DEZEMBRO 2009
DR. GIL ALVES: “É PRECISO AUMENTAR OFERTA DA MEDICINA DENTáRIA NO SERVIçO PúBLICO DE SAúDE”
O Dr. Gil Alves, Representante da Região Autónoma da Madeira no Conselho Directivo da Ordem dos Médicos Dentistas, defende em entrevista exclusiva à Newsletter da Farmácia do Caniço uma maior integração da medicina dentária no serviço público de saúde e o aumento das comparticipações, de forma a incentivar a população a promover a sua saúde oral.

Quantos membros tem a Ordem dos Médicos Dentistas na Região Autónoma da Madeira?
A Ordem dos Médicos Dentistas tem neste momento 152 membros inscritos na Região, mas só 139 exercem Medicina Dentária na Madeira. É a especialidade da área da medicina com o maior número de profissionais, suplantando a medicina geral e a medicina familiar.

Que actividades tem a Ordem programadas para 2010?
Em termos da formação contínua, temos programado para o próximo ano um curso de um dia inteiro, que será realizado a um Sábado. Habitualmente temos três destes cursos, mas uma das situações que temos vindo a constatar, é que cada vez mais, há médicos dentistas a trabalhar aos Sábados. Como estes cursos costumavam ser aos Sábados, nós constatámos que a adesão estava a ser menor e decidimos apostar nos “Cursos de fim-de-dia”, que começam às 21h00 e decorrem até às 23h30 ou 24h00. Pelo facto de incidirem sobre áreas específicas, esses cursos têm vindo a ter uma aceitação bastante grande da parte dos colegas – temos tido uma média de 70 a 100 profissionais a assistir a estas acções de formação. Em 2009, tivemos dois cursos de fim de dia e outros três de dia inteiro. No próximo ano, vamos ter um curso de dia inteiro, que será transmitido por videoconferência para a Madeira, e temos também programados dois cursos de fim de dia, em que os colegas que darão formação se deslocarão à Região.

Acha que o número de dentistas actual é adequado para cobrir as necessidades da Região?
Neste momento, a situação está mais ou menos equilibrada. No caso de Portugal, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta para um rácio ideal de um médico dentista para cada 2.500 habitantes. Portanto, para uma população a rondar os 250.000 habitantes, como é o caso da Região, com cerca de 100 médicos dentistas já andaríamos lá perto. No entanto, estamos a falar de estimativas feitas para uma população que teria determinadas rotinas em termos de promoção da sua saúde oral, o que, infelizmente, não é o caso da população portuguesa. Os médicos dentistas que neste momento temos na Região são suficientes para colmatar as necessidades da população em termos de saúde oral. Claro que os colegas mais novos têm tido dificuldades em termos de entrada no mercado de trabalho, o que é uma situação inerente à maioria das profissões. Na nossa, isso verifica-se um pouco mais, porque a Medicina Dentária é a única área da medicina, cujo exercício profissional é quase exclusivamente liberal/privado.

Portanto, no contexto actual, será mais difícil aos jovens recém-licenciados começarem a exercer na Região?
O que acontece é que os jovens recém-licenciados raramente se instalam em consultório próprio, de início: primeiro buscam trabalho em consultórios já existentes e passam, regra geral, dois ou três anos a trabalhar por conta de outrem. Frequentemente, os colegas que estão há mais tempo no mercado de trabalho comunicam à Ordem quando têm necessidade de um profissional para trabalhar com eles e quando os recém-licenciados chegam à Região, tenho o cuidado de ter uma reunião com todos e ficamos com o registo das suas disponibilidades. A Ordem tem tido aqui um papel importante no sentido de tentar facultar isso aos jovens licenciados. A nível nacional, a situação é um pouco pior: somos já mais de 7.200 dentistas no país inteiro e temos, por exemplo, 400 médicos dentistas licenciados em universidades portuguesas a trabalhar no sistema nacional de saúde inglês, porque não encontram saídas profissionais em Portugal.

São correctas as informações de que o número de consultas prestadas tem vindo a diminuir este ano?
De facto, tem-se verificado uma diminuição, o que está relacionado com a situação de crise que se vive no país. Infelizmente, ainda existe entre a nossa população uma certa mentalidade de que o médico-dentista é caro, quando na realidade não é. É preciso ter em consideração que, uma consulta de medicina dentária leva muito mais tempo que uma consulta da maioria das outras especialidades e para além disso existem outros factores, como a necessidade de ter material esterilizado, o próprio material que é utilizado para executar os tratamentos, o material que o paciente consome no tratamento, etc. Para essa mentalidade, também contribui o facto de que as pessoas ao fazerem as contas no final do ano, quando juntam as despesas de saúde, e se não tiveram cuidado com a sua saúde oral - se são vítimas de lesões de doença de cárie dentária e de patologias gengivais, por exemplo - são capazes de, durante esse ano, ter ido uma vez ou duas ao cardiologista, ao otorrinolaringologista ou ao dermatologista, mas têm cinco ou seis consultas no médico dentista. Logo, concluem que a maior “fatia” da despesa de saúde, foi para o Médico Dentista., concluindo erradamente que ele é o mais caro.

Ou seja, se as pessoas fossem regularmente ao dentista, depois não teriam de pagar valores tão altos em tratamentos?
Precisamente. Por isso, é que de há 13 anos a esta parte, a Região aposta num programa de promoção da saúde oral para crianças da faixa etária entre os três e os 10 anos. É necessário dar-lhes instrução sobre a técnica de escovagem e sobre quais são os meios necessários que, de resto, são pouco onerosos: uma escova de dentes de quatro em quatro meses, pasta dentífrica, um fio dentário, são suficientes para fazer uma adequada higiene oral diária, associados depois a soluções de bochecho com flúor, para remineralização do esmalte.

Como avalia esse esforço que está a ser feito no sentido de promover a saúde oral?
Este é um programa da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, que fez uma parceria com a Ordem dos Médicos Dentistas. Para além das crianças, também é dada formação aos professores, aos educadores, aos auxiliares de acção educativa, aos pais… É necessário, por exemplo, dizer aos pais porque é que as crianças respingam o espelho quando estão a lavar os dentes – isso acontece quando estão a lavar a parte de dentro dos incisivos superiores. Há 13 anos atrás, quando começámos com este projecto, havia famílias que não tinham uma escova de dentes em casa e outras que tinham uma escova para a família inteira. Temos vindo a notar que existe uma grande alteração, porque ao invés de irem apenas quando têm dores, as pessoas passaram a ir ao médico-dentista para fazer o seu “check-up”, e têm planos de tratamento implementados. Infelizmente, no último ano e meio, temos vindo a notar que pessoas que tinham assumido que iriam fazer tratamentos até à sua reabilitação, deixaram de o fazer porque a sua situação económica piorou.

Quais serão os efeitos disso a médio-longo prazo?
Parece-me que vamos cair na situação de ter de acudir às situações de urgência. Portanto, não seria precisamente um regresso até ao ponto de partida, mas parece-me evidente uma certa regressão em relação ao ponto onde nos encontrávamos há um ano e meio atrás. Também temos vindo a alertar as autoridades de saúde para a necessidade de haver uma alternativa no serviço público de saúde para estas situações.

Tem havido abertura das autoridades de saúde para uma maior integração da medicina oral no serviço público de saúde?
Nos últimos dois anos, temos notado uma abertura bastante grande. Mas temos sido confrontados com a falta de recursos financeiros para passar ao plano da execução. Existem actualmente três centros de saúde na Região – o do Bom Jesus, o do Porto Moniz e o do Porto Santo - com equipamento de medicina dentária e há previsão de que um quarto venha também a fornecer o serviço no decorrer do próximo ano, embora ainda não haja dados concretos sobre qual será. Fruto também dessa abertura, o Centro de Saúde do Bom Jesus, que tem neste momento três equipamentos, tem previstas obras para remodelação, de maneira a permitir a instalação de cinco equipamentos. Para além disto, está também assumida a necessidade dos médicos-dentistas darem apoio à urgência do hospital, uma vez que não havia nada específico relativamente à traumatologia oral: o doente que entrava no hospital vítima de traumatologia dentária era mais um que entrava pela urgência e ficava para ser visto no dia seguinte. Isto não fazia sentido, porque alguns dos tratamentos nestas circunstâncias de traumatismos exigem a actuação na hora ou hora e meia a seguir à situação. Estamos apenas à espera que seja oficializada esta mudança, que só depende da aquisição dos equipamentos. Já estão feitos os pedidos de material, mas também é preciso entender que se trata de um investimento elevado, não só em termos do equipamento inicial, mas também depois em termos dos consumíveis, pelo que é normal que demore algum tempo a implementar esta solução.

O investimento elevado é a principal causa para os preços das consultas?
Para se poderem fazer consultas mais baratas, têm de ser feitos cortes em algum lado: em termos de materiais ou da própria qualidade da prestação do tratamento. E se isso acontece, acabamos por cair na degradação do acto médico-dentário. As companhias Seguradoras, por exemplo, impõem preços muito baixos para os tratamentos. O problema é que quando os colegas mais novos não conseguem entrar no mercado de trabalho, têm de se socorrer dessas situações para poder fazer face a algum investimento inicial que tenham assumido. Antes de 2002, as Ordens profissionais tinham tabelas de preços máximos e mínimos, que forneciam uma indicação do que seria o custo médio do tratamento. A partir dessa data, a Alta Autoridade da Concorrência obrigou a que as Ordens profissionais deixassem de ter as tabelas. Portanto, o mercado hoje em dia é livre e a única situação que poderia levar a alguma penalização seria, caso se provasse, uma situação de “dumping”, ou seja, o fornecimento do serviço abaixo do preço de custo.

Existe uma situação de uma certa tensão entre os médicos-dentistas e as seguradoras?
Neste momento, existe. A Ordem tem vindo a tentar, para já, chegar a um entendimento com o Instituto de Seguros de Portugal para nivelar a nomenclatura, tendo para isso entregue uma tabela dos actos médico-dentários a essa instituição. Algumas seguradoras já acataram essa tabela como forma de orientação, mas há outras que ainda não o fizeram. O passo seguinte seria tentar estabelecer valores que cobrissem pelo menos as despesas necessárias para proceder aos tratamentos correspondentes.

Qual a sua opinião sobre a implementação dos cheques-dentista no Continente?
Acho que em Portugal Continental este programa faz sentido, porque não havia qualquer comparticipação para os utentes da Segurança Social. Os utentes da ADSE, por outro lado têm uma comparticipação que é já considerável na área dos tratamentos. O que se passa em relação ao cheque dentista é que são entregues dois cheques, para fazer dois tratamentos. Ou seja, se aos beneficiários forem diagnosticados oito tratamentos para serem executados, poderão fazer dois ou três e ficam-se por aí, caso não tenham capacidade financeira. O que o cheque dentista fez de bom, foi criar a possibilidade de as pessoas terem a noção do seu estado de saúde oral. Mas também é bom sublinhar que estão a ser identificadas necessidades que não estão a ser completamente tratadas. Aqui na Madeira e também nos Açores, não se avançou para a implementação do cheque dentista porque estamos numa situação mais privilegiada, pelo facto de haver a referida comparticipação dos tratamentos, que não existe no Continente. Assim, se a pessoa tem vários tratamentos para fazer, pode fazê-los todos porque tem sempre alguma comparticipação. Agora, é um facto que a comparticipação da Segurança Social é pouca, em comparação com a ADSE: nós próprios já temos vindo a alertar as autoridades de Saúde da RAM, para a necessidade de aumentar a comparticipação para o doente da Segurança Social. Hoje em dia, o incentivo que é dado em termos de comparticipação não é mais nem menos do que aquilo que nós, médicos-dentistas, entregamos às Finanças referente ao IRS que é retido. Acredito que mesmo aumentando a comparticipação, o Estado não perdia e incrementava ainda mais a promoção da saúde oral junto da população.

Que conselhos práticos pode dar ao público em termos do cuidado da sua saúde oral?
O que nós recomendamos é que as pessoas tenham os instrumentos próprios para fazer a sua higiene oral diária. Estamos a falar de escovar os dentes não apenas uma vez, mas sim três vezes por dia. É inconcebível que as pessoas possam ir trabalhar sem ter escovado os dentes após o pequeno-almoço, ou que não lavem os dentes a seguir ao almoço. Se não têm oportunidade de ir a casa, devem possuir uma escova consigo, para escovar no local de trabalho. Também, não podem depois deitar-se, sem escovar os dentes. Isto porque, a noite, é o período em que temos menos fluxo salivar, não movimentamos a língua, pelo que a acumulação de restos alimentares que formam a placa bacteriana vai ficar muito mais tempo aderente aos dentes. Devido a isto, o efeito de produção dos ácidos é maior, sendo também maior o seu efeito nocivo. As chaves principais para poder ter uma boa higiene oral são: escovar os dentes com pasta dentífrica, três vezes ao dia, e utilizar o fio dentário pelo menos uma vez ao dia, de preferência à noite. Para além disso, as pessoas devem consultar o médico-dentista de seis em seis meses, com o objectivo de fazer uma higienização e despistar qualquer lesão da Doença Cárie Dentária, bem como qualquer  inflamação gengival, que numa fase inicial se chama Gengivite, mas que depois numa fase mais avançada entra no que chamamos Periodontide, ou seja, além da inflamação da gengiva, há inflamação do osso que suporta os dentes e também do ligamento que envolve os dentes.

Em relação aos elixires, como fazer uma boa escolha?
Em função daquilo que são as necessidades, os elixires podem ter uma acção sobre a estrutura dentária, mais especificamente sobre o esmalte, e nesse caso são recomendados os elixires com flúor. Se o objectivo for o tratamento de patologia gengival, então terão de ser considerados outro tipo de elixires. Neste momento, em termos de comunidade científica, os elixires mais aceites são aqueles que contêm clorexidina na sua constituição. Os elixires com flúor devem ser de uso diário, mas no caso dos elixires com clorexidina, o uso deve variar consoante a prescrição médica: estes não se podem usar durante muito tempo de maneira consecutiva. Se uma pessoa usar um elixir de clorexidina durante três meses consecutivos, acaba por ficar com os dentes pigmentados de negro.

E em relação às escovas eléctricas? São, de facto, mais eficazes que as tradicionais?
As escovas eléctricas são um meio que é recomendado em termos de promoção da higiene oral. Mas é preciso ter em atenção que este meio tem de ser bem utilizado: muitas vezes, as pessoas fazem os mesmos movimentos com a escova eléctrica que fazem com a escova dentária, o que não é correcto. Com a escova dentária, devem ser feitos movimentos rotativos, mas no caso da escova eléctrica, ela já faz esses movimentos sozinha e tem as cerdas de maneira a formar uma concavidade, que serve para se adaptar à convexidade dos dentes. Por isso, o movimento correcto passa por colocá-la durante algum tempo sobre cada dente, tanto na parte exterior como interior e também na parte mastigatória. A escova eléctrica tem indicações no caso das pessoas que têm limitações ao nível da mobilidade dos membros superiores. Por exemplo, no caso de pessoas acamadas, a escova eléctrica facilita muito a escovagem ao pessoal auxiliar, desde que utilizada da maneira correcta. No nosso país, a população está a envelhecer cada vez mais e os cuidadores nas Misericórdias, nos lares, etc., não têm, na maior parte das vezes, a formação adequada para a área da higiene oral. Acho que se justificava aqui um maior esforço na formação destas pessoas.



 


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