SETEMBRO 2010
DOENçAS AUTO-IMUNES: LúPUS ERITEMATOSO SISTéMICO
O Lúpus é uma doença auto-imune de difícil diagnóstico, uma vez que os doentes podem apresentar vários sintomas e sinais, nenhum dos quais é exclusivo da doença. A Dra. Ema Freitas, especialista em Medicina Interna, fala em entrevista acerca das opções existentes ao nível do tratamento desta doença crónica, bem como das medidas preventivas que poderão minorar os seus efeitos.

O Lúpus é uma doença auto-imune. Como se caracteriza este grupo de doenças?
Nas doenças auto-imunes, o processo de auto-regulação do corpo falha e há uma produção anormal de anti-corpos que actuam contra antigénios do próprio organismo, os chamados auto-anticorpos. No nosso organismo existem sempre anticorpos contra constituintes do próprio organismo, mas a produção destes é, por norma, muito baixa. Nas doenças auto-imunes, este processo de produção é exacerbado. Na prática, o corpo “ataca-se” a si mesmo.

Quais são os principais sintomas desta doença?
O Lúpus é uma doença que se caracteriza por atingir muitos órgãos e sistemas. O doente não apresenta todos os sintomas e sinais da doença, que são múltiplos. Em alguns casos são atingidos os rins, noutros casos as articulações, outros ainda em que é atingido o sistema nervoso central ou a parte hematológica. Portanto, podemos dizer que não existe um quadro clínico que caracterize com exactidão esta doença.

Isso faz com que seja difícil o diagnóstico do Lúpus?
De facto, é uma doença de diagnóstico difícil, mas há determinados sintomas que, quando conjugados, nos levam a suspeitar que o doente tem Lúpus. A origem do Lúpus ainda não é conhecida, mas sabemos, por exemplo, que o aparecimento da doença é influenciado por factores genéticos, bem como factores hormonais: os androgénios protegem o indivíduo em relação ao desenvolvimento da doença, enquanto os estrogénios favorecem o aparecimento da mesma. Por esse motivo, a incidência do Lúpus é francamente superior nas mulheres, especialmente entre a segunda e a quarta décadas de vida - entre 90 a 95 por cento dos doentes nesta faixa etária são mulheres. De há dois anos a esta parte, existe no Hospital dos Marmeleiros uma consulta de doenças auto-imunes, o que veio agilizar o diagnóstico das mesmas aqui na Região Autónoma da Madeira. Há alguns anos atrás, os doentes com Lúpus podiam passar bastante tempo antes que lhes fosse diagnosticada a doença, mas hoje em dia, felizmente, são cada vez mais raros estes casos. Passou a haver uma maior atenção à doença e os médicos dos centros de saúde já têm uma consulta para onde enviar o doente, quando têm a suspeição diagnóstica.

Quais os principais sintomas e sinais desta doença?
Existem vários, entre os quais se destacam: o cansaço; a fadiga; o aparecimento de febre; dores nas articulações, podendo levar ao aparecimento de artrite, em que a articulação fica dolorosa, vermelha e quente; as mialgias intensas; problemas cardíacos, por exemplo pericardites, miocardites; problemas pulmonares, sendo responsável por pneumonites, preurites ou derrames preurais. O Lúpus pode ainda atingir o sangue, sendo que, de resto, um dos sintomas frequentes é a anemia. Ainda ao nível do sangue, podem ocorrer baixas ao nível dos glóbulos brancos ou das plaquetas. Os rins são frequentemente atingidos nos doentes com Lúpus, podendo haver vários graus de atingimento renal. O sistema nervoso central pode ser também atingido, levando a convulsões, a psicoses, etc. A pele é um órgão que também é frequentemente atingido, sendo que muitas vezes é a partir daí que se faz o diagnóstico: um dos sinais característicos do Lúpus é um eritema em forma de asa de borboleta que atinge o dorso do nariz, o início das regiões malares e muitas vezes a região frontal. A queda do cabelo é também um sinal característico. Outro dos sinais de alerta é o aparecimento do fenómeno de Raynaud, que consiste na alteração da coloração de um dedo, quando esse dedo é exposto a uma temperatura muito fria, ficando de cor branca ou azulada. Convém, no entanto, alertar para o facto de haver muitas pessoas que apresentam o fenómeno de Raynaud, mas que não têm Lúpus. Nenhum destes sintomas e sinais de que falámos é específico do Lúpus.

As pessoas devem então estar atentas a uma conjugação destes sinais e sintomas?
A conjugação de alguns destes factores deve sempre ser vista como um sinal de alarme, uma vez que podemos estar em presença de um caso de Lúpus. No caso de uma pessoa verificar que apresenta alguns destes sintomas, deverá consultar um médico, que irá analisar o quadro clínico do doente e pedir exames complementares de forma a fazer o diagnóstico.

Que tratamentos estão disponíveis actualmente?
Não há uma cura para o Lúpus: esta é uma doença crónica, que tem períodos de exacerbação e de remissão. Um paciente poderá ter períodos da sua vida em que está quase assintomático e depois tem períodos de exacerbação, passando a sentir-se muito doente. Os doentes com Lúpus não são todos iguais, pelo que o tratamento tem de ser personalizado para cada paciente. Por outro lado, para um mesmo doente, o tratamento irá variar ao longo do tempo, tendo em conta a evolução da doença. Em relação ao tratamento farmacológico, dispomos actualmente de várias alternativas: por exemplo, há casos em que podemos tratar a doença com hidroxicloroquina e com anti-inflamatórios não esteróides; há outros casos em que vamos associar hidroxicloroquina com corticoterapia, nomeadamente prednisona, o que já é um tratamento mais agressivo. Há casos ainda, sobretudo nas formas de atingimento renais, em que temos de usar terapêutica imunosupressora e há outros casos em que temos de usar as chamadas terapêuticas biológicas, que são relativamente recentes. Uma coisa que gostaria de salientar em relação a estes doentes é que estes não devem, de maneira nenhuma, ser postos de lado em relação ao mercado de trabalho. Claro que estas pessoas devem evitar alguns trabalhos que podem levar à exacerbação da doença, nomeadamente o trabalho físico pesado, ou que implique passar muito tempo no exterior, ao sol. Mas são pessoas que mantêm intactas as suas capacidades intelectuais e que podem ter uma vida laboral produtiva.

Que medidas preventivas podem ser tomadas para minorar o impacto da doença?
Há medidas de carácter geral que devem ser respeitadas: o doente com Lúpus tem de dormir, pelo menos, oito a dez horas diárias, e tem de ter períodos de descanso durante o dia. Isto porquê? Porque o cansaço e o “stress”, tanto físico como emocional, são factores de exacerbação da doença. Está também provado que a radiação ultra-violeta é outro factor nocivo, pelo que estes pacientes devem evitar a exposição solar e usar todos os dias um protector solar com um factor de protecção elevado (60). Por outro lado, podem fazer exercício físico, mas este deve ser moderado e nunca devem praticá-lo até atingir estados de exaustão. Por exemplo, podem nadar, mas se optarem por fazer este exercício ao ar livre, deverão fazê-lo sempre de manhã ou então ao final da tarde e nunca nas horas de maior exposição solar. É fundamental que o doente com Lúpus seja esclarecido e conheça muito bem a sua doença, porque assim conseguirá detectar quando está no início de uma fase de exacerbação, pelo que, se recorrer de imediato ao seu médico, poderá ser possível controlar muito precocemente essa exacerbação, antes de haver maiores danos. O doente tem também de ter um médico assistente e, para além de ter as suas consultas regulares, tem de ter sempre uma porta aberta, uma vez que a qualquer momento poderá ocorrer uma exacerbação da doença.

Em termos da alimentação, há também alguns cuidados especiais a ter?
Relativamente à alimentação, há alguns alimentos que contêm produtos químicos que podem despoletar o Lúpus, mas a maioria deles não são muito utilizados na nossa alimentação. A excepção é a salsa, pelo que os doentes com Lúpus têm de evitar a sua utilização. As pessoas devem fazer uma alimentação saudável e equilibrada, variada, com muitos vegetais e produtos frescos. É importante que o doente tenha bons hábitos alimentares para proteger-se o mais possível, de maneira que, quando for usada corticoterapia, essa medicação não provoque lesões nas artérias, diminuindo desse modo a incidência das doenças cardio e cerebrovasculares. O tratamento do doente com Lúpus nunca pode ser pensado apenas a curto prazo, mas sim também a médio e longo prazo, devido ao carácter crónico desta doença.

As mulheres que têm Lúpus enfrentam gravidezes de risco?
Há muitas mulheres que têm Lúpus que, com o acompanhamento correcto, conseguem levar a gravidez a termo, mas é necessário ter consciência que estas serão sempre gravidezes com maior risco, pelo que tem de haver um controlo médico muito apertado. Por exemplo, sabemos que existem mais abortos espontâneos nestes casos do que na população em geral e nos casos em que a mulher está num estádio mais avançado da doença, são mais frequentes também as eclampsias e as pré-eclampsias. É importante sublinhar que mulheres com Lúpus que tenham doença cardíaca, neurológica e renal avançada não devem engravidar, porque estas são situações de grande risco. Por outro lado, o facto de a mãe ter Lúpus não significa necessariamente que a criança venha a ter a doença, mas no caso de ser uma menina, a probabilidade de futuramente vir a ter Lúpus é muito maior.


 


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