MARçO 2010
HIPERACTIVIDADE NA CRIANçA
Enf.ª Vera Lúcia Gouveia Pestana - Especialista em Saúde Infantil e Pediatria

Ser diferente, ou um pouco diferente, numa sociedade que por vezes apresenta uma flexibilidade limitada, é uma tarefa verdadeiramente heróica. O simples facto de ser criança, por si só, já requer duas nobres tarefas que nem sempre são reconhecidas: a de se adaptar às novas competências inerentes ao seu desenvolvimento em curtos espaços de tempo e, consequentemente, uma autonomia diferente (seja ela física, cognitiva, emocional, social e até moral), e a de se adaptar ao meio, para que seja reconhecido, pela família e comunidade com quem tem relações, de forma a colher energias para progredir: falamos aqui dos afectos associados à auto estima e à autoconfiança.

Mas afinal, que diferença é essa de que tanto se fala actualmente e que chamam de hiperactividade? Em traços gerais, a hiperactividade, também denominada com deficit de atenção com hiperactividade (DDAH), tem uma origem biológica, devendo-se provavelmente a um sistema nervoso imaturo e hipersensível e que se encontra à mercê de todo e qualquer estímulo. A criança não é capaz de se alienar aos estímulos mais importantes e não consegue, por isso, concentrar-se. O problema tem origem no cérebro, envolvendo os chamados neurotransmissores, isto é, todos os estímulos são transmitidos sem haver uma prévia selecção. As descargas do sistema nervoso levam a uma actividade perfeitamente incontrolável.

 As causas não são conhecidas, mas o contacto pré-natal ou durante o parto das zonas do cérebro com drogas e venenos, como por exemplo o chumbo, ou situações de stress pré-natal, podem estar associadas. O processo de recuperação pode originar zonas hipersensíveis em torno das áreas afectadas e daí a hiperactividade.

Em bebés, passam do sono profundo para um estado de choro incontrolável. A associação de estímulos desorganiza-os, tal como o estímulo sonoro, associado ao estímulo táctil, luminoso ou o simples olhar no rosto a curta distância. Não conseguem dar tempo para que os seus pais interajam com eles, levando-os a moverem mais meios de comunicação com o bebé, aumentando ainda mais os estímulos. Este aumento leva a maior descontrolo do bebé, podendo gerar maior sensação de fracasso por parte dos pais, havendo, portanto, uma grande necessidade de sentido de alerta por parte dos profissionais de saúde para que o apoio a estas famílias se faça atempadamente. Trata-se duma situação não exclusiva de crianças hiperactivas mas que também se verifica em bebés prematuros, em situações de subalimentação, filhos de mães com contacto com tabaco, álcool, outras drogas ou situações de stress intra-uterino, entre outras. Se houver um treino com a família, de forma a que esta ajude o bebé a controlar o seu sistema nervoso imaturo, estes bebés aprendem a dominar-se cada vez melhor.

Os sintomas só se prolongam durante anos quando a hiperactividade é causada por uma lesão cerebral. As crianças hiperactivas substituem o choro pela actividade como modo de descarregar a agitação interior resultante dessa estimulação em demasia. A verdadeira hiperactividade não é identificada senão em época de actividade escolar, se bem que com a atenção dos pais e as cuidadas avaliações dos profissionais de saúde, essa detecção poderá ocorrer mais cedo. É de referir que apenas profissionais com larga experiência nesta área poderão fazer diagnósticos conclusivos.

Qual a sua prevalência e consequências?

A prevalência aponta para entre 3 a 5 por cento em crianças em idade escolar, sendo mais comum em rapazes. Estudos apontam para o facto de que poucas raparigas são verdadeiramente hiperactivas. Em adolescentes de 12 a 14 anos, pode ser encontrada numa prevalência de 5,8% e há ainda alguns casos de adultos registados. As grandes consequências associam-se a dificuldades emocionais, com repercussões nos relacionamentos e um baixo desempenho escolar. Estes problemas interferem com a vida da criança, em casa e na escola e com a sua convivência com adultos e crianças. Esta actividade muitas vezes confunde-se com a forma como as crianças são educadas, o que não corresponde à verdade. Se estas crianças e famílias não forem ajudadas, o seu desenvolvimento poderá estar comprometido, assim como a sua forma de encarar a vida: “eu tenho sucessos, não sou um fracassado”…

Como se ajudam estas crianças e famílias?

Como já foi referido, a ajuda passa por um aconselhamento familiar, levando à organização de um ambiente de apoio. Em algumas situações, estão também indicadas a educação especial, a psicoterapia e, em alguns casos, a medicação, prescrita sempre pelo médico perito nestas situações. Os pais devem explicar à criança que a medicação serve para ajudá-la naquilo que ela faz um esforço enorme para conseguir. Assim, estamos a estimular as tais energias associadas aos afectos, auto-estima e confiança, de modo a ajudar a ultrapassar os fracassos e valorizar os sucessos conseguidos.

A intervenção passa muito pelo aconselhamento, tal como pela implementação de um ambiente calmo e desprovido de estímulos, carregado de elogios justos (não a torto e a direito, pois falamos com crianças inteligentes). As palavras “não foste capaz” devem desaparecer do vocabulário, passando este a incluir “para a próxima ainda vais conseguir melhor”. Agradecer quando colaboram, dando valor às “pequenas colaborações”, faz parte das estratégias que podem ser trabalhadas com os pais. O mais simples comportamento positivo, como ficar sossegado durante uma breve refeição ou terminar uma tarefa fácil, deve ser elogiado.

Trata-se, sem dúvida, de um trabalho longo e difícil e, como tal, os pais e toda a família não deverão ser esquecidos, trabalhando para ultrapassar o sentimento de culpa inicial dos pais, que é muito frequente, e aguçando as suas competências. Incentivar o tempo de relaxamento dos pais é também essencial, assim como sugerir estratégias ou incentivar os pais a descobrirem estratégias para o seu próprio autocontrolo. Uma introspecção das suas vivências poderá ajudar os pais nesta área. Os irmãos também não deverão ser esquecidos, pois trata-se dum processo familiar sensível, ao ponto dos pais terem dificuldade em conciliar a parentalidade no seu todo. É preciso não esquecer que o apoio prestado deverá ser continuado por um longo tempo, com várias etapas.

Todos os profissionais e familiares que lidam com a criança são importantes, pois todos têm uma área e um momento de actuação peculiar. As prescrições informativas deverão dar lugar às orientações. Primeiro que tudo, é necessário ouvir os pais, pois cada criança é uma criança com uma família diferente, que passa por momentos do ciclo de vida diferentes e com circunstâncias de vida próprias.


 


seara.com
 
2009 - Farm´cia Caniço
Verified by visa
Saphety
Paypal