perda de peso, nos obesos ou com excesso de peso, é indispensável. Passa por uma dieta adequada e o exercício físico frequente e regular. Nos casos de hipotiroidismo, o tratamento será feito pelo endocrinologista; malformação crânio-facial, pode ser necessária cirurgia maxilo-facial. Outro tipo de intervenção possível é a cirurgia a laser nos casos de pessoas que têm a úvula (a chamada “campainha”) e o véu do palato demasiado exuberantes, podendo ser possível fazer a resseção desses tecidos. Hoje, este é um procedimento relativamente simples, com um internamento muito curto e com muito bons resultados quando realizado por profissionais experientes nesta área.

E relativamente a alterações ao nível do estilo de vida?
No caso das pessoas obesas, existem situações em que, com a perda de apenas alguns quilos, a sua situação melhora muito. É importante uma alimentação adequada, de quatro a seis refeições por dia. Se a quantidade de açúcar no organismo se mantiver sempre mais ou menos constante, a pessoa não vai ter tanta fome, e o próprio metabolismo não terá tendência a ficar desregulado. O exercício físico é outro aspecto fundamental: as pessoas devem reservar parte do seu tempo para fazer exercício. E não é indispensável o ginásio: basta andar a pé. Evitar álcool, tabaco e refeições abundantes ao jantar, são também fundamentais. O consumo de sedativos e medicamentos para dormir não é aconselhável.

Como é que se faz o diagnóstico da apneia do sono?
O diagnóstico faz-se por Estudo Poligráfico do Sono Nocturno (Polissonografia), exame que deverá ser realizado preferencialmente em laboratório do sono. O doente é monitorizado e acompanhado por um técnico com formação especializada nesta área da Medicina do Sono, sob supervisão médica. São registados vários parâmetros, nomeadamente o número de apneias por hora, o valor da queda do oxigénio no sangue durante essas paragens respiratórias e os microdespertares. O registo, que fica em computador, deve ter a duração de 7 a 8 horas. Isto faz-se através de eléctrodos colocados na cabeça e na face, registo do fluxo oro-nasal, bandas no tórax e no abdómen, que permitem verificar a existência movimentos torácicos e abdominais. O registo do ruído respiratório, da actividade muscular, do movimento dos olhos são também fundamentais para um diagnóstico adequado.

Quantas pessoas são afectadas por esta doença em Portugal?
Estima-se que a apneia obstrutiva do sono atinja entre 4 a 6 por cento da população portuguesa adulta e 2 por cento das crianças, sendo que a maioria não está diagnosticada. Não existem estudos epidemiológicos nacionais, os números não deverão ser muito diferentes de Espanha, onde a prevalência é de 6,8 por cento. É importante não ignorar a situação, até porque esta doença tem tratamento. Não tratada leva, inevitavelmente, a consequências graves. A Medicina do Sono é uma área relativamente recente e só de há pouco tempo a esta parte se passou a falar deste problema, o que explica, em parte, que continue a haver um desconhecimento grande da problemática por parte da população em geral. É uma área multidisciplinar: em Portugal e com uma única excepção, todos os médicos que trabalham em Medicina do Sono têm formação de base noutros campos, como por exemplo Pneumologia, Neurologia, Otorrinolaringologia, Psiquiatria etc. A Associação Portuguesa de Sono tem vindo a fazer diligências, junto da Ordem dos Médicos, no sentido de ser criada a competência. Pensamos que a tendência no futuro será para a especialização, à semelhança do que acontece nos Estados Unidos e na Alemanha. Uma mensagem que importa passar para o público em geral, tem a ver com os custos do tratamento nomeadamente a ventiloterapia, comparticipada a 100 por cento, pelo Serviço Regional de Saúde, o que não pode constituir desculpa para o não tratamento. Esta doença constitui, pelas suas consequências, um Problema de Saúde Pública


 


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