MAIO 2009
MARCO GOMES SERRãO: “É PRECISO APOSTAR NA PROMOçãO DA SAúDE”

O Dr. Marco Gomes Serrão é licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra e é interno de cardiologia no Hospital Central do Funchal desde 2005, encontrando-se actualmente a terminar a sua formação específica no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa. Em conversa com a Newsletter da Farmácia do Caniço, o Dr. Marco Gomes Serrão analisa a realidade portuguesa e madeirense no âmbito das doenças cardiovasculares e defende que a aposta na prevenção é fundamental para combater este problema.

Considera preocupantes os números relativos às doenças cardiovasculares em Portugal?
De facto, os números são muito preocupantes. O estudo Valsim, que foi feito em Portugal no ano de 2006, e que incluiu mais de 6000 médicos de família e mais de 16 mil doentes, deu-nos realidades muito graves. Nesse estudo, cujos resultados foram publicados recentemente, no Congresso Nacional de Cardiologia, foi revelado que a prevalência da hipertensão é em 42% da população nacional. E, infelizmente, a realidade madeirense é um pouco pior que a média nacional: a prevalência de hipertensão na Região é de 49%. A hipertensão é um dos principais factores de risco dos acidentes esquémicos, sejam eles cardíacos ou cerebrais. Mais grave ainda, e isto não veio no estudo, mas foi comentado, é que 50% das pessoas que são hipertensas não o sabem.

Como é que isso é possível?
A maior parte das vezes a hipertensão é assintomática. A responsabilidade, poderíamos dividi-la em dois sectores de igual proporção. A parte médica, de incentivar os cidadãos medir os seus valores tensionais, o que é uma coisa simples que pode ser feita num centro de saúde ou numa farmácia. E depois existe também a responsabilidade social: os cidadãos não buscam por sua iniciativa, enquanto estão saudáveis, os cuidados médicos. O que falta um pouco em Portugal, de forma geral, é promovermos a saúde. Nós falamos em prevenção da doença, mas isto é algo que já soa de maneira negativa. Se falarmos na saúde; na ida ao médico para promoção do bem-estar e de melhores estilos de vida, poderemos fazer uma melhor prevenção da doença.

Qual a importância da prevenção no combate às doenças cardiovasculares?
A prevenção é fundamental. É importante diferenciarmos a prevenção primária da secundária. A prevenção primária consiste na correcção dos factores de risco e a prevenção secundária faz-se quando a doença está estabelecida – e este é mais o campo de intervenção da cardiologia. Creio que problema está no grosso da pirâmide, que é a prevenção primária, e é aí que poderíamos intervir, para que depois a prevenção secundária seja feita tal como é feita hoje em dia, mas menos vezes.

Acha que os meios ao dispor dos especialistas nesta área em Portugal são suficientes?
Sim, desde que haja um bom trabalho em grupo e um trabalho complementar de várias áreas médicas que não apenas a cardiologia. É preciso uma boa articulação com os recursos primários de saúde, ou seja, com os médicos de família, que representam o primeiro contacto com o cidadão. A rede de cuidados primários é fundamental – podemos considerá-la como a base de uma pirâmide, em que a cardiologia está mais perto do topo, por ser mais diferenciada. Os médicos de família podem ter um papel de intervenção, seleccionando os pacientes com risco para que depois possamos fazer outro tipo de intervenção ao nível da cardiologia.

Muitas pessoas têm a tendência para pensar que hipertensão ou o colesterol são problemas que afectam apenas as pessoas mais idosas…
A hipertensão, em termos de primeiro diagnóstico, é mais frequente entre os 25 e os 65 anos que após os 65 anos, embora após esta idade a prevalência possa aumentar. Há um aspecto que gostaria de salientar ao nível da prevenção primária da hipertensão, que é o consumo do sal. Nós consumidos em média 12 gramas de sal por dia, enquanto as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam para seis gramas por dia. O pão, por exemplo, tem uma quantidade de sal exagerada. Felizmente, a União Europeia (EU) legislou recentemente o conteúdo de sal do pão, que era uma pecha que havia na legislação, e acho que isto terá um impacto muito positivo. O pão português tem uma média de 20g de sal por kg, enquanto a média europeia é de 12g por kg. Em termos genéricos, com uma redução de apenas 4g por kg no pão português, estima-se que seria possível ter uma redução, ao fim de cada ano, de 7100 eventos esquémicos cardíacos ou vasculares cerebrais. E isto teria um grande impacto social na nossa comunidade.

Voltando aos últimos dados publicados sobre as doenças cardiovasculares, porque é que na Madeira se vive uma situação aparentemente mais grave que no resto do país?
Felizmente a situação está a melhorar um pouco na região. No último estudo intitulado “O risco de morrer em Portugal”, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2003, estaríamos em 2º lugar na cauda do ranking, apenas atrás dos Açores. Ultimamente, melhorámos em relação a outras regiões, como o Alentejo, mas de facto ainda estamos numa situação um pouco abaixo da média do país.

A que atribui esta situação?
Temos de compreender a realidade regional: somos uma região com limitação geográfica, o que implica um cruzamento entre famílias, aumentando e potenciando a carga genética. E os factores genéticos são em muito responsáveis pelas doenças cardiovasculares. Estando limitada geograficamente, este é um problema que vai afectar a nossa região, tal como acontece no caso dos Açores. Isto explica uma parte do problema; mas há outro ponto que me parece fulcral: este aumento das doenças cardiovasculares é o preço que estamos a pagar pelo nosso desenvolvimento aqui na Madeira. Por exemplo, no Norte da Europa, a taxa de prevalência de doenças cardiovasculares era cinco vezes superior ao Sul da Europa no final da década de 90, e isto acontecia porque o nível de desenvolvimento era superior. Já estava previsto nessa altura que os países do Sul da Europa seriam os grandes contribuintes para o aumento das doenças cardiovasculares no continente Europeu na década seguinte. O aumento do nível de desenvolvimento traz alguns malefícios e um deles é o aumento das doenças cardiovasculares. Hoje em dia, infelizmente, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 40% das mortes na população com mais de 18 anos em Portugal.

Houve também uma alteração de hábitos aqui na Madeira que fez com que aumentassem os factores de risco?
Todas as economias ocidentais estão a sofrer desta catástrofe. Se pensarmos como era a Madeira há 20 anos atrás, tivemos uma evolução muito boa em termos de qualidade de vida. O que se passa é que antes as pessoas morriam de outros problemas e agora estão a morrer mais de problemas cardiovasculares. Eventualmente, outros tipos de doenças associadas a economias em desenvolvimento sofreram uma redução. Assim, também podemos associar o aumento das doenças cardiovasculares ao facto de ter aumentado a esperança de vida. Os problemas de saúde das pessoas mais idosas são de forma geral as doenças cardiovasculares e as doenças neoplásicas, ou seja, os tumores. Se formos a comparar com os países subdesenvolvidos, eles não têm o mesmo nível de problemas cardiovasculares que nós, mas também porque a sua esperança de vida ronda os 50 ou 60 anos. Nos últimos 10 anos, a nossa esperança de vida aumentou cerca de três a quatro anos e hoje ronda os 79 anos. Com isto, é cada vez mais urgente apostarmos na prevenção primária, com intervenção médica e com intervenção social, porque esta deve ser uma responsabilidade partilhada.

Um estudo recente dizia que 46% dos madeirenses tinham pelo menos um factor de risco cardiovascular, mas tendo em conta os dados que mencionou sobre a hipertensão, é possível que esse número já seja bastante superior?
Recentemente foram publicadas novas linhas orientadoras europeias, que avaliam o doente hipertenso como um risco cardiovascular global. Ou seja, pequenos factores de risco, como a síndrome metabólica, associados a valores tensionais ligeiramente elevados, potenciam o risco cardiovascular. Temos de olhar para os casos individuais e fazer o cálculo do risco cardiovascular global de cada doente, para tratar de forma mais agressiva aqueles doentes que apresentam um somatório de vários factores de risco. As estratégias de intervenção primária, quando efectuadas em indivíduos de alto risco, têm um impacto social fenomenal. Além de ser o factor de risco mais prevalente de todos os que mencionámos, a hipertensão está fortemente associada aos eventos cardíacos e cérebro-vasculares. Uma redução de 10mm de mercúrio nos valores tensionais, que é uma redução relativamente fácil de conseguir num doente, conjugando a diminuição no consumo do sal com o arsenal farmacológico que temos disponível, levaria a uma redução do risco relativo de ter um acidente vascular cerebral (AVC) ao longo do ano seguinte em 40%.

Quais são os principais factores de risco em termos de doenças cardiovasculares?
Existem seis factores de risco clássicos: de forma básica podemos dividi-los nos que são passíveis de modificação com base no estilo de vida e nos que podem ser alterados por intervenção farmacológica. No primeiro caso temos o tabagismo, que tem malefícios inqualificáveis, o excesso de peso, que é muito importante modificar, fundamentalmente mudando a nossa dieta, e o terceiro é a inactividade física. É fundamental fazermos exercício e alterarmos os nossos hábitos sedentários para pôr a trabalhar o coração.

E os factores de risco que são passíveis de intervenção farmacológica?
Temos a hipertensão, que temos que mensurar. Infelizmente, 50% das pessoas não sabem que são hipertensas. Dos 50% que sabem, um terço não toma qualquer medicação e outro terço toma medicação de forma não controlada, seja porque toma medicação de forma irregular ou porque essa medicação é insuficiente. Ou seja, apenas um terço das pessoas que sabem ser hipertensas toma medicação de forma controlada e está dentro dos limites que são considerados normais de acordo com as recomendações internacionais. Depois, temos a Deslipidémia, traduzida pela Hipercolestrolémia, que consiste no aumento dos níveis de colesterol no sangue. Esta pode ser modificada pela dieta, reduzindo os níveis de consumo de gordura. Mas é de salientar que temos actualmente várias classes de fármacos, embora os estatíveis sejam predominantes, que têm um grande impacto na redução do colesterol. E, finalmente, temos um factor de risco que é uma catástrofe, que é a Diabetes Melides. Segundo o estudo Valsim, esta está presente na população portuguesa em 13%. O risco de um paciente diabético sem um passado esquémico, seja ele vascular ou cardíaco, é idêntico ao de um indivíduo que já tenha tido o seu primeiro enfarte e deve ser tratado da mesma maneira. Este é um dos principais malefícios de todos esses factores de risco; é uma doença que atinge de forma generalizada a maior parte dos vasos sanguíneos no nosso organismo, com diversas manifestações.

Quais as melhores soluções para alterar a situação actual?
Temos de fazer a promoção da saúde; dos bons hábitos. E isso inclui fazer com que as pessoas entendam que deveriam ir ao médico para receber bons conselhos, saber como podem manter um bom estado de saúde, ao invés de o fazerem apenas quando já estão doentes. É necessário uma parceria médico-social. A comunidade médica está muito envolvida: basta ir aos centros de saúde para ver vários cartazes que dizem às pessoas para cuidarem do seu coração, para prevenirem as doenças cardiovasculares, para consultarem o seu médico de família… Da parte médica e da parte política existe muita determinação. Agora, também é preciso que as pessoas se consciencializem de que isto é um problema.

Ou seja, as pessoas deveriam ver o médico mais como um amigo ou conselheiro do que apenas como uma pessoa que resolve problemas?
Isso é fundamental. Claro que temos que dar a resposta adequada aos problemas quando eles surgem de forma aguda. Mas é importante que as pessoas olhem para o seu médico de família como um bom amigo, um bom conselheiro, e que vão periodicamente ao seu Centro de Saúde, onde também têm disponível imensa informação. E nós, comunidade médica, temos de aproveitar essas ocasiões para promover os cuidados básicos de saúde e fazer alguma prevenção, porque se as pessoas se dirigirem aos centros de cuidado primário, algumas certamente irão descobrir que padecem de alguns dos factores de risco de que já falámos.

Com que periodicidade recomenda que as pessoas vão ao médico, mesmo sem ter problemas de saúde?
É importante enquadrar a ida ao médico com a faixa etária. Numa pessoa sem factores de risco a corrigir, poderia ser suficiente a ida ao médico uma vez por ano, ou uma vez de dois em dois anos. Obviamente, quando se trate de pessoas que têm factores de risco e existe intervenção farmacológica, então essa ida ao médico deverá acontecer pelo menos uma vez por ano, obrigatoriamente. Nos casos em que existe um maior risco, já com intervenção secundária, a periodicidade recomendada seria de pelo menos seis meses.

Para terminar, pedia-lhe que deixasse dois ou três conselhos às pessoas para começarem a melhorar a sua saúde a partir de hoje?
Eu começaria por aconselhar as pessoas a deixarem de fumar, no caso de serem fumadoras. A fazerem actividade física, e quando digo isto falo em fazer um exercício físico moderado a intenso, pelo menos 40 minutos diários quatro ou cinco vezes por semana. É importante que este exercício tenha uma subida gradual do nível de intensidade, sem iniciar a actividade física de forma brusca. E para terminar, a irem ao médico de família de forma regular e a pedirem conselhos à comunidade de profissionais de saúde. Para além do médico de família, estou também a pensar na consulta de enfermagem do centro de saúde, nos farmacêuticos, nos nutricionistas… Existem diversos profissionais que estão envolvidos na prevenção das doenças cardiovasculares e se as pessoas recorrerem a estes profissionais de saúde, estou convicto que iremos vencer na nossa luta contra este problema.


 


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