NOVEMBRO 2010
TOXICODEPENDêNCIA: CENTRO DE SANTIAGO AJUDA A RECONSTRUIR VIDAS
O flagelo da droga é um problema transversal na sociedade, podendo afectar pessoas de todos os extractos sociais. A Dra. Manuela Parente, psicóloga clínica, coordenadora da Unidade de Tratamento da Toxicodependência do Centro de Santiago, explica em entrevista como são apoiadas as pessoas que pretendem deixar o consumo, bem como as suas famílias.

Há quanto tempo funciona a Unidade de Tratamento da Toxicodependência no Centro  de Santiago?
Já funciona desde o ano 2000, embora nessa altura não tivesse disponíveis todos os serviços que temos hoje em dia. Temos agora a consulta externa e o internamento aqui no Centro de Santiago. Na unidade de Santo Amaro, funcionam o Centro de Dia e o Programa de Redução de Riscos e. Minimização de Danos O Centro de Dia é um espaço que permite o desenvolvimento de competências de sociabilização, como ir ao supermercado fazer compras, cozinhar… São coisas que parecem perfeitamente óbvias, mas estamos a falar de pessoas que estiveram anos sem “ritmos” e que neste espaço vão retomar todos estes hábitos. No âmbito do Programa de Redução de Riscos e Minimização de Danos, temos uma unidade móvel que percorre várias zonas da Região e em que vão sempre um enfermeiro e um técnico de referência. Para além da troca de material de consumo, esta unidade tem um programa de metadona direccionado para pessoas que ainda não se decidiram a fazer o seu tratamento, com o objectivo de as motivar para tomar esse passo. Por vezes as comunidades não entendem o nosso papel: há pessoas que pensam que se nós entregamos seringas, é porque queremos que as pessoas consumam, o que não é verdade. Ter as seringas na rua é perigoso e por isso é muito melhor que as pessoas as troquem num espaço próprio. Por outro lado, se a pessoa não partilhar seringas, vai correr menos riscos de contrair doenças, o que a beneficia não só a ela mas também ao parceiro. Todos os ganhos que se retiram daqui não beneficiam apenas a pessoa em causa, mas também a comunidade, mesmo ainda havendo consumos. Este programa de redução de riscos e minimização de danos significa exactamente isso: Reduz os riscos de saúde e sociais da pessoa com problemas de consumo de drogas, protegendo-a e a toda a comunidade.

A quantas pessoas já deram apoio?
Já passaram por cá mais de 2.000 utentes. Temos uma taxa de retenção à volta dos 60 por cento, ou seja, de pessoas que vêm aqui uma primeira vez e depois se mantêm connosco. O que nós entendemos como sucesso passa por diminuir a frequência dos consumos, reduzir as recaídas no tempo e integrar as pessoas na sua comunidade. Ou seja, começarem a trabalhar, estarem integrados na sua família e serem capazes de organizar-se a partir daí. E depois, há os pequenos sucessos, que nós, os profissionais que trabalhamos nesta área e as pessoas que vivem com toxicodependentes, percebem: aquela pessoa que não tomava banho, não se arranjava, e que, a partir de certa altura do seu tratamento, mesmo que ainda esteja a consumir, já chega arranjada às consultas, toma o seu banho, já faz uma gestão do seu consumo, já põe a possibilidade de parar definitivamente… para nós, cada um destes passos é muito importante na reconstrução da vida de pessoas que, por vezes, começaram muito cedo a desorganizar-se.

Algumas pessoas acreditam que actualmente se verifica um aumento do uso de drogas. Esta percepção é real?
Desde 2000, não houve uma variação significativa no número de pessoas que procuram a nossa ajuda. No entanto, não disponho de dados que me permitam extrapolar para os números relativos à evolução no número de toxicodependentes. Este centro dá apoio, essencialmente, a pessoas com dependência de heroína, sendo que estas representam cerca de 90 por cento da nossa população alvo. Isto não quer dizer que consumam apenas heroína: muitas vezes, há um consumo concomitante, porque para além da heroína consomem cocaína, cannabis, álcool, etc. Também damos apoio a pessoas dependentes exclusivamente da cocaína, mas neste caso em muito menor número. Relativamente a outros consumos, como a cannabis, também nos chegam aqui pessoas, por exemplo enviadas pelos pais. Quando tem a ver com estas substâncias, nós encaminhamos para as consultas existentes nos centros de saúde das áreas de residência.

Há um perfil “típico” do toxicodependente?
Hoje em dia isso é algo que já não existe. Podemos dizer que maioritariamente são homens que nos procuram, mas dentro destes podemos encontrar jovens e pessoas já de certa idade ou pessoas que vêm de meios socio-económicos carenciados, enquanto outras vêm de meios até bastante favorecidos. Podemos dizer que determinados contextos sociais poderão ser mais propícios, nomeadamente onde existe muito desemprego ou violência, que são situações com riscos óbvios. Mas não podemos dizer que há meios de onde não podem sair toxicodependentes. Este é um problema que é transversal na nossa sociedade.

Como funciona o processo para as pessoas que pretendem fazer tratamento?
É um processo que tem muitos passos e varia de pessoa para pessoa. A marcação da primeira consulta, a chamada consulta de acolhimento, pode ser feita presencialmente ou por telefone, tanto pelo próprio como por outra pessoa. Há pessoas que chegam aqui sozinhas, outras que o fazem através da família e outras ainda através de instituições que lidam com esta problemática, como a Direcção Geral de Reinserção Social. As primeiras consultas realizam-se às quartas-feiras, de manhã ou de tarde. O utente é visto pelo médico, pelo enfermeiro e pelo psicólogo e sempre que necessário pelo técnico de serviço social: a intervenção nesta área tem forçosamente de ser feita em equipa. Estes técnicos articulam e de acordo com a história do utente é elaborado o seu projecto terapêutico. Existem pessoas que ainda não conseguem pensar em parar de consumir, mas querem trabalhar a sua motivação. Há muitas possibilidades e nós temos de adaptar o tratamento a cada caso específico. A desabituação física, habitualmente feita em regime de internamento, também poderá ser feita em casa, mas apenas em condições especiais.

Que condições são essas?
Pode ser feita em casa quando o utente tem uma família organizada, que nos dá segurança de que serão seguidos os passos por nós definidos. Da mesma maneira que nós temos uma equipa de enfermeiros permanente, em casa tem de estar um familiar sempre a acompanhar a pessoa (24 horas); terá de dar a medicação às horas e nas situações em que é necessária, etc. O utente não pode receber visitas, não pode receber cartas nem telefonemas e só poderá sair numa situação extrema e acompanhado. A pressão que vem do exterior é muitas vezes nefasta. O utente pode ter muita vontade de deixar de consumir, mas se depois chega lá uma pessoa que diz: “tenho aqui produto” ou então “deixa lá isso”, às vezes é suficiente para fazer com que a pessoa abandone aquele trajecto. Há muitas pessoas lá fora que já tentaram fazer tratamento e não conseguiram e que nestas situações tentam desestabilizar. E claro, existe também a pressão por parte daquelas pessoas que vendem a droga. Sem o apoio da família, este processo torna-se muito mais difícil. Não é por acaso que nós investimos muito na intervenção familiar: é preciso que as famílias percebam o fenómeno, porque existem mitos à volta da questão da toxicodependência que é importante desmistificar. As famílias podem procurar-nos independentemente de os seus familiares já estarem ou não em tratamento. Temos vários grupos de famílias a funcionar todos os dias e as pessoas podem chegar e integrar um desses grupos, partilhando as suas experiências e recebendo apoio por parte de técnicos. Quando necessário os familiares podem ter apoio individual.

Quanto tempo poderá durar o tratamento?
 Após o acolhimento é preciso ver primeiro o estado de saúde da pessoa, pelo que têm de ser feitos vários tipos de análises e de exames. Enquanto as pessoas estão à espera, vão sendo já “canalizadas”: poderão ser integradas em grupos terapêuticos de primeira fase, em que serão acompanhadas por um psicólogo e um enfermeiro, preparando-as e motivando-as para o tratamento. Algumas pessoas que não têm características para estar em grupo, vão logo para a consulta individual. O projecto terapêutico variável de acordo com as características individuais, quer seja com desabituação física ou integrado num programa de substituição comporta obrigatoriamente o acompanhamento médico e psicológico este último com uma regularidade semanal e quinzenal. Devido à sua dimensão multifactorial, o acompanhamento é variável mas prolongado no tempo.

Como funciona a terapêutica: antagonista ou agonista (terapêutica de substituição)?
O programa agonista funciona em dois registos: o primeiro é de alto limiar de exigência, para doentes que estão integrados na consulta externa e têm um projecto já bastante elaborado, e o segundo é o chamado baixo limiar de exigência, que está direccionado para utentes desorganizados, que ainda não estão motivados para o tratamento, mas que precisamos de cuidar e motivar. No programa de alto limiar de exigência, as pessoas que estão aqui connosco vêm às consultas semanais com o psicólogo e são vistas também pelo médico regularmente. Dependendo de cada situação, pode ser usada a metadona ou buprenorfina. Em determinados casos, devidamente avaliados pelo médico, existe também a oportunidade de avançar para a terapêutica antagonista, que actua sobre os receptores opiáceos, que impedem a acção da substância no organismo, funcionando como inibidor do desejo e facilitando a intervenção psicoterapêutica.

Em relação à reintegração social, a sociedade civil tem colaborado?
Tem começado a colaborar... Temos um programa chamado “Vida e Trabalho”, que funciona em articulação com o Instituto Regional de Emprego. As empresas que aderem ao programa têm direito a algumas regalias e temos tido uma boa resposta das empresas na área da hotelaria, por exemplo. Este programa está apontado para aqueles utentes que nós consideramos que estão em etapas mais evoluídas, mas que não conseguem encontrar emprego, porque o estigma associado à toxicodependência continua a ser muito grande. No âmbito do programa, existem mediadores que acompanham o utente no seu percurso de integração. O mediador actua entre a instituição e os técnicos da UTT que acompanham o utente. Isto dá segurança à entidade empregadora, porque recebe a pessoa mas sabe que ela está em tratamento e, por outro lado, dá segurança ao próprio utente, porque se sente valorizado e mais protegido pela instituição.

Contactos:
Centro de Santiago (Consulta Externa e Internamento): 291208120
Santo Amaro (Unidade Móvel e Centro de Dia): 291710320

 


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