JUNHO 2010
MANIPULAçãO EMOCIONAL
Enf. ª Vera Lúcia Gouveia Pestana - Especialista em Saúde Infantil e Pediatria
veralgouveia@gmail.com

“Deixa-me ficar mais um bocadinho! Nenhum dos meus amigos vai para a cama a esta hora...”

A manipulação emocional trata-se, essencialmente, de tentar controlar alguém duma forma perspicaz. É uma forma ardilosa de tentar controlar a situação (Brazelton2004). Nos dias que correm, não parece difícil cair numa “armadilha” destas, preparada por uma criança.

Não nos devamos esquecer que também os pais manipulam os filhos. Lembremo-nos das comuns “recompensas”, “subornos” ou “ameaças”. Nas visitas ao Centro de Saúde, muitos são os pais a quem ouço dizer: “se te portares bem, dou-te um bolo”. A questão é: quem manipula quem?

Isto para não falar na questão do bolo, que fugindo um pouco ao tema, não resisto a comentar uma vez que funciona como um incentivo à obesidade, bem como à hipertensão, à Diabetes Mellitus ou às doenças cardiovasculares. As probabilidades de as contrair são muito maiores das dos adultos de hoje em dia... Basta analisar previsões da Organização Mundial de Saúde (WHO 2009), que alertam para um aumento de mortes por Diabetes Mellitus em mais de 50 por cento nos próximos 10 anos em todo o mundo, se não forem tomadas acções urgentes.

Retomando o assunto de hoje, as crianças, de facto, depressa aprendem a seguir os exemplos dos pais. Eles são o seu mundo, são o seu porto seguro. Se não confiarem nos pais, em quem irão confiar?

“Não gostas e mim”. Nenhuma criança se atreveria a multiplicar estas palavras se não conhecesse a segurança do amor dos pais … mas ao mesmo tempo estão novamente a testar até onde podem ir….os bebés e crianças precisam testar os limites do seu poder.

“Vejam como a mamã fica irritada quando eu não quero tomar banho”.

“Será que o papá fica sempre zangado quando eu deixo os sapatos na sala? Vou experimentar outra vez...”.

Arreliar, manipular, desobedecer são modos de testar a força e a importância daquilo que se pode esperar de cada um dos pais. Muitas vezes, uma criança manipuladora consegue com manobras deste tipo, chamar a atenção de um pai ou de uma mãe atarefados. Este comportamento poderá ser repetido se a família ao chegar a casa e for logo para a cozinha fazer o jantar para depois se sentar à frente da televisão.

Uma criança que passou o dia todo no infantário vem repleta de acontecimentos excitantes que quer partilhar e se for uma criança saudável, fará tudo para o conseguir. Além disso, há que reclamar de um pouco de companhia. A melhor forma de estar com uma criança é indiscutivelmente brincar com ela com disponibilidade.
Mais do que uma vez me dizem que não lêem histórias aos filhos porque não têm tempo...para quê ler histórias quando passam bonecos na televisão e até gostam e ficam quietinhos? Porque é que só se dá valor às coisas quando algo corre mal? Ou menos bem? As crianças sabem disso...

As crianças também manipulam os pais quando os levam a discutir um com o outro. “Peço a um e a outro. Se daqui advir discussão entre ambos saberei então qual é o que manda e quem é melhor para vou fazer os meus pedidos”.

Infelizmente, a criança percebe também que os pais preferem discutir a apoiarem a decisão de um do outro. Isso dá-lhes uma sensação de poder, mas ao mesmo tempo de ansiedade e insegurança. A manipulação está presente em quase todos os momentos do dia da criança. Na hora da refeição, ao dormir...e os pais podem muitas vezes contribuir para isso. Vejamos:

“Estou cheio, não quero a sopa, só vou comer o arroz...” (Como não há espaço para a sopa e há para o arroz?). Por sua vez os pais: “...não comes a sobremesa se não comeres tudo o que tens no prato”. Ou então: “deixo-te ver televisão mais dez minutos se depois fores logo para a cama”.

Esta é uma luta de poderes, uma exploração necessária, tanto por parte dos filhos como dos pais.

“Gostas mais do mano do que de mim”. Esta acusação de injustiça torna os pais mais sensíveis, pois todos sabemos que não somos inteiramente iguais na forma como procedemos com os diversos filhos. Desta forma, a criança poderá conseguir aquilo que pretende mais facilmente.

Como responder à manipulação?

Deverão os pais não manipular?... Parece-me que há que ter bom senso e cada caso e circunstância têm a sua especificidade. A capacidade de manipular é uma capacidade adquirida para o futuro de cada criança. No entanto, os pais deverão transmitir determinados valores. O que fazemos e o que valorizamos na vida é absorvido pelos filhos e este é o mapa que eles vão construindo. Os mapas, nós oferecemos, os caminhos de opções de vida, eles é que escolhem. Uma estrada com mapa é mais fácil de seguir.

Perceber o ponto de vista dos filhos sem os deixar fazer o que querem poderá ser uma forma de mostrar que temos respeito por eles e os admiramos na sua esperteza. Ao mesmo tempo, promovemos a auto estima da criança e o respeito pelos outros.

O elogio pode ser visto como um modo de ensinar a criança, mesmo quando ela não faz uma determinada actividade correctamente. Temos duas opções neste próximo exemplo:
Quando a criança se esforça por atar os sapatos e não consegue. Pode ser dito: “Não é assim, não sabes, deixa o pai fazer”, quando às vezes não é ainda pior :“credo! ainda não sabes fazer isso?" Mas podemos também optar por: “Óptimo, estás quase lá, vê agora como se faz o laço...”.

A motivação é mantida e desenvolve-se o interesse em seguir o exemplo do pai, pois em momento algum foi dito que ele não sabia ou conseguia. Para quê dizer que não consegue quando isso a criança já sabe? Ela precisa de alguém que a incentive a tentar outra vez. Trata-se dum meio poderoso para canalizar a aprendizagem.

Uma das primeiras vezes que fui alertada para esta estratégia educacional foi numa formação em que participava um grande nome na área da Saúde Infantil do nosso país, em que dizia: “Há que ter muito cuidado, pois se dissermos aos nossos filhos que conseguem um dia ir à Lua, poderão ir mesmo... a força do elogio, quando bem adaptado, é enorme...”.

Esta é uma manipulação saudável... A vida do dia-a-dia está repleta de exemplos destes e muito mais poderia ser dito. Parece-me no entanto que a reflexão poderá valer mais que muitas palavras: A manipulação pode ser sensível e respeitadora, ou desajeitada e humilhante.

Usar a manipulação, em algumas circunstâncias, poderá ser arriscar a confiança dos filhos. A comunicação honesta é uma alternativa à manipulação emocional e ao mesmo tempo essa alternativa está a ser percebida pelos filhos que um dia mais tarde quando menos esperarem e sem pensar, poderão seguir o exemplo.

Aplaudir as vitórias é muito fácil. Amparar correctamente as adversidades é o grande desafio de todos os pais e educadores deste mundo.

A Enf.ª Verá Lúcia Pestana é uma das responsáveis pelo site de apoio à parentalidade www.cuidarcrianca.com.

 


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