JANEIRO 2011
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS
Enf.ª Vera Lúcia Gouveia Pestana
Especialista em Saúde Infantil e Pediatria
veralgouveia@gmail.com

Brincar é um acto social, um caminho para a comunicação para consigo próprio e para com os outros, experimentando e compreendendo o mundo, construindo e testando os seus sentimentos, inseguranças e medos. A descoberta de que as experiências da primeira infância moldam profundamente o cérebro das crianças tem vindo a alterar a forma como encaramos as necessidades infantis.

O que acontece?
Nos últimos anos a ciência tem conseguido demonstrar muitas coisas que já sabíamos intuitivamente e uma delas é o facto de que a estimulação que os bebés e as crianças recebem determina as ligações cerebrais que se estabelecem. Inversamente, uma ligação que nunca é usada, tende a extinguir-se. É fundamental a relação nas brincadeiras com uma pessoa significativa, pois experiências existenciais são fundamentais no desenvolvimento infantil.

Que brinquedos oferecer?
Inicialmente começamos a sugerir o próprio dedo. Observe um recém-nascido: ao encontrar o seu dedinho e colocá-lo na boca ele reorganiza-se, acalma-se e mostra aos pais o quanto poderá ser já independente. O seu corpo associado também ao da mãe é o seu primeiro brinquedo. O contacto é “pele a pele” e “pele e boca”, mostrando uma nítida associação com a amamentação. Aprende a tocar e ser tocado, estabelecendo os seus próprios limites, sendo este, pois, o começo da sua própria identidade (eu...e os outros).

Objectos com cores vivas, em movimento, com sons suaves tolerados pela criança (que não os irrite em vez de acalmar) podem ser oferecidos à criança. Um pouco mais à frente, um coelhinho macio poderá substituir a mãe quando esta está ausente. Para ele transfere as suas emoções agressivas e de amor, servindo de vector de experimentação dessas mesmas emoções e ao mesmo tempo de pilar de segurança. Posteriormente, estes “objectos de transição”são substituídos por materiais que correspondem ao seu próprio desenvolvimento físico, a sua crescente curiosidade pelo meio e ao mesmo tempo o ganho de autonomia em especial proporcionado pela maior agilidade de movimento. Acham muita graça em “abrir, fechar, esvaziar, misturar e ajustar” coisas.

A partir de um ano e meio, com o controlo do chichi e do cocó, a criança experimenta alterações psicológicas importantes. Apercebe-se que se pode controlar a partir de comportamentos próprios. Logo, os materiais de construção e puzzles com cerca de três peças, oferecem a oportunidade tanto de construir como de destruir conforme a sua vontade. A experiência das texturas associadas à construção é uma oportunidade a considerar, nomeadamente a areia, a argila, a água, sempre com controlo do adulto por perto. Comportamentos de imitação estão também presentes em especial do pai e da mãe.

A partir dos três anos, a criança prefere brinquedos que lhe permitam experimentar as suas tendências e preferências. De considerar, no entanto, que as atitudes e brincadeiras, não deverão ser nem reforçadas, nem proibidas, com diferenciação de brinquedos exclusivos para menino ou menina, uma vez que se poderá criar um risco acrescido nas expectativas na criança, quanto a um papel sexual, impedindo que se desenvolva de uma maneira natural.

Ao brincar, a criança está apenas reconhecendo, descobrindo, aprendendo, característica nata do seu desenvolvimento, seja com uma boneca ou com uma bola.

As brincadeiras que implicam o faz-de-conta ou a imaginação que envolve dramas humanos (bonecos a abraçarem-se ou a lutar) ajudam a criança a aprender e a relacionar-se com a imagem ou uma representação com um desejo e usar depois essa imagem para pensar. Ajuda a criar relações de empatia com os outros e a corresponder a expectativas. Quando as crianças estão no seu mundo de fantasia, é desaconselhável trazê-las à realidade.

Muitos pais questionam o facto de oferecer brinquedos à partida agressivos, como armas, receando comportamentos agressivos da criança.

Por volta dos 4 - 5 anos, é habitual, em especial nos rapazes, este sentimento agressivo. Proibir não faz desaparecer os sentimentos, faz com que as crianças construam as suas próprias armas, com paus, rolos de papel ou com o próprio dedo, vocalizando estalos pela boca. A maioria dos autores consideram que é melhor que sejam eles a construir as suas próprias armas, levando-as a ser mais criativos, ao usar a sua imaginação, e ao mesmo tempo explorando as suas próprias fantasias em vez de brincarem com fantasias dos adultos que desenham armas de brincar cada vez mais sofisticadas...e caras.

Se os pais puderem deixar os filhos experimentar seus sentimentos de agressividade em segurança, através de lutas a brincar, e aprenderem a identificá-los e a falar por eles, os filhos estarão melhor preparados para lidarem com tais sentimentos. À medida que a criança se aproxima da idade escolar, a satisfação do brincar cede à satisfação do concluir algo, ou seja, a criança sente prazer não na actividade por ela mesma, mas sim em seu resultado. As pinturas, livros didácticos, novamente as construções e puzzles (agora mais elaboradas), entre outros, poderão ser uma boa aposta. Por volta dos 10 anos, ou às vezes antes, as colecções, os mini laboratórios, material de pesca, prendas domésticas, são exemplos possíveis.

Acima de tudo, há que adaptar o brinquedo ao temperamento da criança, ao interesse que demonstra, assegurando-se que resiste à experimentação e tem durabilidade.

Há também que assegurar-se da sua segurança (materiais tóxicos são perigosos, assim como peças pequenas em idades impróprias) e o excesso de ruído. A criança, com as contínuas exigências de adaptação a que está submetida no seu dia-a-dia, está exposta a ansiedades, sendo o brinquedo um meio privilegiado de comunicação de que dispõe para se relacionar. Brincando, ela revela-se aos outros e a si própria. É a ponte que a permite ligar o mundo externo e interno, a realidade objectiva e a fantasia.


 


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