ABRIL 2010
AFECçõES DA MUCOSA ORAL
Dra. Sónia Gonçalves – Farmacêutica*
sonia.goncalves@farmaciadocanico.pt

A saúde oral é um dos elementos decisivos para a qualidade de vida do ser humano. Muitas vezes negligenciada, leva a evoluções negativas, por vezes com consequências muito desagradáveis. Conheça quais as principais afecções que podem surgir na mucosa oral, pondo em causa o seu bem-estar.

Comecemos por clarificar o termo "afecção". Esta corresponde a qualquer alteração/perturbação das funções fisiológicas ou psíquicas de um órgão/organismo. Pode implicar uma anomalia, disfunção, lesão, doença ou síndrome. Desta forma, uma afecção da mucosa oral é qualquer alteração ou perturbação das funções fisiológicas, ditas normais, da mucosa oral (membrana que reveste a cavidade oral).

São muitas as afecções que podem aparecer na mucosa oral. Podem ser exclusivas desta área ou representar manifestações de patologias de outras áreas ou órgãos. Algumas apresentam sintomas característicos (sensibilidade, dor, inchaço, vermelhidão, mau hálito) e outras são assintomáticas, manifestando-se apenas  já num estado avançado da doença, por vezes terminal. A maioria destas afecções tem evolução crónica.

As afecções podem ocorrer por anomalias no desenvolvimento da mucosa oral, ou por variações anatómicas, características da própria pessoa ou de uma determinada raça. Podem estar relacionadas com traumas mecânicos ou térmicos. Podem também constituir uma reacção do organismo contra si próprio (auto-imune) ou serem provenientes de uma infecção por microrganismos. O cancro é considerado a afecção mais grave.

Apresentamos de seguida algumas das alterações de maior importância e frequência da mucosa oral. Dentro dos traumas mecânicos, são relevantes as lesões causadas pela utilização prolongada de próteses dentárias. É o caso da Estomatite protética, em que a mucosa que contacta com a prótese encontra-se avermelhada e inchada, com ou sem áreas esbranquiçadas (por infecção pelo fungo Candida albicans ou pela presença de alimentos). Nesta situação, a prótese deve ser ajustada e deve ser adoptada uma melhor higiene oral, juntamente com a aplicação do medicamento antifúngico nistatina.

Com a mesma relevância, encontramos a Estomatite nicotínica, que ocorre em fumadores, com maior incidência nos de cachimbo, por reacção ao calor e aos constituintes químicos do fumo. Ocorre vermelhidão no palato, evoluindo depois para áreas esbranquiçadas, com múltiplos pontos vermelhos de 1 a 5 mm cada, que correspondem aos orifícios das glândulas salivares, dilatados e inflamados. São lesões benignas que desaparecem com a abstenção do fumo.

A nível da língua, encontramos a Glossodínia, que consiste numa sensação de ardor ou queimadura na língua, sem causa ou lesão observável. Ocorre maioritariamente em mulheres, podendo estar relacionada com alterações emocionais. Foram registadas melhorias com recurso a psicoterapia e/ou à toma de antidepressivos orais.
Muito frequente é a lesão a nível dos lábios denominada Queilite angular, considerada uma forma de Candidíase, que se manifesta por corrosões e fissuras nos cantos dos lábios, com ardor e comichão, envolvendo geralmente indivíduos que usam prótese. É facilmente resolvida com uma melhor higiene oral e da prótese e com medicação para Candidíase.

Das afecções com possível causa auto-imune, é de referir a Estomatite aftosa recorrente/aftas. Esta consiste no aparecimento repetido de uma ou múltiplas úlceras dolorosas na mucosa oral. Predomina nos indivíduos da classe média e alta de qualquer idade e pode ter padrão familiar. A lesão começa com algum desconforto durante cerca de 48 horas, surgindo então uma lesão avermelhada pequena e circunscrita. Esta cresce e adquire a forma arredondada e bem definida, com base profunda e amarelada e bordos duros e avermelhados. Habitualmente tem a duração de cinco a sete dias, desaparecendo completamente em 14 dias.

A sua origem é múltipla e muito controversa, podendo ser infecciosa, psicológica, gastrointestinal, hematológica, endócrina, nutricional, alérgica, hereditária e/ou auto-imune. Actualmente, crê-se que se trata de uma reacção do organismo contra si próprio ou contra agentes externos, levando à destruição da base da mucosa. O tratamento é muito controverso e o seu resultado bastante individual. Podem ser utilizados anti-sépticos (como por exemplo a clorohexidina), agentes protectores (leite de magnésia, hidróxido de sódio), antibióticos em bochechos (tetraciclina), anestésicos tópicos, corticosteróides tópicos e intra-lesionais. Nos casos mais graves, o tratamento deverá ser mais drástico. Para evitar o reaparecimento, para além da ajuda medicamentosa, tem sido sugerida a suspensão ou o evitar de certos alimentos, como frutos cítricos, ácidos ou secos, chocolate, ovo, bebidas gaseificadas, leite e derivados, assim como a abstinência do fumo.

Das causas infecciosas das afecções, destaca-se a Candidíase, que é causada pelo fungo Cândida, quase sempre da espécie albicans. Pode apresentar várias formas clínicas, estando predispostos os indivíduos portadores do vírus HIV e que fazem terapias imuno-supressoras, utilizadores de próteses dentárias e diabéticos. Na Candidíase oral, é necessário o exame micológico e, por vezes, a biópsia. O tratamento é feito com anti-fúngicos tópicos ou orais. As lesões mais persistentes poderão ser extraídas cirurgicamente.

Relativamente ao Cancro oral, encontramos como factores predisponentes o fumo, o traumatismo repetido por próteses dentárias mal ajustadas, a infecção crónica por Cândida e por certos vírus, o álcool, e as lesões que tornam a mucosa mais vulnerável aos agentes cancerígenos. As localizações mais frequentes são os bordos laterais da língua, lábio inferior e assoalho da boca. As lesões cancerosas da mucosa oral assumem os mais variados aspectos: podem ser brancas, vermelhas, ulceradas ou não, lisas, elevadas ou com formas diversas. Incide, em especial, nas últimas décadas da vida e apenas 50 por cento das lesões são dolorosas, o que retarda a procura de ajuda médica pelo paciente, podendo levar a que as lesões adquiram dimensões intratáveis. A detecção da lesão pré-cancerosa e do cancro oral nas fases iniciais permite a total erradicação do tumor.

Em conclusão, para evitar muitas destas afecções deve ser feita uma boa higiene da boca, uma alimentação equilibrada e devem ser adquiridos hábitos de vida saudáveis, como não fumar nem consumir álcool. A visita periódica ao dentista ajuda a prevenir cáries, mas acima de tudo permite o exame da boca, facilitando o diagnóstico precoce destas afecções, principalmente das lesões pré-cancerosas, assim como do cancro em fase inicial.

* Colaboradora da Farmácia do Caniço desde 2009.


 


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