MAIO 2010
DIABETES: “AS PESSOAS TêM DE SER MAIS RESPONSáVEIS PELA SUA SAúDE”
A prevalência da diabetes tem vindo a aumentar consideravelmente nos últimos anos. O Dr. Silvestre Abreu, especialista em Endocrinologia e coordenador do Programa Regional de Prevenção e Controle da Diabetes, defende em entrevista que podem ser postos em prática mais estímulos para promover a adopção de estilos de vida saudáveis, mas que, em última análise, as pessoas terão de ser cada vez mais co-responsabilizadas no âmbito do combate a esta doença crónica.

Considera preocupantes os últimos números disponíveis sobre a diabetes?
Nós tínhamos a noção de que a diabetes tinha uma prevalência elevada, mas nunca tinha sido feito um trabalho de fundo em relação aos verdadeiros números desta doença. O Estudo Nacional da Prevalência da Diabetes, efectuado em 2009, revelou que a prevalência global do país é de 11,7 por cento, sendo que 6,6 por cento dos diabéticos estavam diagnosticados e 5,1 por cento não estavam diagnosticados. E para piorar ainda mais a situação, verificou-se que 23,2 por cento das pessoas tinham pré-diabetes. Ora, isto significa que quase 35 por cento da população entre os 20 e os 79 anos de idade, ou é diabética, ou tem uma propensão para a diabetes. Trata-se de um problema de saúde grave, mas não só: é um problema económico e que, inclusive, pode pôr em causa o desenvolvimento dos países neste milénio.

Qual é a situação específica na Região Autónoma da Madeira?
Não podemos dizer que estamos em melhor situação, porque do ponto de vista estatístico, os 10,9 por cento que se registaram na Região estão muito próximos da média nacional. Mas temos uma coisa que nos é favorável: o grau de diagnóstico na nossa Região é o melhor do país. Temos apenas uma franja de 3,5 por cento da população que é diabética mas não está diagnosticada, inferior à média de 5,1 por cento a nível nacional. Isto é o resultado de um esforço consciente que foi feito neste sentido e temos a população melhor diagnosticada do que se verifica a nível nacional. O número de centros de saúde que existe, com o acesso relativamente facilitado por parte dos utentes é que tem levado a que isto aconteça.

Qual é a génese deste aumento da incidência da diabetes?
Não tenho dúvidas que a evolução dos números da diabetes tem a ver com a epidemia da obesidade, uma vez que esta promove o aparecimento da diabetes, porque leva a uma grande sobrecarga do organismo e à diminuição da capacidade de produção de insulina. E quais as causas da obesidade? As alterações dos hábitos alimentares para hábitos pouco saudáveis, por um lado, e por outro, não nos podemos esquecer da diminuição da actividade física por parte das populações. Devido ao ritmo da vida moderna, as pessoas andam cada vez mais de automóvel, têm menos tempo para fazer actividade física, muitas vezes não têm tempo para comer em casa e recorrem cada vez mais à dita “comida de plástico”. Este aumento nos números da diabetes não está a acontecer porque se tenha alterado alguma coisa no nosso ambiente. O que mudou foi a maior acessibilidade a alimentos, maior riqueza energética a nível de consumo e menor actividade física. E está-se a passar uma coisa grave, que é vermos a diabetes a aparecer em idades cada vez mais jovens. Há um número que foi divulgado recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que nos deve chamar a atenção: entre os 40 e os 45 anos, a incidência da diabetes anda, actualmente, à volta dos 5 por cento. Mas a manter-se a tendência actual, daqui a 40 anos, é possível que venha a atingir os 50 por cento nesta faixa etária.

Como analisa a tendência de crescimento da obesidade infantil?
A obesidade infantil começa a atingir franjas na ordem dos 14 por cento, o que, em si, já é muito preocupante. Mas quando somamos à obesidade o excesso de peso, estamos a falar de uma realidade que afecta cerca de 30 por cento da população infantil. Iniciativas como a implementação da rede de bufetes escolares saudáveis são meritórias e importantes, mas não são suficientes. Trata-se de um primeiro passo, que eu defendo, porque é uma maneira de educar as crianças. Mas depois coloca-se a questão: e quando a criança chega a casa, qual é a atitude dos pais? Se as crianças têm um bufete saudável na escola, mas depois chegam a casa e os pais lhes dão um pacote de batatas fritas, um bolo, um chocolate ou um hambúrguer todos os dias, aquele esforço não tem continuidade. Não tenho nada contra um hambúrguer ou umas batatas fritas comidas ocasionalmente, mas a família tem de cozinhar! Por outro lado, não nos podemos esquecer da publicidade desregrada e do acesso fácil a estes alimentos, que contribuem para o consumo por impulso, dificultando o êxito das medidas apontadas ao combate à obesidade neste escalão etário.

No caso das pessoas que são diabéticas mas não estão diagnosticadas, que sinais podem indicar que têm esta doença?
As pessoas devem ter atenção aos sinais clássicos da diabetes, nomeadamente: uma pessoa que é obesa e perde peso de repente sem fazer dieta ou exercício; que apresenta sede intensa; que sente necessidade de urinar mais vezes do que habitualmente, sobretudo à noite, ou que tenha infecções ginecológicas ou infecções nos genitais de repetição – são muito frequentes as balanites no caso dos homens e as vulvovaginites no caso das mulheres – estes são sintomas e sinais muito prováveis de alerta para a diabetes numa fase inicial. As pessoas que apresentam maior risco de se tornarem diabéticas são: as obesas; as que têm familiares directos com diabetes; mulheres que tiveram filhos com mais de quatro quilos e pessoas a partir dos 45/50 anos, sobretudo se tiverem tensão alta e níveis elevados de gordura no sangue. Os profissionais de saúde têm tabelas de cálculo de risco para esta situação. Muitas vezes a diabetes não “dói”: a dor aparece apenas quando surgem as complicações. Portanto, as pessoas que estão em maior risco devem consultar regularmente o seu médico de família ou médico assistente e fazer análises pelo menos uma vez por ano, de modo a serem diagnosticadas o mais rapidamente possível.

Quais são as principais complicações da diabetes?
São as complicações oftalmológicas, as lesões do olho, que podem aparecer subitamente. Um doente diabético, com muitos anos de evolução e com um mau controlo, corre o risco de cegar de um momento para o outro, sem antes apresentar qualquer sintomatologia. É por isso que, aqui na Região, se está a fazer o rastreio sistemático e anual da retinopatia. As lesões neurológicas e vasculares dos membros inferiores – o chamado pé diabético, são outra complicação grave. O diabético deve ser educado a olhar todos os dias para o seu pé, para ver se há alguma ferida e, caso descubra uma, deverá dirigir-se imediatamente ao centro de saúde, pois esta situação é sempre muito urgente e deve ser imediatamente tratada antes que evolua para uma situação muito grave. Numa pessoa com diabetes, uma lesão mínima num pé, que muitas vezes não dói porque está comprometida a sensibilidade, pode levar a uma ferida grave, que se não fôr bem tratada, pode resultar na amputação do membro. Outra complicação da diabetes é a insuficiência renal. Se a doença evoluir para esta situação, por mau controlo da diabetes ao longo dos anos, para sobreviver será necessário recorrer à diálise, com custos elevados a nível pessoal, familiar e para o erário público. A diabetes já corresponde a 7 por cento de todos os gastos do Estado com a saúde, o que é escandaloso se pensarmos que, na grande maioria dos casos, é uma doença evitável. O risco de doença cardiovascular e cerebrovascular é muito grande nas pessoas com diabetes, sendo que mais de 80 por cento morrem desta situação. Há uma situação que se começa a notar ao nível da diabetes, que é o aumento exponencial dos custos directos, porque os medicamentos novos são excelentes no controlo da doença mas têm custos elevados, que são suportados na maior parte pelo Estado. Estamos a falar de custos que, a médio prazo, nenhum Estado conseguirá suportar, sendo provável que comece a haver uma maior responsabilização das pessoas pela sua saúde. Portanto, é muito importante fazer o alerta à população para modificar alguma coisa. A Diabetes Tipo 1, que essa sim, não pode ser evitada, corresponde a menos de 10 por cento dos casos diagnosticados.

O que se pode fazer para inverter a situação actual?
Eu defendo, por exemplo, a implementação de uma política de preços diferenciada: os impostos nos alimentos que são comprovadamente nocivos para a saúde deveriam aumentar. Um refrigerante não pode ser mais barato que uma água mineral. Toda a doçaria e os alimentos ricos em gordura deveriam ser altamente onerados a nível de impostos, porque essa seria uma maneira de ajudar a dissuadir o consumo desregrado. O próprio álcool, na minha opinião, deveria ser onerado. Com uma política alimentar diferenciada, os alimentos menos saudáveis poderiam ser consumidos na mesma: as pessoas pagavam mais por eles e esse diferencial poderia servir para incentivar, e mesmo subsidiar, a alimentação saudável. Claro que também tem de continuar a haver um esforço no sentido de educar e informar as pessoas, mas isso parece não ser suficiente. Hoje em dia, todos os profissionais de saúde fazem uma quantidade de alertas, mas o resultado é mínimo. Os cidadãos devem estar conscientes que cada vez mais têm de ser co-responsáveis pela sua saúde. As pessoas são livres de adoptar comportamentos perigosos para a sua saúde, mas têm de estar suficientemente elucidadas sobre esses riscos e têm de ser cada vez mais responsabilizadas em relação às consequências desses actos, até a nível económico. O Estado não pode estar a fornecer tratamentos extremamente caros quando as pessoas se recusam a cumprir com a sua parte. Cada vez mais, temos de transmitir à população a noção de co-responsabilização na saúde, sobretudo ao nível das doenças crónicas, porque na maior parte dos casos estas são doenças que decorrem de factores comportamentais.

Que outras medidas podem ser tomadas para incentivar essa mudança de comportamentos?
O Estado também pode, e deve, criar mecanismos de promoção da actividade física. Indo ainda um pouco mais longe, porque não, por exemplo, usar o próprio IRS para incentivar as pessoas? Por exemplo, um indivíduo que era obeso e que perdeu peso, melhorando o seu estado de saúde, poderia beneficiar de uma redução no seu IRS. Aliás, com uma medida deste género, o Estado poderia poupar muito dinheiro. Hoje em dia, uma caixa de um medicamento para a diabetes custa à volta de 60 euros, que é comparticipado pelo Estado em 95 por cento. Ou seja, um indivíduo que tem diabetes pode custar entre 1.000 a 2.000 euros por ano ao Estado, mesmo sem contar com os outros custos como consultas médicas ou os outros medicamentos que serão necessários, para a tensão arterial, para os lípidos, etc. Se este indivíduo perdesse peso, muito provavelmente não precisaria de tantos medicamentos para a tensão arterial nem para controlar a gordura no sangue e, muitas vezes, até poderia controlar a diabetes sem recurso a medicamentos. Portanto, do ponto de vista económico, o Estado teria benefícios se fizesse um pequeno incentivo fiscal às pessoas para melhorarem a sua saúde. Eu acho que temos que sair dos esquemas clássicos em busca de novas soluções, temos de procurar novos estímulos e ser mais proactivos do que até ao momento no combate às doenças crónicas. Aqui põe-se um problema: como controlar isto? Quem seria o responsável por declarar que um determinado indivíduo adopta um comportamento saudável e, como tal, está a poupar o Serviço de Saúde? Não tenho resposta para isso, no entanto, é imperioso que se procurem novas soluções para inverter a tendência actual, que a médio prazo será incomportável para os Estados.


 


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